Open Science: como o Brasil se prepara para mudar sua forma de fazer ciência

Open Science: como o Brasil se prepara para mudar sua forma de fazer ciência

A ciência e a produção científica se transformaram ao longo

By Published On: 13/07/2022

A ciência e a produção científica se transformaram ao longo da pandemia, com um ambiente de mais colaboração e troca de informações facilitado pela tecnologia. Na esteira de iniciativas de outros setores, como o Open Banking, começa a engatinhar no Brasil o movimento de ciência aberta ou Open Science. Mesmo no início, já há intensos debates sobre sua importância, benefícios, potencialidades, implicações, desafios e impactos na comunidade científica brasileira.

A ideia geral é aproveitar a evolução tecnológica e a geração de uma infinidade de dados para trazer melhorias de diversas formas. Assim como nos outros modelos abertos, no Open Science, o conceito também envolve a troca de dados, mas no sentido de promover esforços conjuntos de pesquisa, avaliação, disseminação e o uso do conhecimento de maneira aberta e gratuita.

“O movimento de ciência aberta tem relação com uma nova forma de fazer ciência. Uma ciência mais colaborativa, mais compartilhada, apostando que a interação entre os grupos de pesquisa e a sociedade possa fazer a ciência avançar de uma forma mais eficiente, dando mais retorno em relação aos grandes problemas sociais”, explica a vice-presidente de educação, informação e comunicação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Cristiani Vieira Machado.

Ela lembra, contudo, que “ainda não existe um consenso do que é ciência aberta, trazendo uma variabilidade interpretativa sobre esse termo, que hoje em dia envolve uma série de dimensões”.

Como funcionaria o Open Science?

Dentre as principais dimensões que envolvem o movimento de ciência aberta estão o acesso aberto às publicações científicas – em contraposição às cobranças de taxas elevadíssimas das revistas científicas internacionais, seja para publicar ou para ter acesso a artigos científicos – e o compartilhamento dos dados de pesquisa pelo grupo responsável, principalmente quando há financiamento público, para ser reaproveitado por outros grupos e ampliar ao máximo o aproveitamento para a sociedade.

Há ainda um olhar especial para a ciência cidadã, que tem relação com a forma que a própria sociedade pode contribuir com a produção de conhecimento. Algo como o que já acontece nas áreas de Vigilância Epidemiológica e Controle de Zoonoses, na Fiocruz. “Dentro do controle da febre amarela, a própria comunidade envia informações para informar onde existem macacos doentes, alterações ambientais, entre outras questões que serão analisadas para identificar possíveis riscos para a saúde coletiva. Sendo assim, existem diversas dimensões dentro desse debate sobre ciência aberta, que é muito amplo e complexo”, contextualiza Cristiani.

O primeiro marco de ação internacional em relação à ciência aberta foi aprovado em novembro de 2021 por 193 países participantes da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Essas nações construíram e aprovaram de forma conjunta as Recomendações para a Ciência Aberta pela UNESCO

O diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), professor Luiz Eugênio Mello, ressalta que “um exemplo da relevância desse movimento é o fato de que a União Europeia dedicou um grande volume de recursos para apoiá-lo. De fato, desde 2020 não é possível receber financiamento público para pesquisa para seus países se a ciência desenvolvida por um projeto não for aberta. No Brasil, faz parte dos planos nacionais sucessivos do Governo Federal para o Governo Aberto, que incluem ciência aberta como um dos ramos”.

Criação do consórcio CoNCienciA

No fim de março, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (CNPq/MCTI), assinou o acordo de cooperação do consórcio CoNCienciA, que estabelece as bases de cooperação técnica e operacional visando à promoção de atividades de incentivo à prática da ciência aberta no Brasil.

O consórcio agrega diferentes órgãos públicos, como o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), a Fiocruz, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), com o intuito de trocar práticas e experiências relacionadas à ciência aberta e suas diversas dimensões. São instituições que atuam na área de ciência aberta e já trabalham na criação de repositórios de pesquisa, como é o caso da Fiocruz e da Embrapa.

Um dos elementos essenciais neste movimento de abertura de todo processo científico são os dados de pesquisa, cujo compartilhamento vem sendo cobrado por agências financiadoras brasileiras e internacionais. Em dezembro, o CNPq e o IBICT assinaram um acordo de cooperação para a criação de um repositório de dados científicos, o Lattes Data – a plataforma foi lançada em 27 de junho.

A ideia é que cada universidade e instituição de pesquisa do país possua seus próprios repositórios para que os dados sejam disponibilizados de maneira aberta e colaborativa, promovendo assim uma economia e a aceleração dos dados de pesquisa. Desta forma, esses dados poderão ser reutilizados e analisados sob um aspecto diferente daquele pelo qual foi realizado na primeira coleta.

“O repositório de dados é uma iniciativa que deve ser disseminada em todo o Brasil, pois assim daremos visibilidade mundial aos conjuntos de dados depositados pelos nossos pesquisadores e alinhados às práticas internacionais de ciência aberta. Esse é o segundo passo dentro desse movimento da ciência aberta”, avalia Bianca Amaro, coordenadora geral de Pesquisa e Manutenção de Produtos Consolidados e do Programa Brasileiro de Ciência Aberta do IBICT e presidente da Rede Latino Americana de Repositório de Acesso Aberto à Ciência (LA Referencia).

“O primeiro grande passo”, segundo ela, “foi relacionado ao movimento de acesso aberto às publicações científicas. Neste sentido, o IBICT também está colaborando na criação de um grande observatório de ciência aberta e de dados de pesquisa dentro do âmbito da Fiocruz”.

Outra iniciativa do IBICT é a conexão da publicação científica com os dados científicos: “Este passo será muito importante para que tenhamos uma visão geral da produção de dados no Brasil. Para isso, temos dentro do IBICT um portal que agrega informações tanto das publicações científicas brasileiras, como também dos dados científicos brasileiros, que é disponibilizado gratuitamente: o Oasisbr. Todas essas ações relacionadas com a ciência aberta trazem visibilidade às produções e aos dados científicos brasileiros ao mundo. Hoje em dia, quem não é visível dentro da ciência, não existe”, destacou Bianca.

Desafios pela frente

Segundo a coordenadora do Programa Brasileiro de Ciência Aberta do IBICT, no Brasil, ainda estamos em fase de construção da infraestrutura da ciência aberta, dando explicações e esclarecimentos junto aos gestores de ciência e tecnologia sobre como será realizada essa iniciativa.

“Internacionalmente, as infraestruturas já estão muito mais avançadas do que em toda a América Latina. Até porque há de se considerar que nem o Brasil, nem os demais países da América Latina, possuem fundos regionais para o desenvolvimento de ações conjuntas, diferentemente da Europa, por exemplo”, analisou a pesquisadora. 

Um outro ponto muito importante é que todas essas ações relacionadas à ciência aberta vêm ao encontro das exigências que são realizadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE.

“E como o Brasil quer fazer parte da OCDE é muito importante que sigamos essas orientações. Aliás, por duas vezes, desde 2017, tentamos emplacar uma lei relacionada ao acesso aberto e agora também à ciência aberta no país, sem sucesso. Inicialmente, houve uma resistência muito grande da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Além disso, existe um desconhecimento por parte do nosso Legislativo sobre o que de fato significa a ciência aberta e aquilo que nós já temos desenvolvido no Executivo, para que possamos de fato ter uma melhor atuação internacional”, contou Bianca.

Outras iniciativas brasileiras

A FAPESP vem definindo e praticando iniciativas e políticas associadas à ciência aberta há mais de 30 anos, por meio de normas, programas e ações em diversas esferas, como lembra Luiz Eugênio Mello:

“As ações da FAPESP em ciência aberta baseiam-se no princípio de que resultados da pesquisa financiada pela FAPESP devem ser tornados públicos dentro do menor prazo possível, respeitadas as tradições de cada domínio científico, resguardados os princípios da ética científica, privacidade e segurança, assim como a proteção da propriedade intelectual. Além do apoio ao SciELO, destacam-se a política de acesso aberto, as ações voltadas a planos de gestão de dados e a coordenação da criação da rede de dados abertos de pesquisa do estado de São Paulo”. 

Um projeto que também visa compartilhar dados científicos é a Plataforma Analítica de Modelos para Epidemiologia (PAMEpi), uma iniciativa da Fiocruz em parceria com a Jusbrasil.

“A plataforma é uma das únicas no Brasil que consegue abordar em um único ambiente processamento de dados, modelagem, visualização e divulgação científica que se atualiza em tempo real na medida que os dados são utilizados. Um produto de inovação que demonstra uma nova tendência em se fazer vigilância epidemiológica”, explica a pesquisadora pós-doutoranda do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz), Juliane Oliveira.

Através da pesquisa científica, a equipe da PAMEpi analisa quais os fatores que influenciam a emergência e transmissão de uma doença, como no caso da Covid-19. 

“Todas essas informações são públicas. Contudo, estavam disponíveis de maneira muito pulverizada para a consulta pública, o que dificulta e amplia o tempo de coleta, de processamento e de análise dos dados. Como o Jusbrasil centraliza as informações que estão espalhadas nos tribunais por todo o Brasil, utilizamos a tecnologia para criar uma ferramenta que otimiza e refina de maneira relevante o processo de busca”, esclareceu o co-fundador e CEO do Jusbrasil, Rafael Costa.

Úrsula Neves

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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