Menopausa: aumento da expectativa de vida das mulheres exige nova abordagem para essa fase

Menopausa: aumento da expectativa de vida das mulheres exige nova abordagem para essa fase

Proposta é estabelecer uma estratégia mais humanizada, com foco na saúde e qualidade de vida das pacientes

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By Published On: 17/04/2024
Nova abordagem para menopausa - Einstein

Em março deste ano, o The Lancet aproveitou o Dia Internacional da Mulher para anunciar uma série de conteúdos que convida cientistas a adotarem um novo olhar sobre a menopausa – como é chamada a última menstruação, marcando o fim da fase reprodutiva da mulher. A evolução da ciência e a maior representatividade de mulheres – tanto dentro dos laboratórios de pesquisa como em volume de estudos sobre suas peculiaridades – levaram a novas descobertas que motivaram a iniciativa do periódico científico. Agora, com o envelhecimento populacional adicionado à equação, pesquisadores têm se dedicado a desenvolver uma abordagem mais humanizada sobre essa etapa na vida feminina.

O editorial do The Lancet afirma que a menopausa é uma fase inevitável da vida para metade da população mundial, mas as experiências que ela provoca podem variar. Aspectos como menopausa após o tratamento de um câncer, cuidados específicos com a saúde cardiovascular, saúde mental e até formas de lidar com a menopausa precoce (que pode ser provocada por um tratamento oncológico, por exemplo) estão sendo debatidos com o objetivo de encontrar novas formas de manejo que tenham o foco no empoderamento da paciente.

“Os congressos mundiais e essa reflexão sobre a forma como a menopausa é abordada têm tido um enfoque no sentido de se pensar que é uma mudança na vida da mulher pela falta do estrogênio, que pode ter causa natural ou não, então precisamos de estratégias que valorizem e priorizem a qualidade de vida dessa mulher”, analisa Helena Hachul, doutora em medicina com foco em ginecologia e professora da disciplina de Saúde da Mulher na Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein (FICSAE).

Ela ressalta que esse novo olhar é fundamental, pois o perfil da mulher quando chega ao período da menopausa hoje é muito diferente daquele de décadas atrás. Se antigamente a expectativa de vida mais baixa significava que ao chegar perto dos 50 anos a mulher já havia percorrida boa parte de sua jornada, o cenário atual é outro. “Hoje, ao entrar na menopausa, a mulher ainda está mais ou menos na metade do seu caminho de vida, tem muita coisa pela frente”, completa.

Além da nova realidade da expectativa de vida aumentada – que saltou 30 anos entre 1940 e 2022 no Brasil, segundo dados do IBGE – a médica também chama a atenção para as mudanças ocorridas no estilo de vida das mulheres modernas. Maior incidência de sobrepeso e obesidade, consumo de alimentos ultraprocessados, sedentarismo e grande exposição às telas – que resulta em um estado permanente de privação de sono – são hábitos do novo século que exercem um impacto negativo na saúde da população como todo, incluindo as mulheres.

“É um ponto de virada diferente. Porque ao chegar na menopausa, essa mulher já vem com uma qualidade de vida que não é ideal, ganhando peso, dormindo pouco. Com esse aumento da expectativa de vida, precisamos encarar que estamos chegando na menopausa de uma maneira muito diferente do que era antigamente”, afirma Hachul.

Abordagem humanizada

A terapia hormonal na menopausa é um exemplo de atualização de boas práticas pelo seu histórico de discussão. Antes, o tratamento era amplamente recomendado como para as mulheres que chegavam à menopausa, mas um estudo realizado pela Iniciativa de Saúde da Mulher, órgão ligado ao National Institutes of Health (NIH), nos Estados Unidos, ganhou os holofotes em 2004 ao concluir que o excesso de hormonização nessa fase estaria relacionado ao risco aumentado para câncer de mama, doenças cardíacas, acidente vascular cerebral, coágulos sanguíneos e incontinência urinária. Diante da publicação, a intervenção hormonal passou por um período de demonização e deixou de ser utilizada largamente.

Após a perda de confiança de milhares de médicos em recomendar a terapia hormonal, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE), do Reino Unido, publicou em 2015 o primeiro guia para tratamento da menopausa, trazendo um balanço dos benefícios associados ao uso dessa estratégia.

Para Hachul, o caminho não é a reposição hormonal como tratamento universal ou seu abandono por completo, mas sim uma questão de avaliar riscos e benefícios para cada mulher, adotando uma abordagem individualizada de acordo com as particularidades e demandas de cada paciente. “É preciso ponderar a janela de oportunidade em que essa estratégia realmente vai beneficiar essa mulher. Mas é preciso entender que, como profissionais de saúde, devemos olhar para além da questão hormonal”, aponta.

A nova abordagem que vem sendo estimulada é um olhar biopsicossocial, que leva em consideração também o contexto em que essa mulher na menopausa está inserida. Segundo o editorial da The Lancet, a proposta é adotar estratégias que tenham como foco manter ou melhorar a qualidade de vida e diminuir a medicalização, além de garantir que a paciente tenha acesso a informação qualificada, entenda o que está vivendo e sentindo neste momento de transição e sinta-se acolhida em todos os momentos dessa transição.

De acordo com Lúcia Helena Simões, presidente da Comissão de Climatério da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), esse novo olhar exige também uma mudança de perspectiva e um melhor preparo dos próprios profissionais de saúde. “As mulheres estão melhorando o conhecimento sobre a menopausa, mas ainda falta informação. Elas precisam saber mais sobre o que vão passar, porque isso torna a jornada mais fácil. Os profissionais de saúde também precisam de treinamento, e não falo apenas dos médicos, mas da equipe toda, para que tenhamos profissionais mais especializados sobre essa fase da vida e preparados para prestar esse acolhimento.”

De acordo com a especialista, a própria rede de serviços de saúde ainda carece de uma estruturação que supra as demandas dessa parcela da população. Ela cita a limitação de terapias disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS) como exemplo. Atualmente, o SUS tem apenas uma opção disponível, que não corresponde à necessidade de todas as mulheres atendidas e não contempla as novas terapias já disponíveis no mercado, como tratamentos não hormonais.

Em fevereiro deste ano que a Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado aprovou o projeto de lei 3933, de 2023, que prevê tratamento do climatério e da menopausa pelo sistema público. No texto, está prevista a disponibilidade de medicamentos hormonais e não hormonais, a realização de exames diagnósticos, a capacitação dos médicos e o acompanhamento psicológico e multidisciplinar especializado das mulheres desde o diagnóstico. A matéria ainda segue em tramitação no Senado.

Lacunas nos estudos sobre menopausa

Conceitualmente, a menopausa é marcada pela última menstruação e o encerramento do ciclo fértil da mulher, quando a concentração dos hormônios estrogênio e progesterona caem irreversivelmente. Esse fenômeno costuma ocorrer entre os 45 e os 55 anos, mas quando acontece antes dos 40 anos é chamada de menopausa precoce, condição que atinge entre 2% e 4% das mulheres ao redor do mundo.

Com a queda hormonal e a menopausa instaurada, a mulher vivencia um ciclo de mudanças no organismo que pode ou não se apresentar através de sintomas como ondas de calor (fogachos), ressecamento vaginal, diminuição da libido, alterações na pele, nos cabelos e nas unhas, perda de massa óssea e acúmulo de gordura abdominal.

A chegada desse novo momento de vida também pode provocar sofrimento psíquico e muitas mulheres se queixam de mudanças de humor e de estarem mais deprimidas. Embora seja importante e comprometa a qualidade de vida, a relação entre fatores psicológicos e a menopausa ainda não é bem compreendida pela ciência e tem ganhado maior destaque nos últimos anos, com alguns registros literários que sugerem uma relação entre o mecanismo responsável pelos fogachos e sintomas psicológicos.

“Há uma relação psicológica entre os fogachos e sintomas ansiosos e depressivos que ainda não está clara. Mas é algo que observamos, porque ao aplicar questionários sobre ansiedade e depressão, vemos que quanto mais sintomas assinalados, mais ondas de calor essa mulher sofre ao longo do dia”, afirma Hachul.

Outra grande lacuna nos estudos sobre menopausa, de acordo com Simões, é a relação com o aumento do risco de doenças cardiovasculares nesse período da vida. “Isso nos impede de entender o que pode ser feito para, talvez, prevenir essas doenças, que é atualmente a principal causa de mortes no mundo para ambos os sexos, mas que apresenta um risco muito elevado na menopausa.”

A preocupação foi inclusive tema da campanha do Dia Mundial da Menopausa, que ocorre em 18 de outubro, lançada pela Sociedade Internacional da Menopausa (IMS, na sigla em inglês). Segundo artigo publicado, as doenças cardiovasculares são responsáveis por 35% das mortes de mulheres todos os anos – mais de 13 vezes a taxa de câncer de mama e mais do que todos os cânceres juntos. “Quatro aspectos-chave com potencial para afetar o risco de doenças cardiovasculares incluem as alterações cardiometabólicas, os sintomas da menopausa, o tempo de vida reprodutivo e a terapêutica hormonal da menopausa”, pontua o texto.

Para o futuro, a expectativa é de que os esforços na compreensão das perguntas ainda sem respostas sobre a menopausa aumentem, assim como a adoção de uma postura mais humanizada no atendimento da mulher. Outra tendência em potencial é o avanço de terapias não hormonais e a descoberta de novas moléculas que possam ser utilizadas no tratamento. Além disso, ambas as especialistas afirmam que é preciso mudar a forma como o envelhecimento da mulher é visto e começar a enxergar esse momento da vida sob uma ótica de valorização e empoderamento.

“Eu escuto muito das mulheres que atendo que, ao chegarem nessa fase da vida, elas não se reconhecem mais. Então, é uma questão de entender que, assim como acontece na menarca, no início da vida reprodutiva, nós mudamos. O que temos de fazer é incentivar a valorização e positividade que existe no envelhecer. Há uma maturidade, uma resiliência e sabedoria que vem com a idade e ainda há muita coisa positiva a se viver e fazer depois da menopausa”, conclui Hachul.

Isabelle Manzini

Graduada em jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. Atuou como jornalista na Band, RedeTV!, Portal Drauzio Varella e faz parte do time do Futuro da Saúde desde julho de 2023.

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One Comment

  1. Cristina 20/04/2024 at 07:12 - Reply

    Ótima reportagem

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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