Nam Jin Kim, do Einstein: “Há uma diferença entre conseguir tirar a carteira de motorista e ser um piloto. Queremos que os cirurgiões robóticos sejam pilotos”

Nam Jin Kim, do Einstein: “Há uma diferença entre conseguir tirar a carteira de motorista e ser um piloto. Queremos que os cirurgiões robóticos sejam pilotos”

Diretor médico de cirurgia do Einstein, Nam Jin Kim defende uma formação mais robusta para cirurgiões robóticos, analisa o futuro da técnica no país e aponta desafios a serem superados, como a ampliação do acesso

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By Published On: 30/08/2023

Foto: Divulgação Einstein

A discussão sobre cirurgia robótica não carrega mais ares futuristas como há 15 anos, quando a Anvisa aprovou a cirurgia robótica assistida no país. Hoje, a tecnologia é bem estabelecida – o mercado global foi estimado em US$ 8,5 bilhões em 2022, com projeção para alcançar a faixa de US$ 18,4 bilhões até 2027. No Brasil, já existem mais de 100 robôs em operação, e foram realizados mais de 100 mil procedimentos desde 2008. E o horizonte é promissor: além do aumento natural no número de cirurgias, novas tecnologias como inteligência artificial e realidade virtual devem subir ainda mais o patamar da técnica, inclusive para novas especialidades. É o que aponta Nam Jin Kim, diretor médico da rede cirúrgica do Hospital Israelita Albert Einstein, em entrevista ao Futuro da Saúde.

Apesar dos avanços e benefícios já conhecidos, como maior precisão nos procedimentos e menor tempo de recuperação para os pacientes, também há desafios: a ampliação do acesso à tecnologia, que ainda esbarra no alto custo das plataformas, e a ausência de profissionais treinados, os chamados cirurgiões robóticos, são alguns deles. Mas são pontos que estão evoluindo, segundo ele.

Neste sentido, vale lembrar que o Conselho Federal de Medicina (CFM) regulamentou a prática em março de 2022 justamente com o objetivo de garantir qualidade e segurança. Dentre os pontos, a regulamentação definiu a técnica como de alta complexidade, instituiu a obrigatoriedade do registro de especialista para os médicos que desejam realizar esse tipo de cirurgia e pré-definiu padrões básicos para os treinamentos ofertados.

Ao longo da conversa, Nam Jin Kim falou sobre a importância de uma boa formação de profissionais para a ampliação do acesso à cirurgia robótica pelo sistema público de saúde, o impacto da decisão do CFM no preparo dos especialistas que chegam ao mercado e os próximos passos da técnica no País. Confira os principais trechos da entrevista:

Como a regulamentação do CFM tem impactado a formação de novos especialistas?

Nam Jin Kim – A regulamentação definiu os requisitos mínimos de treinamento exigido para que o cirurgião seja de fato chamado de robótico e possa seguir com esses procedimentos. O Einstein teve um papel interessante dentro dessa análise, pois muitos cirurgiões nossos participaram dos comitês dessa regulamentação. Antes, para operar robótica, era exigido um treinamento básico e uma experiência mínima, o credenciamento dependia de cada hospital. E nós não concordávamos com isso, então nossas exigências sempre foram muito mais altas desde o início do nosso programa, em 2008. O centro de treinamento em cirurgia robótica iniciou as suas atividades em 2019 e, quando estávamos formando as primeiras turmas, a regulamentação saiu. Veio em um ótimo momento, os critérios para uma boa formação precisavam ser replicados em todos os lugares.

Por outro lado, com a regulamentação aumentou também o volume de cursos ofertados. Como você enxerga esse movimento?

Nam Jin Kim – Um lado negativo é que hoje existem diversos cursos de curta duração, só para que você consiga ‘dar check’ no pré-requisito estabelecido pelo CFM e seja habilitado. Mas existe uma grande diferença entre conseguir tirar a carteira de motorista e ser um piloto, por exemplo. E nós queremos que os cirurgiões se tornem pilotos. O treinamento robótico não ensina ninguém a operar – o médico só estará pilotando uma outra máquina para entregar uma melhor cirurgia. Se ele não faz isso sem o robô, ele não vai fazer com ele.

Há cerca de um ano, em algumas reportagens do Futuro da Saúde, você já destacava a importância da formação em cirurgia robótica. Quais foram as principais mudanças desde então?

Nam Jin Kim – Falando do Einstein, a pós-graduação internacional em cirurgia robótica se consolidou, o que acabou atraindo muito mais alunos estrangeiros e aumentando o número de treinados. Isso traz uma relevância completamente diferente para o Einstein e para o Brasil dentro desse cenário da robótica como um todo. Nós treinamos algo próximo de 1,3 mil cirurgiões nos últimos três anos, dos quais 15% são da América Latina e de outros países. E não estamos falando de treinamento de curto prazo, mas de pós-graduações validadas pelo Ministério da Educação (MEC), com duração de um ano.

Havia a ideia de implementar o currículo de cirurgia robótica também na graduação regular de medicina, para além das especializações. Por que pensar na introdução desse conteúdo de maneira mais precoce? Como isso foi estruturado?

Nam Jin Kim – Em 2018, redefinimos como estratégia de competição no mercado e ferramenta de engajamento de corpo clínico, a criação de um Academic Center em Cirurgia robótica, incluindo a formação em cirurgia robótica desde a graduação, residência médica e até as pós-graduações. Na graduação, o nosso intuito é proporcionar uma imersão para que os conceitos e as vantagens das plataformas sejam compreendidos pelo aluno. Além de atividades isoladas dentro do currículo do quinto e do sexto ano, os alunos têm as disciplinas eletivas. Caso opte pelo módulo de cirurgia robótica, ele passa de um a dois meses dentro da área, acompanhando simulações e treinamentos, assistindo e participando de cirurgias. Ele consegue fazer isso desde muito cedo, e isso acaba sendo uma experiência única. Nas residências médicas, programas de aprimoramento e pós-graduações, todas as nossas especialidades cirúrgicas têm a cirurgia robótica no currículo, que é desenhado por nós e tem uma carga horária que é quase o dobro do mínimo exigido pelo CFM e todos os cirurgiões saem habilitados a realizar cirurgias robóticas.

O custo dos procedimentos realizados com tecnologia robótica em comparação às cirurgias tradicionais era, até então, um dos principais empecilhos na ampliação de acesso à cirurgia robótica. Como está esse cenário hoje?

Nam Jin Kim – O maior impeditivo de ampliarmos a cirurgia robótica é o alto custo de investimento. Hoje uma plataforma robótica custa, em média, US$ 2,5 milhões. Quando você faz esse tipo de conta, é muito difícil justificar o aumento deste custo. Mas é semelhante ao que aconteceu 20 anos atrás com a própria laparoscopia: muitos estudos falharam em demonstrar que a laparoscopia era superior a uma cirurgia aberta em termos da cura da doença ou sobrevida do paciente. Uma maneira de resolver o custo é dialogar com a indústria, estabelecer não apenas uma relação transacional, mas de parceria. Também estamos sentindo uma movimentação, como a entrada de novos players no mercado, e os sinais têm sido favoráveis.

O Einstein disponibilizou um robô para o Hospital Municipal Vila Santa Catarina, na Zona Sul de São Paulo, tornando a unidade o primeiro hospital da rede pública municipal no Brasil a fazer cirurgia robótica. Como é possível expandir o acesso a esse tipo de cirurgia no SUS?

Nam Jin Kim – O Hospital Municipal Vila Santa Catarina (HMVSC) é um centro de alta complexidade focado em oncologia e recebeu a sua plataforma robótica em 2021. Desde então desenvolvemos parte do nosso programa de residência médica e pós-graduação no HMVSC. Por meio dele, proporcionamos aos pacientes da rede pública uma tecnologia que tende a se concentrar na rede privada. Agora, estamos tentando desenvolver isso em Goiás [onde o Einstein faz a gestão do Hospital Municipal de Aparecida de Goiânia]. Hoje, muitos planos de saúde, dos mais diferentes níveis, já contemplam alguns procedimentos de cirurgia robótica. Estamos falando de cerca de 20% a 25% dos brasileiros que estão inseridos na saúde suplementar, mas e os demais que jamais teriam acesso? Ou que precisam enfrentar filas quilométricas nos grandes centros, ainda muito concentrados no eixo Rio-São Paulo? Obviamente, isso não se resolve em uma canetada. E mesmo que se resolva, vai haver a necessidade de uma formação robusta para os cirurgiões, para que os bons resultados sejam replicados mesmo na rede pública. Precisa também haver uma tutoria para que haja uma melhoria contínua na performance dos cirurgiões. É com essa visão, de investimento na formação de cirurgiões e de ampliação do acesso para a saúde pública, que estamos investindo fortemente na nossa plataforma de ensino.

O ano de 2023 tem sido dominado por discussões relacionadas à inteligência artificial (IA) e o seu potencial de transformação, inclusive na saúde. As novidades tecnológicas tiveram algum impacto nas plataformas robóticas? Já podemos falar em cirurgias robóticas autônomas?

Nam Jin Kim – Estamos numa era intermediária. Houve a época em que a cirurgia robótica consistia em, basicamente, uma ferramenta mecânica que ampliava a capacidade de acesso e habilidades motoras do cirurgião, e, cada vez mais, estamos incorporando pontos que tornam a cirurgia mais inteligente. O último modelo robótico do líder de mercado foi lançado há quase uma década, em 2014. Considerando a tendência e os avanços da IA generativa, é muito provável que o robô se torne um copiloto, que comece a guiar o cirurgião. Isso está cada vez mais tangível. Mas ainda não vejo uma cirurgia 100% autônoma, sem a presença do cirurgião. 

Para finalizar, quais são as tendências para o futuro da cirurgia robótica?

Nam Jin Kim – Em termos de futuro, temos a ortopedia robótica, que traz cirurgias com muito mais precisão, em que todo o corte e a posição do implante são pré-programados para serem executados de acordo com guia previamente estudado. Tudo para que você tenha a menor chance de erros ou lesões durante o procedimento. Não é um conceito novo, mas as máquinas acabam incrementando e aperfeiçoando esses procedimentos. De acordo com as tendências do mercado, podemos falar também no uso da realidade estendida para planejamento pré-operatório e no intraoperatório, melhores sobreposições de imagens com tomografia, ressonâncias e ultrassons para delimitar estruturas anatômicas. Há também o aperfeiçoamento da visão do próprio computador – o robô já identifica alguns passos principais da cirurgia e movimentos dos cirurgiões para fazer comparações, além de utilizar substâncias que reagem com determinados tipos de tecidos, como células cancerígenas, para identificar o local exato do tumor. Vamos ouvir falar muito disso nos próximos anos. Em relação ao cenário geral, hoje temos pelo menos 20 empresas de diversas áreas com seus robôs no mercado mundial, e muitas outras que estão estudando para fazer essa entrada. Muitas delas são pequenas, com pouca experiência, tentando buscar espaço para competir. Outras são empresas que estão se especializando em áreas que as plataformas atuais não abordam, como microcirurgias. É provável que outras especialidades possam usufruir dessa tecnologia. Além, é claro, de que a chegada desses novos players deve reduzir os custos e aumentar o acesso para os pacientes.

Dr. Nam Jin Kim, do Einstein
Isabelle Manzini

Graduada em jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. Atuou como jornalista na Band, RedeTV!, Portal Drauzio Varella e faz parte do time do Futuro da Saúde desde julho de 2023.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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