Modelos de remuneração baseados em valor miram no desfecho do cuidado e na jornada do paciente

Modelos de remuneração baseados em valor miram no desfecho do cuidado e na jornada do paciente

Novos modelos de remuneração focados na qualidade e na eficácia do tratamento dos pacientes surgem como alternativas para a sustentabilidade da saúde

By Published On: 31/01/2025
novos modelos de remuneração de saúde

Foto: Adobe Stock Image

Um dos desafios da saúde privada no país tem sido alcançar a viabilidade financeira de seus serviços para operadoras, prestadores de saúde e usuários. Ao mesmo tempo em que se busca garantir o acesso à saúde para beneficiários, é preciso, também, prezar pela sustentabilidade do sistema. Com o custo elevado de novas terapias e o aumento de incidência de doenças crônicas por causa do envelhecimento acelerado da população, manter o equilíbrio dessa balança será cada vez mais difícil nos próximos anos.

Hoje, o modelo fee-for-service, que paga por cada serviço prestado por volume e complexidade, é o predominante no país. Mas novos modelos têm sido pensados e implementados pelo setor. Alguns deles baseados em valor indicam caminhos para uma remuneração mais sustentável para o sistema de saúde e partem da jornada do paciente e da resolução do problema.

De acordo com os dados da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), outros modelos além do fee-for-service já são utilizados por 60,19% dos hospitais entrevistados em pesquisa. Eles incluem diárias hospitalares (51,49%), pacote e bundles (36,89%), orçamentação (14,56%), pagamento por desempenho (11,65%), capitação (7,77%), desfecho clínico (6,80%), fee for service com bônus por performance (4,85%), entre outros. Essa diversificação impactou no crescimento de 6 a 10% da receita bruta, para 12,62% dos hospitais, e de 15 a 20%, para 8,74%.

Explorar novas modalidades de pagamento de serviços de saúde coloca no centro do debate a pertinência do cuidado com o paciente e sua relação com uma remuneração sustentável. E, para entender como isso se configura, é preciso olhar com mais atenção aos modelos de remuneração disponíveis.

Os modelos de remuneração de saúde

O fee-for-service

A remuneração de serviços de saúde do modelo fee-for-service se configura a partir dos serviços usados pelo beneficiário do plano de saúde ou do hospital. Ela se caracteriza pela existência de uma tabela com valores fixos para cada procedimento ou item (materiais, medicamentos, honorários profissionais, diárias hospitalares, etc.). O pagamento acontece após a realização dos serviços.

Nesta modalidade, a quantidade de procedimentos realizados importa: quanto mais serviços, maior o valor a ser recebido pelo prestador de saúde. Segundo manual da ANS, essa configuração estimula a competição dos prestadores de serviços de saúde por usuários e por serviços produzidos. Isso leva, muitas vezes, a uma sobreutilização de serviços que, nem sempre, são necessários aos beneficiários. Ainda, a qualidade do atendimento e os resultados em saúde ficam em segundo plano, em detrimento da produtividade.

Essas variáveis fazem com que o modelo seja visto com cautela por alguns. Um dos pontos levantados por Vanessa Teich, diretora de Transformação da Oncologia e Hematologia do Hospital Israelita Albert Einstein, são suas condições para o paciente. “Para mim, o fee-for-service é um problema porque nós temos dúvida se o que o paciente usa é realmente necessário”, comenta. “Se eu tivesse uma forma de acompanhar a adequação dessa indicação dos procedimentos, eu poderia ter mais tranquilidade de pagar por item, porque sei que estou pagando por uma coisa que é necessária”.

Pagamento por diárias hospitalares

Esse tipo de pagamento se refere a interações hospitalares e leva em conta valores predeterminados por dia de permanência do paciente. O valor unitário da diária, que depende do tipo de quarto, se é enfermaria ou UTI, por exemplo, é multiplicado pelos dias de intenção. Gastos com materiais, medicamentos, serviços de diagnóstico e terapias e honorários médicos são acrescentados ao valor da diária.

A remuneração por diárias hospitalares tem algumas limitações, como o fato do custo efetivo de cada paciente não ser levado em conta. Esse modelo também pode induzir ao aumento do número de admissões nos hospitais e de duração da internação. Por isso, muitos hospitais escolhem usá-lo associado a outros modelos ou, mesmo, adotar protocolos de tratamento e outros indicadores para acompanhar a qualidade do atendimento ao paciente.

Além disso, pode-se buscar, também ajustar o pagamento por fatores de risco ou definir um contrato entre operadora e prestador com objetivos e metas bem definidos, que consigam capturar e avaliar a experiência do paciente para além do dado de internação.

Remuneração por pacotes

Já o modelo de pagamento de pacotes e bundles remunera o hospital por pacotes de consultas médicas e procedimentos diagnósticos. A lógica é um pouco semelhante ao fee-for-service, ao pagar por volume. No entanto, a diferença aqui é que os procedimentos estão agrupados e são remunerados em um único valor. Esse tipo de pacote costuma remunerar os hospitais após a realização do serviço.

Além de não contemplarem ajuste por desempenho de serviço, a remuneração por pacote de consulta e procedimentos apresentam uma tendência à rigidez, pois não conseguem abarcar casos complexos. Os riscos são transferidos para os prestadores de serviços e, na maioria das vezes, eles não contemplam monitoramento de resultados qualitativos.

Orçamentação

No modelo de pagamento de orçamentação, se estabelece uma estimativa de recursos dos hospitais com base no histórico de pagamentos anteriores, ajustados pela inflação. Trata-se de uma programação orçamentária estimada e negociada ano a ano entre o prestador e a fonte pagadora, que funciona de forma retroativa, ou seja, que não tem vinculação efetiva à produção de serviços, mas sim a uma estimativa do que se gasta. Pode-se optar por uma orçamentação global, com todos os serviços, ou parcial, que inclui apenas alguns, como cuidados ambulatoriais, produtos farmacêuticos, etc. Com ele, a instituição pagadora também pode se comprometer em atingir metas de desempenho e qualidade do serviço.

A orçamentação permite que se tenha uma previsão dos gastos e das receitas em unidades hospitalares, uma vantagem para a contenção de custos. Ela pode ter um modelo mais rígido ou flexível, a depender da escolha da sua implementação. Os modelos mais rígidos, por exemplo, têm como desvantagem a responsabilização total dos prestadores do serviço pelos riscos, lucros e perdas. Já os modelos flexíveis podem levar a uma situação em que o prestador ultrapassa as despesas, sem receber nenhuma penalidade.

Segundo o manual de ANS, esse tipo de modalidade de remuneração é usado junto a outros em modelos públicos de prestação de serviços na Áustria, Dinamarca, Espanha, México, Portugal e Turquia. No Brasil, a implementação da orçamentação também não é feita de forma isolada. A ideia é evitar algumas desvantagens trazidas pela transferência orçamentária, como a subutilização dos serviços por conta da orçamentação fixa.

Modelos de remuneração baseados em valor

A escolha por um ou mais modelos de remuneração depende de uma análise consistente do contexto hospitalar e de suas experiências. Isso porque cada um deles possui vantagens e desvantagens, que podem ser amenizadas a partir da combinação específica com outras formas de pagamento. Para ajudar nesta decisão, uma máxima que ganha cada vez mais destaque nas discussões desses modelos é a da escolha baseada no valor que eles entregam ao paciente.

No lugar de cobrar pela quantidade de serviços prestados, os modelos baseados em valor (Value Basead Healthcare – VBHC, em inglês) focam na qualidade do atendimento ofertado durante a jornada do paciente. Ao invés de olhar para um serviço isolado, passa-se a um modelo de cuidado integrado que explora a fase de cuidado e, também, de pós-cuidado desse paciente. Neste contexto, a avaliação do desfecho clínico dos pacientes ganha centralidade, pois é capaz de mostrar a eficácia do tratamento aplicado.

Embora possa trazer resultados promissores para o hospital e para o paciente, o VBHC desafia as instituições no sentido de preparação de equipe e, também, de infraestrutura. Esse tipo de implementação tem avançado no Brasil, mas ainda enfrenta barreiras como a dificuldade de acesso a dados de pacientes e falta de preparação de gestores.

Isabella Marin Silva
Isabella Marin

Jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes da USP, passou pela área de Comunicação da Braskem e atuou com Jornalismo de Dados na empresa Lagom Data. Integra o time como repórter do Futuro da Saúde, onde atua desde março de 2024.

About the Author: Isabella Marin

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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Jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes da USP, passou pela área de Comunicação da Braskem e atuou com Jornalismo de Dados na empresa Lagom Data. Integra o time como repórter do Futuro da Saúde, onde atua desde março de 2024.