Anúncio do Ministério reforça expectativa da indústria para a publicação do novo marco regulatório de PDP
Anúncio do Ministério reforça expectativa da indústria para a publicação do novo marco regulatório de PDP
Apresentação do GECEIS traz alguns aspectos gerais, mas indústria aguarda públicação na íntegra para avaliar regras de PDP e PDIL.

Secretário Carlos Gadelha em apresentação do GECEIS na última terça-feira (18) (Foto: Rafael Nascimento/MS)
O Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (GECEIS), responsável por desenvolver a política de industrialização no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), se reuniu na manhã de terça-feira (18) para apresentar ao Governo e ao mercado aspectos gerais que irão constar nos novos marcos regulatórios para as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) e de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL).
A expectativa da indústria farmacêutica era de que, após o período de consulta pública, as novas portarias fossem apresentadas para que houvesse uma discussão com o setor antes da sua publicação, prevista para a próxima sexta-feira, 21 de junho. No entanto, a apresentação de membros do Governo trouxe apenas alguns indícios do que irá constar na nova política, o que causou frustração e manutenção da expectativa aos presentes, apesar do passo dado pelo Ministério.
“Existia uma tradição dos Governos Lula e Dilma passados, que continua fortemente na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que após uma consulta pública as entidades sentam com um gestor para aparar as arestas de uma portaria. Isso porque nós que temos a prática, vivemos o dia a dia de uma transferência de tecnologia, as empresas vivem o dia a dia da inovação. No final quem decide é o gestor, mas as empresas podem ajudar. Infelizmente, isso não aconteceu agora”, afirma Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma).
A reunião contou com participação da ministra Nísia Trindade e do secretário Carlos Gadelha, da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde, além de Leandro Safatle, que atuava como diretor do Departamento do Complexo Industrial e Inovação em Saúde e nesta quinta-feira foi nomeado como secretário adjunto de Gadelha.
A revisão dessa política é aguardada pelo setor privado, que busca alterações como a possibilidade de realizar transferências por etapas, firmar parcerias entre empresas privadas, alteração nas regras de precificação entendendo o potencial das PDPs para além da negociação de medicamentos e um olhar do Ministério para outras áreas, como dispositivos médicos.
Entre os aspectos apresentados está a estrutura que cada portaria deve ter, as áreas prioritárias do Governo, como saúde digital, produtos com risco de desabastecimento e tecnologias para preparação de emergências sanitárias, e o prazo de 90 dias para que empresas façam propostas de parcerias.
“Realmente acredito que o Ministério está tentando transformar o modelo de parceria público-privada usando todas ferramentas que tem. Conseguiram encaixar isso dentro das regras da Nova Indústria Brasil e das regras regulatórias. Mas enquanto não vermos o todo, não sai nada”, aponta Renato Porto, presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma).
Avaliação inicial sobre a apresentação das portarias
Consultores e entidades que acompanharam o evento puderam ver aspectos gerais dos novos marcos regulatórios e a estrutura das portarias. A análise geral é que a apresentação não trouxe elementos suficientes para que haja uma análise robusta sobre o tema, sendo necessário aguardar a publicação oficial, prevista para sexta (21).
No entanto, na avaliação de Gustavo Swenson Caetano, sócio de Life Sciences & Saúde do escritório Mattos Filho, foi possível observar algumas mudanças. “Alguns pontos que já estavam identificados lá atrás como fragilidade do modelo de PDP parecem ter um esforço do Ministério para endereçar. A pasta optou por definir matrizes estratégicas, que abre um leque maior de produtos para aquela necessidade, como por exemplo cardiologia. É um benefício porque não engessa tanto”, explica.
Na apresentação do Ministério, o Programa Nacional de Redução de Filas foi colocado como uma das prioridades para análises de parcerias, cobrindo produtos e tecnologias para oncologia, cardiologia, ortopedia e oftalmologia. Também houve indicações de que dispositivos médicos que ajudem no diagnóstico e tratamento também serão contemplados.
“Indiretamente o setor de dispositivos médicos foi abordado, porque o Gadelha mencionou que dentre as áreas prioritárias estão emergências em saúde pública, com exemplo da dengue, onde tem ativamente um papel importante dos dispositivos no que diz respeito a equipamentos de análises clínicas e diagnósticos, seja in vitro ou laboratorial”, afirma Renata Rothbarth, partner de Life Sciences, Digital Health & Healthcare da Machado Meyer Advogados.
Para a indústria farmacêutica, é preciso mais detalhamento. Dentro da oncologia, por exemplo, existem diversas áreas, e por isso há uma cobrança para que as portarias e o Ministério da Saúde tragam mais especificidade ao que realmente buscam suprir dentro da demanda do SUS.
“O Governo apresentou um ponto sobre o fim progressivo das cotas de produtos objetos de PDP, durante o período de transferência de tecnologia. Antigamente tinha, pelo período de 10 anos, uma cota definida de quanto seria vendido ao SUS. Agora, entendemos que haverá uma redução, que está sujeita a efetiva fabricação nacional por parte do laboratório público”, observa Rothbarth.
O GECEIS também trouxe alguns critérios que podem ser utilizados como forma de priorizar alguns projetos, como proposições que tragam promoção da transição ecológica e digital e políticas de igualdade de gênero, antirracistas e de promoção da diversidade, além de projetos que tragam contribuição para saúde global da América Latina e África. Não se sabe como isso vai funcionar na prática, o que gera apreensão no setor.
“O evento apresentou alguns pontos, mas a norma em si, que é a grande preocupação, não. É um assunto extremamente técnico, que precisamos ter muita segurança regulatória e jurídica. Imagina que estamos falando de uma parceria que dura 10 anos. Não ter apresentado a própria minuta nos limita a contribuir e fazer a avaliação sobre os pontos que apresentamos” defende Renato Porto, da Interfarma.
Demandas da indústria para o novo marco de PDP
Uma das principais demandas da indústria está em relação à precificação das parcerias de transferência tecnológica. Segundo as fontes ouvidas, existem casos em que acordos firmados anteriormente não foram para frente porque o preço final do medicamento ofertado ao SUS acabava perdendo espaço para produtos produzidos na Índia ou China e vendidos via licitação, não levando em consideração o ganho que o país tinha em relação à transferência de tecnologia.
“Sempre existiu a discussão de como se precifica a tecnologia. Na medida que tem um processo de transferência de tecnologia que vai gerar um produto final, este medicamento deve ter uma composição do preço. Não é fácil valorar, há diferentes fatores dependendo do tipo de produto pode interferir. Não tem uma fórmula mágica”, observa Gustavo Swenson Caetano, sócio do Mattos Filho.
Na apresentação do GECEIS houve o indicativo de que há um trecho da portaria que versa sobre “Preço: justificar considerando o valor do produto e da tecnologia”, mas ainda não há detalhes de como isso será feito. O tema é considerado essencial para o sucesso das PDP e a busca pela redução da dependência externa.
Entre as pautas defendidas pela Interfarma está a possibilidade de desenvolver parcerias para etapas de processo, e não necessariamente tudo que envolve a produção de um medicamento. De acordo com Renato Porto, presidente da Interfarma, em muitos casos, tecnologias utilizadas em partes do desenvolvimento podem ser mais interessantes e utilizadas em diferentes produtos, sendo um primeiro passo.
“Se a PDP mantiver a obrigatoriedade da transferência do IFA, pode ser um grande limitador. Estamos falando do radical do produto, que contradiz um modelo de PDP de forma mais ampliada, onde poderíamos ter a transferência de um método. É claro que o Ministério quer fazer o avanço da tecnologia, mas isso não pode ser uma barreira inicial para as PDPs”, explica ele.
Já o Sindusfarma defende que as PDP possam ser feitas entre laboratórios privados sem a necessária participação de uma instituição pública, como é feito atualmente. “Faz-se imprescindível esclarecer se o arranjo das PDPs – tal como indicado por essa portaria e, por vezes, omissa quanto à participação do setor produtivo privado instalado no país – é capaz de atender de fato a meta proposta de redução da dependência tecnológica nacional”, questionou a entidade durante a consulta pública da portaria.
Próximos passos das PDPs
Após a publicação das portarias, a indústria terá 90 dias para propor projetos de parcerias dentro das PDPs. Existem dúvidas no setor se esse prazo é curto, frente aos conteúdos dos marcos regulatórios. Não se sabe ainda se o trabalho para a construção de propostas será muito diferente do que já era feito até então. Já sobre a PDIL há ainda mais dúvidas. Por ser um instrumento novo, não se sabe exatamente como vai funcionar.
“O que ela busca é o desenvolvimento de soluções, é um programa mais amplo que abre espaço para reduzir vulnerabilidade produtiva, tecnológica e de sustentabilidade, mas de algo diferente que ainda não está pronto ou não existe”, explica Gustavo Swenson Caetano, do escritório Mattos Filho. Na apresentação do Governo, a indicação é que a parceria poderá ser feita de diferentes formas, que inclui convênios, acordos de cooperação técnica e encomendas tecnológicas.
Renata Rothbarth, do Machado Meyer Advogados, chama a atenção para o acompanhamento do Tribunal de Contas da União (TCU). Sendo as PDP objetos de discussão do órgão, fiscalizando e emitindo recomendações ao Ministério da Saúde, as novas portarias devem ser analisadas.
“Como o TCU vai interpretar essas novas normas pode ser um desdobramento. O Tribunal está justamente no momento de avaliar a manifestação que foi dada pelo Ministério no sentido que eles parcialmente cumpriram alguns dos requisitos exigidos. Com a publicação dessas novas normas, a pasta tem mais 6 meses para cumprir outras exigências. Não descartaria ter algum tipo de repercussão se eles estão de acordo”, explica ela.
Entre os pontos cobrados pelo TCU e que podem estar contemplados pelas novas portarias está a adoção de parâmetros objetivos para a análise de propostas de projetos e atribuição de notas às propostas. A estrutura da portaria das PDPs também conta com Monitoramento e Avaliação, considerado um ponto importante para o sucesso delas.
“O TCU cobrava métricas para o acompanhamento, pois eram muito simples. A depender das empresas ou entidades envolvidas, algumas tinham processos de transferência muito bem sucedidos, seja pela capacidade do laboratório público ou do parceiro privado, sobre o quanto ele tinha capacidade de transferir o conhecimento. Não é plug and play. Estão tentando trazer métricas mais objetivas para serem mais rígidas nesse processo”, observa Gustavo Swenson Caetano.
Expectativa do mercado
“Os próximos 90 dias vão ser bem agitados para entendermos como o Ministério vai avaliar esses projetos. O setor ficou um pouco preocupado com o prazo, mas em contraponto o Ministério disse que pretende receber os projetos, fazer as análises e que conta com dotação orçamentária para celebrar termos de parcerias ainda em 2024”, observa Renata Rothbarth.
Apesar da expectativa pela publicação das portarias, há um “otimismo cauteloso” na indústria. Isso porque ainda não se sabe sobre quais arcabouços legais deverão ser feitos e propostos os projetos, além do quanto as participações em consultas públicas e demandas do setor foram contempladas.
Também há dúvidas sobre a meta do Ministério da Saúde, que busca suprir 70% da demanda do SUS. “Continua sendo uma meta muito grande e difícil de ser atendida. Mas temos que começar a trabalhar, para que possamos mostrar alguma coisa para sociedade brasileira que está esperando, assim como empresários, academia e pesquisadores estão esperando. Há uma expectativa de que tenha coisas para que possam trabalhar e desenvolver o país”, observa Nelson Mussolini, do Sindusfarma.
Gustavo Swenson Caetano aponta que existe interesse principalmente daquelas empresas que já possuem parcerias nesse sentido. “No mundo de multinacionais, por exemplo, não é toda empresa que tem essa vontade de celebrar acordos com o Governo por tudo que envolve riscos intrínsecos de contratos públicos, em que pese o potencial econômico gigantesco”, observa.
É o caso, por exemplo, da Sandoz. Multinacional focada em genéricos e biossimilares, conta com 2 PDP em desenvolvimento, uma com o Instituto Butantan e outra com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), através do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), e a Bionovis.
“Parte da indústria farmacêutica estava aguardando. Temos potencial para impactar o desenvolvimento de inovação de tecnologia, e consequentemente na ampliação do acesso no Brasil. Temos 2 PDP com distintos parceiros, mas temos um pipeline robusto para pensar nos próximos 5 anos. Era necessário uma atualização e o impacto vai ser positivo”, afirma Marcelo Belapolsky, Country Head da Sandoz do Brasil.
O executivo reforça que a expectativa é que o novo marco regulatório traga ainda mais transparência. Ainda, vê com bons olhos a possibilidade da portaria trazer um capítulo dedicado às sanções, o que inclui advertência, multa e suspensão de participação em novos acordos. “Vão permitir elevar a barra de exigência e comprometimento com os projetos da PDP”, observa.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.