Metaverso na saúde: além de inovadora, tecnologia promete ampliar acesso no setor
Metaverso na saúde: além de inovadora, tecnologia promete ampliar acesso no setor
Não há dúvidas de que o uso do metaverso na
Não há dúvidas de que o uso do metaverso na saúde já é uma realidade. A recente pesquisa Digital Health Technology Vision 2022, feita pela consultoria Accenture, apontou que 80% dos executivos do setor acreditam que a aquisição e implantação de novos dispositivos tecnológicos já aumentou exponencialmente nos últimos três anos e 81% acreditam que o metaverso terá um impacto positivo nas instituições, levando a uma transformação realmente inovadora.
O estudo estima ainda que o metaverso será capaz de reduzir as disparidades na saúde, compreender determinantes sociais e melhorar a jornada do paciente. Mas, pelo menos por enquanto, é preciso esquecer a ideia — ou reduzir a expectativa — de que o metaverso já realize façanhas extremamente futuristas, dignas de filme de ficção, como aumento das percepções sensoriais. Talvez nem haja tecnologia suficiente para isso ainda. De acordo com Renê Parente, diretor da área de Saúde da Accenture América Latina, o setor tem usado essa tecnologia em áreas mais práticas, como treinamento e formação:
“Vemos que a virtualização do contato se consolidou pós-Covid. A telemedicina está forte e pode levar o corpo clínico virtualmente para outros lugares que precisam de acesso. A parte do treinamento tem se beneficiado com a possibilidade de imersão, oferecida pelo metaverso. Hoje, é possível criar camadas para enxergar o corpo humano de diferentes ângulos e decidir o que fazer antes de uma cirurgia, por exemplo”.
Um caso recente ilustra bem esse cenário: em agosto deste ano, os gêmeos siameses brasileiros Bernardo e Arthur Lima, que estavam ligados pela cabeça, passaram por cirurgia de separação. Antes do procedimento, a equipe envolvida utilizou as imagens de tomografias e ressonâncias magnéticas para recriar a complexidade em um ambiente virtual, o que possibilitou que os médicos treinassem a cirurgia diversas vezes antes da execução real. Nas simulações, diversos profissionais participaram de diferentes países e se comunicaram em tempo real. A cirurgia ocorreu no Rio da Janeiro, RJ, e foi bem-sucedida.
O diretor da Accenture comenta, ainda, que até mesmo os custos de instituições de ensino voltadas à saúde podem se beneficiar desse tipo de tecnologia. “Pode ser mais barato ter óculos de realidade virtual e um mundo de possibilidades dentro dele do que uma sala toda paramentada para o ensino prático”, ressalta.
‘Betaverso’ e as muitas possibilidades de uma realidade que está apenas começando
Daniel Franulovic, líder do Liquid Studio da Accenture América Latina, explica que, apesar das pesquisas sobre o futuro da tecnologia apontarem o metaverso como uma tendência muito forte para os negócios — e que quem não se atualizar terá que correr atrás do prejuízo mais para frente —, a nova realidade, mais pautada no virtual, ainda está apenas começando e traz consigo um mar de novas possibilidades:
“Podemos chamar o metaverso de ‘betaverso’, porque esse ambiente ainda precisa ser construído, ainda precisamos criar uma cultura para esse novo habitat e entender como cada setor vai se portar dentro dele. Outras tecnologias que estão chegando, como o 5G, também trarão novas possibilidades, por oferecerem menos latência, por exemplo. Então esse é um ótimo momento para explorar”.
Esse futuro, para Renê Parente, inclui cirurgias remotas, capacitações mais complexas e cenários de colaboração mais robustos, como a possibilidade de um cirurgião in loco no Brasil fazer uma incisão robotizada em um paciente na Índia. No tratamento cotidiano também serão observados benefícios.
“Imagine que uma pessoa passou por uma série de cirurgias e a recuperação não está indo muito bem. O médico conseguirá retomar o que aconteceu não apenas na cirurgia mais recente, mas na que aconteceu um ano atrás, para poder vislumbrar o que pode estar causando o problema atual e, assim, agir”, diz Parente.
“A visão 3D do organismo poderá auxiliar também nos movimentos em fisioterapias e outras reabilitações. Sem contar na distribuição segura de dados descentralizados, que ajudará as organizações a terem uma visão global de seus pacientes e suas necessidades”.
Treinamento é exemplo de uso do metaverso na saúde
Alguns exemplos de uso prático dessa tecnologia já começam a tomar forma no Brasil. Em 2019, a Takeda assumiu a Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP) firmada com a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), se responsabilizando pela transferência de tecnologia para o tratamento da hemofilia A – um distúrbio genético e hereditário que afeta a coagulação do sangue e que acomete mais de 10 mil brasileiros, classificando o país como o detentor da quarta maior população de pacientes com hemofilia do mundo.
O tratamento é feito quase que exclusivamente por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) com medicamentos recombinantes, que passarão a ser produzidos em um parque fabril da Hemobrás em Goiana (PE). O investimento foi de US$ 250 milhões, que vai garantir a sustentabilidade da produção e, consequentemente, que nenhum paciente fique desassistido.
Alguns colaboradores brasileiros seriam enviados para um treinamento em uma das fábricas na Suíça, mas os planos mudaram com a pandemia. Foi aí que o metaverso surgiu como solução para o desafio logístico. “Optamos por fazer um treinamento virtual e gamificado. Por meio de óculos de realidade virtual, chegaremos aos resultados que precisamos”, informa Rafael Fortes, diretor executivo de patient value & market access na Takeda.
A planta da fábrica suíça foi replicada em um mundo 3D com todos os seus detalhes, considerando salas e equipamentos. Ao colocar os óculos de realidade virtual, os operadores podem caminhar pela instalação e ter visão completa da área de 17 mil metros quadrados. “Montamos 11 treinamentos interativos dentro da tecnologia, para que eles consigam entender todos os processos e até simular desafios práticos, como o que se deve fazer se um frasco quebrar no meio da produção. Nesse caso, eles conseguirão limpar a linha de montagem de forma idêntica à real e garantir que tudo ocorra de forma 100% correta”, detalha Fortes.
Ele considera que a implementação da tecnologia amplia possibilidades e acesso não apenas quando usada na ponta, mas durante todo o processo: “A solução que encontramos com a ajuda da tecnologia conversa muito com o propósito de proporcionar inovação. Estamos construindo uma boa prática para desafios futuros e esperamos inspirar também outras empresas e diminuir distâncias, proporcionando novas oportunidades e avanços”.
A estimativa é que sejam treinados cerca de 150 funcionários da fábrica quando estiver em funcionamento – está prevista para o começo de 2023 – e que o mesmo treinamento seja feito sempre que houver a contratação de novos colaboradores, sem necessidade de deslocamento e custos com viagens ao exterior.
Realidade virtual já impacta o dia a dia da prática médica
Na Johnson & Johnson MedTech, a implementação de realidade virtual começou em 2017, quando sua equipe de tecnologia e inovação da educação desenvolveu experiências para treinar cirurgiões na área de ortopedia.
“O Brasil foi um dos primeiros países a receber uma solução de VR da J&J, usada para cirurgias no joelho. Tratava-se de uma ferramenta de realidade virtual aumentada, que buscou na tecnologia dos videogames os recursos modernos e de interatividade para proporcionar a médicos residentes e aos mais experientes uma possibilidade de treinar os procedimentos cirúrgicos de forma virtual, com a preocupação de aproximá-los o máximo possível do mundo real”, conta Gildo Matuoka, líder de educação profissional digital para a América Latina da Johnson & Johnson MedTech.
Desde então, ao longo do tempo, a empresa ampliou as possibilidades de uso de VR para o propósito de educação continuada, criando soluções para hospitais baseadas em ecossistemas digitais, possibilitando a adoção de análises de dados, trazendo melhores resultados e novos insights.
Matuoka afirma também que o metaverso será o caminho para a otimização dos centros cirúrgicos, obtendo melhores práticas durante uma cirurgia, menor tempo de recuperação para os pacientes, cirurgias mais efetivas e com resultados melhores. Para ele, o metaverso também poderá proporcionar mais humanização na medicina:
“Para o paciente que sofre com medo de agulhas, na hora de tomar uma vacina ou anestesia, há a possibilidade de uma experiência de imersão virtual que o distraia, combatendo sua ansiedade, livrando-o do medo de sua experiência no mundo real. Essa mesma experiência pode ser usada para tratar fobias”.
Assim, não só há espaço, como é preciso avançar nesse ponto e trazer para o paciente melhores opções de tratamentos de saúde. Mas ainda é preciso entender o metaverso, em termos de potencial de uso, escalabilidade, recursos e desempenho. O desafio, na visão do especialista, será enfrentar a barreira cultural para a adoção de novos modelos tecnológicos, pois todos os profissionais envolvidos na área de saúde precisarão se abrir a uma nova maneira de viver experiências dentro desse universo virtual.
“A receptividade que experimentamos com os médicos que participam dos nossos treinamentos virtuais, porém, é um indicativo de que essa é uma tendência que veio para ficar. Hoje, treinamos cerca de 2 mil profissionais de saúde por ano. Cada vez mais os profissionais da saúde dependerão da tecnologia para ampliarem a assistência ao paciente e o treinamento para adotá-lo em seu dia a dia será vital no futuro”, conclui.
Recebar nossa Newsletter
NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.