Novas terapias para câncer de mama avançam na segmentação e personalização

Novas terapias para câncer de mama avançam na segmentação e personalização

O câncer de mama é possivelmente o mais conhecido e um

By Published On: 08/03/2023
Estudo ASCO câncer de mama

Público aplaude de pé apresentação dos resultados do estudo DESTINY-Breast04 no Congresso da ASCO em 2022.

O câncer de mama é possivelmente o mais conhecido e um dos mais frequentes. As estimativas do Instituto Nacional do Câncer (INCA) apontam que 73.610 mulheres brasileiras desenvolverão a doença a cada ano, entre 2023 a 2025. No mundo, representa quase 25% de todos os casos. Um levantamento da American Cancer Society também indica que uma a cada oito mulheres que viverem até os 75 anos terão o diagnóstico. A boa notícia é que a pesquisa deu grandes passos nas últimas décadas, aumentando a chance de cura, prolongando a sobrevida de pacientes com tumores avançados e melhorando a qualidade de vida.

O avanço em todos os campos fez com que a ciência chegasse à conclusão de que o câncer de mama não é uma única doença. Ela é extremamente heterogênea, o que significa que pode se comportar de diversas maneiras e, como cada caso é diferente, os tratamentos também são distintos.

Por todo esse contexto, segundo Laura Testa, oncologista clínica na Oncologia D’Or em São Paulo e chefe do Grupo de Oncologia Mamária no ICESP, “é uma área que acaba recebendo grandes aportes e recursos para pesquisas. Então, sempre tem novidades”. A profissional também observa que os recursos terapêuticos vêm constantemente mudando para oferecer melhores tratamentos aos pacientes.

Uma dessas novidades veio da última edição do congresso da ASCO (American Society of Clinial Oncology ou Sociedade Americana de Oncologia Clínica), considerado o mais importante evento internacional da área. Lá foram apresentados os resultados de um estudo chamado DESTINY-Breast04, com a aplicação de uma terapia para um perfil específico de mulheres com câncer metastático – vamos abordar mais adiante. Os dados divulgados na ocasião foram tão impactantes que os participantes do congresso aplaudiram de pé.

Ao mesmo tempo em que os investimentos em pesquisa e novos tratamentos são essenciais, é preciso também garantir o rastreio adequado, já que o diagnóstico precoce está associado a taxas de cura superiores a 95%, como observa Romualdo Barroso, oncologista clínico, head de pesquisa em oncologia e líder nacional de câncer de mama da DASA Oncologia: “Investir recursos na realização de mamografias e ultrassonografia das mamas é muito importante”.

Classificação morfológica e o tratamento adequado para câncer de mama

O câncer de mama pode ser dividido em vários tipos dependendo das características das células da mama a partir das quais se desenvolve e também do grau de extensão da doença e sua evolução ao longo do tempo. Isso se reflete nos tratamentos utilizados. A oncologista clínica Maria Cristina Figueroa Magalhães, da Oncoclínicas, contextualiza melhor essa divisão:

“O principal deles são os tumores relacionados aos receptores hormonais femininos chamamos de luminais. Na sequência, há os tumores que expressam a proteína HER2, que podem vir acompanhados também de positividade dos receptores hormonais ou virem expressando única e exclusivamente a proteína HER2, denominada HER2 puro. Outro subtipo são os triplos negativos, um cenário bastante heterogêneo da doença que pode se comportar de diversas maneiras”.

Na última década, muitos esforços têm sido feitos para complementar a classificação morfológica do câncer de mama com parâmetros moleculares. Isso pode fornecer maior conhecimento sobre os diferentes tipos de câncer de mama e sua evolução para melhorar as estratégias de tratamento, levando ao desenvolvimento das terapias-alvo. O objetivo é encontrar os melhores tratamentos para cada tipo de câncer. 

Magalhães ainda destaca que, normalmente, as novas terapias e tecnologias são implementadas em uma forma inicial nocenário metastático. Com a presença da doença se torna mais fácil avaliar alguns desfechos importantes como resposta ao tratamento, sobrevida global e tempo livre para que a pessoa precise de um novo tratamento. Uma vez que os resultados em ambiente metastático são positivos, elas começam a ser levadas para etapas mais precoces, diz a oncologista.

Terapias com anticorpo monoclonal são tendência

Mas se, por muitos anos, a cirurgia, quimioterapia e radioterapia fizeram parte do tratamento, hoje há muitas mudanças: “Atualmente indicamos bem menos quimioterapia do que no passado”, sinaliza Romualdo Barroso, da DASA Oncologia.

Nesse sentido, uma das novidades que vem se destacando para o tratamento de câncer de mama HER2 são os chamados Anticorpo Monoclonal Droga-Conjugada (ADC). Os anticorpos monoclonais são moléculas produzidas em laboratório projetadas para servir como anticorpos substitutos que podem restaurar, melhorar, modificar ou imitar o ataque do sistema imunológico a células indesejadas, como as cancerígenas.

“Eles vieram muito para melhorar o prognóstico e tempo de vida da paciente e o tempo de controle da doença, até precisar de novas linhas de tratamento”, explica a oncologista Daniela Rosa, diretora da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e coordenadora do Comitê de Tumores Mamários da instituição.

Um dos tratamentos desse gênero é o trastuzumab deruxtecan, fruto de uma aliança global entre a japonesa Daiichi Sankyo e a AstraZeneca. Administrada por meio de injeções para casos avançados, ela consegue “enganar” as células tumorais, que abrem a porta ele. Uma vez lá dentro, ele libera a quimio e os destrói. E aqui voltamos para os resultados do estudo, o DESTINY-Breast04, apresentado no ASCO do ano passado.

A pesquisa identificou que metade dos pacientes com câncer de mama têm tumores com baixa expressão do HER2 (que passou a ser chamado de HER2-low). Só que antes dessa nova classificação, esse grupo de pacientes não fazia parte daquele que era indicado o tratamento com essa terapia. Ao fazer o ensaio clínico em 557 pacientes com câncer de mama mestastático HER2-low, os resultados mostraram uma redução de risco de 50% de progressão da doença ou morte quando comparado ao grupo que recebeu quimioterapia, com sobrevida livre de progressão mediana de 9,9 meses – contra 5,1 meses naqueles tratados com quimioterapia. Com essa nova indicação, a população de pacientes que poderá se beneficiar do tratamento passa de 15% para 60%.

A terapia foi aprovada pela Anvisa em 2021 no Brasil, com indicações em bula para alguns subtipos específicos de câncer. Em junho 2022, o órgão aprovou o tratamento de segunda linha de pacientes com câncer de mama HER2+ metastático ou irressecável, previamente tratados com trastuzumabe e um taxano. E em novembro, após os resultados do estudo apresentado no ASCO, a Anvisa aprovou a nova indicação do medicamento para pacientes com HER2-low também sob certas condições.

Gabriela Prior, diretora de assuntos médicos da Daiichi Sankyo Brasil, avalia que as recentes aprovações permitem que a população de pacientes beneficiadas pelo tratamento seja consideravelmente ampliada: “Isso eleva o potencial de assistência às necessidades não atendidas no Brasil”.

Na mesma linha está o sacituzumabe govitecana. É um anticorpo humanizado contra a proteína Trop2 que se liga ao metabólito ativo do irinotecan (SN-38), um potente quimioterápico que inibe a topoisomerase e impede o crescimento de células tumorais.

Em 2022, a Anvisa aprovou registro para pacientes com câncer de mama subtipo triplo negativo (TN) irressecável ou metastático. Recentemente, em fevereiro, foi aprovado para o tratamento do câncer de mama (RH positivo) HER2 negativo metastático nos EUA. “São medicamentos muito novos que vieram para acrescentar a linha de tratamento e melhorar o prognóstico dessas pacientes”, ressalta Daniela Rosa, da SBOC.

Na visão de Laura Testa, da Oncologia D’Or, é uma inovação: “Assim conseguimos entregar efetivamente a medicação. De outras formas podia ser mais tóxico e com mais efeitos colaterais. É um jeito diferente de explorar outros alvos.” A oncologista explica que no fim do dia acaba se parecendo muito com quimioterapia e são infusões intravenosos. Para o triplo negativo está disponível no Brasil e para o positivo não tem uma previsão especificamente. Sobre as aprovações da Anvisa, Testa considera que “as evoluções têm sido rápidas. Estamos animados com a Anvisa olhando para os tumores oncológicos”.

Inibidores de ciclina

Outra possibilidade envolve os inibidores de ciclina (CDK), indicados para pacientes que têm o chamado HR+/HER2- (receptor hormonal positivo/receptor do fator de crescimento epidérmico humano 2 negativo): “É inovador porque traz uma nova possibilidade de tratamento para um sequenciamento menos tóxico e igualmente ou até um pouco mais eficaz para os pacientes com câncer de mama receptor normal positivo, em especial no cenário metastático”, explica Magalhães. Ou seja, este tratamento é menos agressivo do que a quimioterapia tradicional porque ataca as células cancerígenas de forma mais seletiva, bloqueando sua capacidade de se multiplicar.

A classe tem um impacto gigantesco na prática porque sãomedicações que trazem qualidade de vida e melhores desfechos oncológicos, já que, muitas vezes, a pessoa pode ficar anos em tratamento.

Este medicamento oral, produzido pela Novartis, foi aprovado em 2018 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Porém, a expectativa para disponibilidade no Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não existe. A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC) recomentou a incorporação do medicamente em 2021, mas até o momento ainda não é uma realidade.

Exames também evoluem para avaliar possíveis respostas

Além das terapias em si, os exames para avaliar as possíveis respostas também ganham protagonismo nesse novo cenário. Quando falamos do câncer de mama positivo para receptor de estrogênio, fator de crescimento epidérmico humano 2 (ER+/HER2+) positivo, uma doença molecularmente diversa e diferenças intrínsecas entre cânceres em pacientes podem levar a diferentes respostas ao mesmo tratamento. Neste caso, são indicados os testes moleculares para avaliar a “sensibilidade” à quimioterapia.

Eles identificam mulheres com menor probabilidade de responder ao tratamento padrão de câncer de mama: “Isso é possível na doença do tipo hormônio-positivo. Eles avaliam o perfil de expressão de genes do tumor e nos dizem se o paciente teria benefício ou não do uso da quimioterapia”, avalia Romualdo Barroso, da DASA Oncologia. Ou seja, permitem que a equipe médica escolha o tratamento certo para a paciente.

Há também a biopsia líquida, que ajuda a descobrir com mais precisão qual o tipo e subtipo do tumor. O exame permite realizar uma análise genética e descobrir quais características específicas ou mutações aquele tumor possui. Isso ajuda a determinar o tratamento específico. “Permite avaliar células tumorais circulantes e o quanto a gente pode estar monitorando isso antes mesmo de surgir alterações de imagem”, explica a oncologista Maria Cristina Figueroa Magalhães.

As tendências e as apostas para o futuro

Como é uma área com muitas novidades, outra aposta é a vacina para o câncer de mama, ainda em estudo, mas que traz esperança. Os pesquisadores da Cleveland Clinic, dos EUA, deram o próximo passo em seu novo estudo de uma vacina para prevenir o câncer de mama triplo negativo, a forma mais agressiva e mortal da doença. Os estudos iniciaram em 2021 e devem ser concluídos em 2023. A pesquisa é financiada pelo Departamento de Defesa dos EUA e será realizada no campus principal da Cleveland Clinic, que avaliará a segurança e monitorará a resposta imune.

Além disso, a medicina personalizada tem avançado, como aponta a oncologista Maria Cristina Figueroa Magalhães: “Estamos caminhando para cada vez mais personalizar o tratamento, entender realmente a biologia daquele tumor, como que aquela paciente vai responder melhor ou não”, afirma. Da mesma forma, Romualdo Barroso acredita que cada vez mais será realizado sequenciamento gênico para o tratamento do câncer de mama em busca da personalização do tratamento.

Magalhães ainda ressalta que os tratamentos estão mudando porque surgemcombinações de novas estratégias de tratamento e novas compreensões. Até mesmo para saber o porquê de algumas drogas não funcionarem, quais são esses mecanismos de resistência: “Entender por qual motivo aquele esquema de tratamento é positivo, enquanto para outra paciente não vai funcionar”, desenha.

Quando olhamos para o futuro, Romualdo Barroso acredita que as principais apostas são o aumento das indicações dos anticorpos conjugados (alguns já aprovados) e aprovação de novas medicações dessa classe, opinião também compartilhada pela doutora Laura Testa.

Gabriela Prior, da Daiichi Sankyo Brasil, afirma que as pesquisas de câncer de mama são uma das áreas importantes neste contexto. “Estão em andamento estudos clínicos com moléculas com foco nesses pacientes e podemos esperar novidades para os próximos anos com a conclusão dos mesmos”.

E o desafio, claro, continua sendo os custos a esses novos medicamentos e tratamentos, bem como o seu acesso: “Para o futuro precisamos entender como situar os altíssimos custos dos medicamentos novos que têm mudado para melhor a vida das pacientes, mas como fazer um equilíbrio entre os preços e como continuar pagando. Esse é o grande desafio da SBOC e de todos nós, médicos, oncologistas de forma geral”, avaliaDaniela Rosa.

O acesso a esses tratamentos

Para Laura Testa, da Oncologia D’Or, é preciso avançar na questão do acesso. Em sua visão, a cadeia do tratamento oncológico requer muita tecnologia e integração entre as diversas áreas: “E junto com toda essa complexidade, temos o crescente custo dos medicamentos. Há muita pesquisa envolvida, cada vez novos fármacos e eles chegam com preços cada vez mais altos”.

“É uma lógica muito complexa. A gente precisa como sociedade dialogar com todas as partes interessadas. As pacientes obviamente, mas quem paga essa conta e como a gente faz com que os melhores tratamentos cheguem a todas as pessoas”.

E há ainda a questão do tempo de incorporação na saúde suplementar e no SUS, como lembra Daniela Rosa, da SBOC: “As mulheres tratadas no SUS ficam alguns anos sem acesso a várias drogas inovadoras que estão sendo utilizadas já na saúde suplementar”.

Para Maria Cristina Figueroa Magalhães, “precisamos diminuir as disparidades e os acessos aos tratamentos mais inovadores e mais eficazes relacionados ao câncer de mama”. Ela também observa que os problemas de uma região não vão ser iguais aos problemas de outra, mas que precisam ser mapeados, traçando algumas alternativas para diminuir essa diferença entre a saúde pública e a privada.

Angélica Weise

Jornalista formada pela UNISC e com Mestrado em Tecnologias Educacionais em Rede pela UFSM. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou nos portais Lunetas, Drauzio Varella e Aupa.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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