Ano começa aquecido e operadoras se movimentam para acelerar recuperação
Ano começa aquecido e operadoras se movimentam para acelerar recuperação
Movimentos das operadoras de planos de saúde tem como foco melhorar a sinistralidade e reduzir despesas assistenciais.
O ano de 2024 começou agitado para as operadoras de plano de saúde. Com diversos movimentos nos dois primeiros meses do ano, a saúde suplementar mostra como devem ser pautadas as principais ações, ainda em busca de recuperação e com foco no controle de custos, parcerias com prestadores de serviço e utilização de tecnologia.
Esses objetivos têm sido trabalhados com reajustes mais altos, readequação da rede credenciada, verticalização operacional e avanço da inteligência artificial para acompanhar custos, identificando possíveis distorções que possam indicar desperdícios ou fraudes. A busca pela diminuição da sinistralidade ainda é o grande objetivo, mas a expectativa é que em 2025 o setor tenha superado a crise.
Atendendo mais de 51 milhões de beneficiários no Brasil, os planos de saúde enfrentaram nos 2 últimos anos um período de altas despesas, associado a uma retomada da população em busca dos serviços de saúde. Após o primeiro ano da pandemia de Covid-19, quando tiveram um lucro recorde de R$ 18,7 bilhões, as operadoras amargaram prejuízos seguidos.
“Está todo mundo tentando correr atrás de como ajustar a operação para tentar ser mais rentável. Há bastante players com novos modelos de remuneração e também com uma racionalização maior de rede”, afirma Rafael Barros, head de saúde e educação da XP Investimentos.
No mercado, os principais destaques para janeiro e fevereiro ficaram pela conclusão da compra da Amil por José Seripieri Filho, o Júnior, ex-dono da Qualicorp e da QSaúde, e a expectativa sobre como a operadora irá atuar para equilibrar suas contas. Também ocorreu a perda de valor de mercado da Hapvida NotreDame Intermédica, após o jornal Estadão apontar que a mesma é investigada pelo Ministério Público por se negar a cumprir liminares.
O anúncio da Unimed em descredenciar 37 prestadores de serviços também chamou a atenção do mercado, assim como a especulação sobre a possível venda do Grupo Dasa para a Rede D’Or. Ainda, alguns dos principais grupos da saúde do país tiveram movimentações que chamaram a atenção de quem acompanha o setor.
Analistas financeiros e consultores apontam que apesar disso, o trabalho das empresas segue normalmente, com expectativa de reduzir a alta sinistralidade do setor, que fechou o 3º trimestre de 2023 em 88,2%. E as expectativas são boas, indicando que a reação inicial que ocorreu ao longo do ano passado irá se manter em 2024.
“A operação de uma operadora é um negócio relativamente simples. Você tem receita para cobrir despesas assistenciais com uma margem pequena, cobrindo outras despesas administrativas. Mas hoje requer mais sofistificação. As operadoras que já começaram a se movimentar para sair desse modelo financeiro, que consegue fazer acordos de verticalização operacional ou para linhas de cuidados específicos, por exemplo, têm tido performance e vão ter mais continuidade”, analisa Bruno Porto, líder da área de saúde na PwC.
Impacto nos prestadores
Apesar de as operadoras serem as principais afetadas pela crise na saúde suplementar, elas impactam os prestadores de serviços, como laboratórios, hospitais e clínicas. Isso porque são os principais pagadores, chegando a 90% da receita. O cenário levou a uma dificuldade de negociar reajustes, glosas e prazos mais longos para pagamentos. O prazo médio fechou em cerca de 74,66 dias, de acordo com o painel Sistema de Indicadores Hospitalares da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp).
Outro impacto que ficou mais evidente neste começo de 2024 foi o descredenciamento de prestadores que não eram considerados vantajosos aos planos de saúde. “Tivemos a notícia das Unimeds fazendo um descredenciamento massivo e é difícil mensurar o tamanho do impacto disso. Sabemos que algumas empresas de capital aberto estavam no meio e é preciso entender o quanto essas Unimeds representam nos resultados desses prestadores”, afirma Rafael Barros, da XP.
Ele explica que apesar do descredenciamento de 37 unidades, foi apenas para alguns produtos e nem todos de forma completa. Por isso, ele indica que é preciso entender e avaliar o impacto financeiro dessa movimentação, assim como os prestadores devem se mexer para ocupar o espaço vago deixado pelas Unimeds.
Também neste início de ano foi anunciado o fechamento da unidade Vergueiro do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. Sendo um prestador focado em modelos de remuneração alternativos ao fee for service, demanda que vem dos próprios planos de saúde, a unidade tinha potencial para criar fortes parcerias com operadoras. Porém, não houve êxito.
“A velocidade na implementação de novos modelos de remuneração diminuiu, porque o foco hoje tem sido em sustentabilidade, se manter e sair dessa crise de alta sinistralidade. Quando o horizonte demanda e tira a atenção dos gestores, ninguém consegue olhar para outros planos. Está ali e é inevitável pensar na implementação, mas a velocidade de fato diminuiu”, explica Bruno Porto.
Por outro lado, há uma tendência de operadoras e hospitais criarem parcerias mais fechadas, o que tem sido chamado de verticalização operacional. É o que tem feito planos de saúde como Bradesco, que tem criado joint ventures com hospitais referência para construir novas unidades. Assim, a operadora não se torna verticalizada de fato, traz hospitais de renome para a sua rede e reduz os custos assistenciais.
“Esse movimento vai continuar. Vemos algumas operadoras se tornando mais próximas de alguns prestadores. As Unimeds são extremamente próximas da Oncoclínicas, tem diversas parcerias com exclusividades em algumas reuniões. A Rede D’Or comprou a SulAmérica. É um movimento de ter prestadores preferenciais, para ter uma facilidade maior de negociação, desenhar linhas de tratamento, ter previsibilidade e até resolubilidade”, aponta Rafael Barros, da XP.
A possível compra da Dasa pela Rede D’Or’, porém, é vista como negativa pelo acumulado de mercado, considerado “desproporcionalmente grande frente a outros correntes”, de acordo com Barros. No entanto, avalia que o rumor tem pouca probabilidade de ir pra frente e a Dasa informou o mercado que não tem tido esse tipo de discussão.
Os cases Amil e Hapvida
Já a venda da Amil finalmente saiu do papel depois de anos entre anúncios, idas e vindas. O negócio foi apontado como a maior aquisição já feita no país entre uma pessoa física e uma companhia. O comprador, José Seripieri Filho, o Júnior, é velho conhecido da saúde suplementar por ser ex-dono da Qualicorp e da QSaúde. Por isso, existe uma expectativa do mercado sobre como ele irá gerir a operadora para torná-la mais rentável e arrumar as contas.
“Vínhamos enxergando a Amil sendo muito agressiva comercialmente. Quando a gente falava com os corretores, com o pessoal mais da linha de frente, falavam que a operadora estava com uma competição de preço muito baixo. Pode ser um comportamento que mude sob a nova gestão, porque aumentava o portfólio com ticket muito baixo, mas a rentabilidade não vinha. O custo para atender aqueles pacientes é o mesmo, não desce de acordo com o preço”, analisa o head da saúde e educação da XP.
De acordo com Rafael, uma das possibilidades é a Amil vender parte dos seus ativos. Segundo ele, alguns hospitais da Rede Americas podem ser considerados menos cruciais para a operação, principalmente por não estarem utilizando toda a sua capacidade. Também aponta que ampliar a carteira de beneficiários de planos empresariais pode ser uma estratégia, reduzindo a participação da carteira de vidas em planos individuais, considerada deficitária.
Já a Hapvida mostrou ao mercado que conseguiu controlar sua sinistralidade. A operadora fechou o 3º trimestre de 2023 com 71,9%, bem abaixo da média do setor, que acumulou nos 3 primeiros trimestres do ano passado uma sinistralidade de 88,2%. Sendo uma operadora verticalizada, tem maior controle sobre os custos, o que contribui para conseguir reduzir desperdícios.
Porém, uma matéria do Estadão apontou que a Hapvida está sendo investigada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP) por se negar a cumprir liminares de beneficiários que judicializaram a empresa para ter acesso a tratamento. O levantamento do jornal apontou casos ligados ao tratamento de câncer, considerado um dos custos mais altos das operadoras. Com isso, a empresa perdeu mais de 7 bilhões de reais em valor de mercado.
“Analisamos isso e, naquele dia da performance ruim do papel, a empresa perdeu cerca de 3 bilhões de reais de valor. Somando o provisionamento de risco da Hapvida, reconhecendo que poderia perder esses processos, e o registro com detalhamento de casos, não dava o tamanho da queda que as ações sofreram. Teve uma queda excessiva frente ao que tínhamos de informação”, analisa Rafael Barros, da XP.
Ele explica que a resposta da Hapvida foi recomprar 200 milhões de ações, dando um recado ao mercado que não concordava com a queda. A operadora deve seguir com ganhos em 2024, mas em ritmo mais lento, de acordo com o analista. A melhora é atribuída à precificação mais adequada dos planos de saúde, ajuste de carteira, aumentando preço ou encerramento de contratos considerados deficitários.
Impacto dos movimentos das operadoras e próximos passos
“O beneficiário corre o risco de ter menos acesso, têm mais dificuldade para acessar determinados prestadores porque passaram a ficar descredenciados ou a empresa em que trabalha reduziu a qualidade do plano de saúde, porque o custo aumentou demais com o reajuste. Ele está na ponta suscetível a isso, porque não tem capacidade de escolha, não tem visibilidade para saber qual o custo-benefício de um determinado prestador”, explica Bruno Porto, da PwC.
Além dos descredenciamentos, para melhorar o cenário de alta sinistralidade os planos de saúde fizeram um reajuste médio de 23% para os planos empresariais. Com um aumento expressivo dos contratos, Porto explica que algumas empresas já estão se movimentando para buscar alternativas.
“A empresa contratante está em um momento crucial. Conversando com vários deles, vi casos em que a empresa fez acordos com hospitais e clínicas da região para atender 30 mil colaboradores. Vemos também grandes empresas migrando para a autogestão completa, construindo seus próprios planos de saúde internos. Porém, quem não está pronto para isso ainda, como 95% das empresas, começa a fazer uma autogestão parcial. Não é um trabalho simples, mas trouxe redução de custo para elas”, observa Porto.
Por outro lado, operadoras também têm buscado outros caminhos para reduzir custos, que impactam menos na relação com os contratantes. Porto aponta que a inteligência artificial deve ganhar ainda mais força em 2024, principalmente na análise de custos e no combate a fraudes do setor.
“A inteligência artificial é o grande tema na cabeça dos executivos hoje. Segurança já esteve primeiro lugar, muitas empresas foram atacadas e começaram a responder e hoje tem controles, mas cybersegurança ainda é um problema. Também tivemos ESG muito forte nos últimos dois anos. Mas tudo foi colocado para segundo plano com a chegada de inteligência artificial como oportunidade”, explica.
Já em relação a fusões e aquisições, ainda há dúvidas sobre o que deve acontecer. Apesar de estar em tendência de queda, com os juros ainda altos é pouco provável que o mercado volte com tanta força, com exceção de alguns casos mais isolados e estratégicos. Porto explica que operadoras tem observado clínicas de tratamento para Transtorno do Espectro Autista (TEA), por exemplo, para reduzir os custos assistenciais nesse segmento. Segundo ele, quem não verticalizar alguma parte da operação vai ficar para trás.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.
Obrigado, contextualiza bem o que estamos vivenciando no mercado de saúde.