Mercado de saúde para homens cresce impulsionado por soluções digitais, mas ainda esbarra em questões culturais

Mercado de saúde para homens cresce impulsionado por soluções digitais, mas ainda esbarra em questões culturais

Facilitação da jornada e serviços digitais, como teleconsultas, têm ajudado a estimular os homens a olharem para a própria saúde

By Published On: 28/11/2023

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que os homens vivem 6,9 anos a menos do que as mulheres, com taxa de mortalidade maior em praticamente todas as faixas etárias. Nesse sentido, um levantamento elaborado na pesquisa ‘Um Novo Olhar Para a Saúde do Homem’, realizada pelo Instituto Lado a Lado, revelou que 59% dos homens não costumam ir ao urologista.

Na pandemia, não foi diferente: uma pesquisa divulgada em 2021, pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), apontou que 55% dos homens com idade superior a 40 anos deixaram de ir a consultas e de avançar em tratamentos médicos em virtude do vírus. Diversos fatores explicam esses números, entre eles a falta de uma cultura dos meninos irem ao médico desde cedo, como aponta Daniel Suslik Zylbersztejn, urologista, coordenador médico do Fleury Fertilidade e PhD em Reprodução Humana:

“Há muito tempo o homem é considerado um sexo forte, que não precisa de maiores cuidados. As crianças costumam ir ao pediatra. Quando chega a adolescência, as meninas vão ao ginecologista, mas os meninos não são levados a um urologista ou algum médico de rotina, nem um hebiatra – médico do adolescente. Apenas procuram um médico quando existe um problema agudo, dor ou uma doença”.

O que reflete inclusive nos exames de rotina: homens fazem menos exames do que as mulheres. De acordo com o Painel Abramed 2019 — O DNA do Diagnóstico, as mulheres correspondem ao maior percentual de atendimentos, 62%. O atendimento aos homens representou 38%, apontando que o público feminino tem uma preocupação maior com a saúde do que o masculino.

Tecnologia como aliada na prevenção da saúde dos homens

Para mudar este cenário, a saúde digital se estabelece como uma aliada. André Cassias, gerente médico de cuidados integrados da Saúde Digital do Grupo Fleury, destaca que quando se fala da saúde do homem, é sim mais desafiador, porque o homem tem um perfil de pouco autocuidado:

“A saúde digital passa a ser uma importante ferramenta para isso e, em nosso trabalho, é composta por dois grandes setores: o primeiro é o pronto atendimento digital, que é a telemedicina, onde você, via aplicativo, aciona a consulta com o médico e é atendido em até no máximo 15 minutos. Segundo, são os ambulatórios de atenção primária. Esses serviços são utilizados pelas empresas.”

André Cassias compartilha que o grupo tem focado o atendimento em uma comunicação omnichannel, utilizando ferramentas com inteligência artificial (IA): “Temos aprendido a utilizar a tecnologia para trazer esse homem para ter algum cuidado. Mas há desafios: ele precisa estar convencido de que aquela ação é boa”, fala.

Nesse sentido, esse cuidado com a saúde precisa ser de fácil acesso, como exames que são coletados em casa e não afetem o horário de serviço, compartilha Zylbersztejn: “Tenho visto isso nas consultas, essa facilidade de agendamento e não necessariamente ir ao médico. Isso realmente faz com que a acessibilidade desse homem à saúde aumente. A saúde digital trouxe esse benefício em especial aos homens que tinham preguiça ou não tinham o hábito de marcar consultas”.

Mas os avanços ainda não são como o esperado: outro desafio é conseguir levar esse homem para continuar fazendo exames rotineiros, além de cuidar da saúde de forma geral.

E o problema não se reflete apenas na saúde física, mas na mental. Mais reservados, os homens não costumam compartilhar sentimentos como a tristeza e a ansiedade, que podem representar problemas mais sérios. Isso explica o número mais alto de mulheres diagnosticadas com depressão, afinal, elas procuram ajuda.

André Cassias, do Grupo Fleury, compartilha um case aplicado em uma grande empresa de mobilidade em São Paulo. Suspeitava-se que muitos homens tivessem depressão, mas os mesmos não procuravam ajuda. Para conseguir entender a dimensão do problema, foi desenvolvido um questionário simples de acesso ao médico: em um clique no WhatsApp o homem respondia nove perguntas para verificar se tinha depressão leve, moderada ou grave.

Doze mil homens responderam ao questionário e, desses, 500 foram reconhecidos com sintomas de depressão grave ou moderada. “Eles não tinham sido diagnosticados anteriormente e provavelmente nunca iriam ser diagnosticados”, constata André. Posteriormente foram orientados a seguir com as consultas médicas. Essa foi uma forma de trazer esse homem para dentro do ambulatório.

Outra experiência bem-sucedida em captar esse homem é através do próprio exame periódico ocupacional – exame obrigatório por lei realizado nas empresas. A partir das primeiras consultas é realizado um cuidado integral, que passa pela necessidade de exame de próstata, cuidados cardiovasculares, além do mental.

Beleza masculina: um mercado em crescimento

Embora ainda tímidos, os homens também começam a ter mais cuidado com a beleza masculina. Esse nicho, inclusive, experimentou um crescimento significativo nos últimos anos, com o Brasil respondendo por 13% do mercado global de cosméticos para homens. Ainda segundo um relatório da agência Euromonitor, o consumo no mercado brasileiro de beleza masculina cresceu 70% entre 2012 e 2017, chegando a uma arrecadação de R$ 19,8 bilhões, fatia considerável do mercado de beleza.

Os homens estão cada vez mais atentos à aparência e isso tem levado a um aumento na demanda por produtos específicos para cuidados com a pele, cabelos e corpo. Outra mudança observada é que a frequência masculina aumenta cada vez mais nas clínicas de estética. Segundo a Associação Brasileira de Clínicas e Spas (ABC SPAS), os homens já representam 30% da clientela das estéticas brasileiras.

Um exemplo de negócio inspirado pelo cenário é a startup brasileira The Men’s, focada em produtos exclusivos para cabelo, barba e pele. A empresa foi criada pelos amigos Dinho Andrade e Danilo Bertasi, que cursaram juntos Economia na USP. Após uma experiência pessoal de Dinho, quando se deparou com uma solução digital na jornada de saúde, eles identificaram que havia um mercado em potencial, com enormes dores e pouco explorado, conta Danilo Bertasi, CEO da The Men’s.

Criada em 2021 com o foco de ajudar na desburocratização do acesso à saúde masculina, a startup conta com produtos para cabelo, barba, pele, sono e consulta que envolve à saúde sexual. Já no primeiro ano, receberam aporte de um fundo de venture capital da farmacêutica Eurofarma, o Neuron Ventures, com R$ 5,6 milhões. “O homem é prático e objetivo. Tudo que puder facilitar sua vida em relação a algo de desejo ele vai fazer. Assim, facilitamos toda a jornada de cuidado à saúde, reduzindo ao máximo as fricções, motivando-o a encontrar o melhor tratamento”, conta o CEO. Em sua experiência, comenta ainda que há “muito trabalho de ensinar, educar e trazer soluções que realmente funcionem e que sejam feitas para nós”.

Outra iniciativa digital é a Omens, healthtech brasileira de saúde masculina, focada na prevenção de doenças e tratamentos para problemas específicos de urologia, dermatologia e psicologia. Olivier Capoulade, CEO da Omens, pontua que viram várias iniciativas bem sucedidas com foco em saúde masculina fora do Brasil e que, aqui, esse tema ainda é muito tabu: “Por exemplo, os problemas de saúde sexuais são comuns, 59% dos brasileiros de 40 a 59 anos declararam já ter tido problema de ereção, mas poucos homens procuram ajuda”.

Aliado a isso, números mostram que, no Brasil, há 5 mil urologistas dos quais 1,5 mil estão em São Paulo. Em muitos locais, os custos são altos, além de uma falta geral de acessibilidade – considerando ainda disparidade entre regiões e cidades. “Queremos oferecer um tratamento de qualidade online, acessível para todos, em termos de custo e de comodidade, com foco em saúde masculina”, destaca Capaulade.

Outro ponto observado pelo CEO da Omens é que a pandemia ajudou a popularizar a saúde digital, através da legalização das teleconsultas, mas também no âmbito de eficiência dos tratamentos:

“Nós escolhemos as patologias que tratamos sabendo que elas são, na grande maioria dos casos, tratáveis pela medicina digital. Além disso, essa ferramenta dá acesso a tratamentos de qualidade para pessoas que não tinham especialistas por perto por causa da escassez de profissionais em grande parte do território nacional. Também, como as patologias que trabalham ainda são tabus no Brasil, o tratamento online ajuda o paciente a procurar atendimento de maneira discreta, evitando a exposição.”

Olivier Capoulade revela que a Omens ajudou mais de 26 mil pacientes em saúde sexual, dermatologia e psicologia, atingindo todos os estados brasileiros. O desafio é tratar mais de 100 mil pessoas dentro dos três próximos anos. Em 2022, a healthtech recebeu aporte de R$ 10 milhões para aprimorar a plataforma. Mais um exemplo do quanto esse mercado deve expandir em todo o mundo.

Angélica Weise

Jornalista formada pela UNISC e com Mestrado em Tecnologias Educacionais em Rede pela UFSM. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou nos portais Lunetas, Drauzio Varella e Aupa.

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Jornalista formada pela UNISC e com Mestrado em Tecnologias Educacionais em Rede pela UFSM. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou nos portais Lunetas, Drauzio Varella e Aupa.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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