Para ex-presidentes, nova gestão da ANS com início em janeiro deve buscar diálogo e fortalecimento da agência
Para ex-presidentes, nova gestão da ANS com início em janeiro deve buscar diálogo e fortalecimento da agência
Mandato de Rebello expira em dezembro, e Governo Lula deve nomear novo diretor-presidente para assumir ANS.
Se encerra em dezembro de 2024 o mandato de Paulo Rebello como diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Com uma gestão marcada pela pandemia de Covid-19 e consequentes crises, ampliação de regras de cobertura para tratamento de transtornos globais do desenvolvimento – o que inclui o transtorno do espectro autista (TEA) – e embates com o Legislativo e o Judiciário, a atual diretoria ainda trabalha em pautas importantes, como a revisão dos planos ambulatoriais. Futuro da Saúde conversou com três ex-diretores-presidentes da ANS para entender, na visão deles, qual o perfil que o próximo diretor-presidente deve ter e quais desafios deve enfrentar à frente da nova gestão da ANS. Em unanimidade, eles concordam que o nomeado deve ter, essencialmente, capacidade de diálogo.
No entanto, há uma divergência sobre o olhar que deve direcionar sua gestão. Além das questões regulatórias sobre as operadoras, os desafios de sustentabilidade financeira e a busca por novas soluções para o setor, parte dos entrevistados também aponta que a Agência precisa retomar a visão de saúde, buscando dialogar com o Ministério, e avançar sobre a regulação de prestadores de serviços, como hospitais e laboratórios, frente à verticalização e consolidação do sistema.
Diante do cenário, o setor segue acompanhando as discussões para entender quem será o novo nome à frente da Agência. Nos bastidores, especula-se sobre de onde virá a indicação, já que existem indícios que a ministra Nísia Trindade tem se movimentado para encontrar o sucessor, enquanto Davi Alcolumbre (União Brasil/AP), candidato à presidente do Senado Federal em 2025, busca ocupar cargos em agências reguladoras como moeda de troca com o Governo Lula.
Apesar de a indicação ao cargo ser política, vinda do presidente da República, o Senado irá sabatinar o nomeado e votar em plenário. Com as eleições municipais em vista, deve haver uma negociação política sobre o tema, principalmente em um cenário onde o presidente do Senado tem controle sobre quais matérias devem entrar em votação na casa.
“Tem que ser alguém que goste do setor de saúde suplementar. Alguém que veja o setor de saúde suplementar como parte do sistema de saúde brasileiro. Seria ideal alguém com força no governo, com força dentro e fora do Ministério da Saúde, que pudesse realmente protagonizar luta política para reforçar o papel da Agência, porque essa é a questão central no momento”, afirma Januário Montone, primeiro diretor-presidente da ANS, entre 1999 e 2003, e consultor de projetos na Monitor Saúde.
Balanço da atual gestão
À frente da Agência, a gestão de Rebello foi marcada por avanços e desafios. Com cerca de 3 milhões de novos beneficiários, o setor enfrentou crises financeiras no período pós-pandemia de Covid-19, que teve início de recuperação em 2023 e 2024. A retomada de consultas e procedimentos eletivos e um novo comportamento do usuário foram alguns dos principais motivos para a crise.
Por outro lado, as agências reguladoras de forma geral buscaram, ao longo deste ano, um fortalecimento do quadro de funcionários e recomposição orçamentária, realizando até greves em julho. A ANS admitiu que enfrenta débitos e atrasos de pagamentos que acumulam 16 milhões de reais.
Em entrevista recente ao Futuro Talks, Rebello apontou a transparência como um dos principais legados da atual gestão. Segundo ele, a agência possui uma grande quantidade de informações que hoje estão disponíveis em painéis de acesso público. Alguns avanços só não aconteceram em sua visão pelas limitações orçamentárias.
“Rebello foi alçado à presidência em um debate bastante importante em relação a acesso a novas tecnologias e o desenvolvimento, com uma pressão muito importante da sociedade. Ele vem fazendo esse trabalho, tem uma capacidade de diálogo agregadora muito relevante, cumprindo as pautas previstas na agenda regulatória”, avalia Rogério Scarabel, sócio da M3BS Advogados e diretor-presidente da ANS entre 2019 e 2021, que passou o bastão ao atual ocupante do cargo.
A relação com o Congresso Nacional também foi de altos e baixos. Foi durante a sua gestão que a chamada lei do rol exemplificativo foi aprovada pelo Legislativo. Também houve aprovação, em 2022, da lei que obriga a ANS a incorporar ao rol aqueles tratamentos e tecnologias incorporadas ao SUS.
Entre as regras estabelecidas pela Agência, o fim da limitação do número de consultas e sessões com psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas foi considerado um marco. A diretoria também propôs alterar as regras para terapias avançadas, estabelecendo que elas deverão passar por Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS), para a inclusão ou não ao rol de procedimentos dos planos de saúde, como tentativa de frear o aumento exponencial de custos.
Mais recentemente, ao longo de 2024, houve ampla discussão sobre os cancelamentos unilaterais de planos de saúde. O tema chegou à Câmara dos Deputados, que pressionou para a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI). Porém, o diálogo das operadoras com o presidente da casa, Arthur Lira, resultou em um acordo sobre o tema – que freou a abertura do processo investigativo.
“Foi um trabalho bem importante, apesar de desafiador, com todas as interferências de outros poderes que foram exacerbadas em razão do período pós-pandêmico, do qual a saúde, principalmente a saúde suplementar, demonstrou a sua importância e a sua relevância no cenário da saúde nacional”, afirma Scarabel, que aponta que o Judiciário também buscou alterar entendimentos e decisões da Agência.
Em uma das últimas ações do seu mandato, a Agência irá realizar, no próximo dia 7 de outubro, uma audiência pública para discutir a política de preços e reajuste de planos de saúde. Também está prevista a revisão das regras para planos ambulatoriais, uma das principais demandas do setor para disputar mercado com os cartões de descontos.
Perfil do presidente para nova gestão da ANS
Desde 2019, a lei 13.848 estabelece que diretores-gerais e outros diretores das agências reguladoras serão nomeados pelo Presidente da República para cumprir mandatos de cinco anos, vedada a recondução. Por isso, Rebello não pode ser nomeado para assumir um segundo mandato.
“É um cargo político. Geralmente a Agência preza pela indicação técnica, mas existem componentes políticos e individuais. Mas a indicação é uma discricionariedade do presidente da República. Pelo princípio da especialização das agências, tem essa questão técnica envolvida. No caso da ANS existem questões sanitárias e econômicas, então é interessante que a composição tenha esses perfis”, explica Rogério Scarabel.
Para o sócio do M3BS Advogados, é imprescindível ter vivência de conhecimento do setor, compreendendo as relações políticas, jurídicas e sanitárias da ANS. Scarabel também reforça que é preciso ter o diálogo com o Ministério em vista, em um cenário de incentivos à inteligência artificial, prontuário único e interoperabilidade de dados.
Na visão de Fausto Pereira dos Santos, diretor-presidente da ANS entre 2004 e 2010, “é importante que o governo indique um nome de alguém que retome a agenda e não seja voltado intrinsecamente para o setor, mas que consiga fazer um diálogo mais amplo com a sociedade e a gestão do SUS”. Atualmente, ele atua como especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental na Fundação Oswaldo Cruz.
Para ele, o novo presidente deve fortalecer a visão da Agência em prol da saúde, fiscalizando e estimulando operadoras para buscarem indicadores de qualidade em relação aos beneficiários. Ainda, é preciso buscar uma maior integração com o SUS. Por isso, ele sugere que o próximo diretor-presidente seja da área da saúde. “Nada contra os economistas e advogados que compõem a Agência, mas é preciso voltar a atenção sobre o processo assistencial na saúde suplementar. O que a verticalização, a concentração e o modo de operação do setor estão provocando? O resultado assistencial está entregando qualidade ao beneficiário?”, observa Fausto.
Para Januário Montone, o novo nomeado deve contribuir com o fortalecimento do papel da ANS dentre as esferas do Governo Federal. Por isso, defende que o nome venha do próprio Ministério e que tenha influência para defender as posições da Agência frente ao Executivo, Legislativo e Judiciário: “Os presidentes da Agência hoje podem muito pouco. O poder foi reduzido ao longo dos anos. Ele podia tomar decisões ad referendum do colegiado, que depois tinham que ser aprovadas ou não. Todas as nomeações de cargos de confiança eram o presidente que fazia. Isso era um poder moderador e sequer passava pela Casa Civil do Planalto.”
Desafios pela frente
“A sustentabilidade do setor é a principal pauta, o que passa por incorporação de tecnologias, valores, objetivos da saúde suplementar e acesso a preços compatíveis. O envelhecimento da população e os dados epidemiológicos do nosso país fazem essas serem pautas importantes”, avalia Rogério Scarabel.
A estabilidade financeira e o controle da sinistralidade é uma pauta constante das operadoras de planos de saúde. Principalmente em um cenário de aumento de custos, pressão social e de outros poderes, o próximo diretor-presidente pode ser uma das peças chaves para criar e defender soluções frente aos desafios impostos.
“A agência não teve muito espaço para lidar com o desenvolvimento do setor e nem lidar com fragilidades da legislação. A lei teve buracos muito sensíveis, que não foram corrigidos até hoje, por conta de como foi a evolução do setor. O maior deles foi o fato da ANS não regular o prestador de serviço. A agência não tem autoridade. Há uma discussão a respeito, mas, em princípio, ela não tem autoridade sobre hospitais e laboratórios”, observa Januário Montone.
Para ele, esse é um dos desafios que precisam ser enfrentados pelo próximo diretor-presidente, principalmente em um cenário de verticalização, onde operadoras possuem rede própria de serviços, e concentração, com fusões e aquisições que ocorreram ao longo dos últimos anos. Ele também aponta que a Agência deveria ter poder para coibir o fee for service como principal forma de remuneração aos prestadores.
“Ao longo do tempo a ANS focou na regulação do sistema privado e se distanciou muito da discussão mais geral do sistema de saúde no Brasil, como a própria relação público-privada e como se articula de forma transparente com o setor público. Ela se burocratizou e perdeu a relação com a sociedade, até mesmo com o setor regulado”, avalia Fausto Pereira dos Santos.
Para Januário Montone, o desafio, frente às mudanças da sociedade, é fazer com que as operadoras trabalhem na prevenção e atenção primária. “Não se pensa em saúde. Até hoje as operadoras não se veem como entidades de saúde, elas se veem como empresas que vendem um produto” afirma o consultor de projetos de saúde na Monitor Saúde.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.