Medicina personalizada: o caro pode ficar barato?

Medicina personalizada: o caro pode ficar barato?

Em 1990, quando o celular chegou ao Brasil, era artigo

By Published On: 03/05/2023
Medicina personalizada - Sidney Klajner

Em 1990, quando o celular chegou ao Brasil, era artigo de luxo. Poucos tinham acesso aos caros ‘tijolões’ que só falavam. Hoje, temos os smartphones com infinitas funcionalidades em número maior que o de habitantes de nosso país. O que aconteceu? Escalabilidade que reduziu o custo e tecnologia que seguiu avançando. É essa mesma combinação que fará com que a medicina personalizada ganhe amplitude, democratizando o acesso, aumentando a eficácia dos cuidados e, ao contrário do que muitos imaginam, diminuindo custos para o sistema de saúde.

Observemos, por exemplo, os horizontes que se abrem com os testes genéticos. Quantos recursos e tratamentos complexos poupamos com os indivíduos que não desenvolveram um câncer ou uma doença cardiovascular porque puderam adotar medidas preventivas personalizadas depois que o sequenciamento genético apontou predisposição para tais enfermidades? O mesmo raciocínio pode ser aplicado aos exames que permitem identificar o tipo exato do um tumor e tratá-lo de maneira específica e mais assertiva, e também à farmacogenética que possibilita saber antecipadamente qual medicamento será mais eficaz para aquele paciente, evitando o sofrimento (e custos) de tratamentos que não vão funcionar para ele ou, no mínimo, não levarão ao melhor desfecho.

É verdade que, atualmente, o acesso a exames genéticos ainda é restrito. Mas a tendência é que sigam a mesma trajetória de outras tecnologias que foram ganhando escala, se aperfeiçoando, ficando mais baratas e ampliando o acesso a elas. Em 1990, no mesmo período dos celulares, estreou no Brasil a laparoscopia. A tecnologia era cara, os procedimentos eram cobertos por poucos convênios e, para completar, a novidade era encarada com resistência por parte da classe médica e pacientes. Hoje, procedimentos laparoscópicos são rotina, combinando benefícios para os pacientes e economia para o sistema de saúde, com melhores desfechos, menos riscos de infecções e complicações em relação a uma cirurgia aberta e menor tempo de internação. Evolução semelhante começa a acontecer com a robótica.

Medicina personalizada não tem a ver apenas com exames genéticos. Recursos de big data e inteligência artificial são outros trunfos importantes. Por meio deles, pode-se, por exemplo, identificar comportamento de doenças, como remissões e recidivas, e apontar o tratamento mais indicado para cada perfil de paciente em determinado estágio da enfermidade. Essas tecnologias também possibilitam antecipar a evolução de quadros clínicos, como já acontece no Einstein, onde os dados do monitoramento de pacientes da unidade semi-intensiva (cerca de 150 indicadores monitorados a partir de algoritmos) permitem predizer uma deterioração clínica e atuar para evitá-la. Inúmeros outros exemplos poderiam ser citados, mas esses já ajudam a entender que as tecnologias digitais também podem estar a serviço da medicina personalizada.

Medicina personalizada no lugar de “one size fits all

Cada vez mais, a medicina do modelo “one size fits all” cederá lugar aos cuidados de saúde personalizados. O fato é que a doença pode ser a mesma, mas os seres humanos são diferentes uns dos outros. Assim, não adianta oferecer um tratamento único para diferentes pacientes com a mesma condição, porque os resultados não serão iguais. A mais bela roupa de tamanho único não vai vestir bem tanto o manequim P como o GG. Da mesma maneira, uma terapia de última geração pode curar o câncer de um paciente, mas não apresentar o mesmo resultado para outro com igual tipo de tumor.

Seja na relação da genética e doenças, na epidemiologia ou na avaliação clínica, tecnologia é o sustentáculo da medicina personalizada. E como tudo que é tecnologia terá seus custos barateados com a escalabilidade. Além disso, o custo da medicina personalizada não pode ser medido apenas pelo valor monetário de um teste genético ou de uma tecnologia mais sofisticada. A conta que deve ser feita é a da economia da saúde. Doenças prevenidas significam menos cidadãos precisando de médicos e serviços hospitalares. O tratamento de um câncer diagnosticado precocemente vai gerar melhores desfechos e custar bem menos do que o de um tumor descoberto em estágio avançado. Um quimioterápico indicado sob medida pela farmacogenética ou uma terapia baseada no perfil do indivíduo (e não apenas na doença) serão mais custo-efetivos do que tratamentos que se sucedem na base de tentativa e erro.

Muitos argumentam que a crise financeira da saúde se agravaria com os custos da medicina personalizada. No entanto, uma parte dessa crise vem dos custos com desperdícios, aumento de frequência do uso de serviços de saúde, exames muitas vezes desnecessários, tratamentos complexos que poderiam ser mais simples com o diagnóstico precoce da doença, retratamentos que inflam a demanda por serviços porque a terapia “one size fits all” não trouxe resultados.

Será que a medicina personalizada, em vez de custo, não trará ganho? Em vez de luxo, não será uma necessidade? É nisso que eu acredito. Creio que a escalabilidade trará sistemas de saúde mais sustentáveis por diminuir desperdício de recursos e assegurar maior efetividade dos cuidados. Na minha visão, investir e imprimir tração na medicina personalizada fará muito bem para a saúde dos cidadãos e dos sistemas de saúde.

Sidney Klajner

Cirurgião do Aparelho Digestivo e Presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. Possui graduação, residência e mestrado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, além de ser fellow of American College of Surgeons. É coordenador da pós-graduação em Coloproctologia e professor do MBA Executivo em Gestão de Saúde no Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa do Einstein. É membro do Conselho Superior de Gestão em Saúde, da Secretaria de Saúde do Estado de S. aulo e coautor do livro “A Revolução Digital na Saúde” (Editora dos Editores, 2019).

About the Author: Sidney Klajner

Cirurgião do Aparelho Digestivo e Presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. Possui graduação, residência e mestrado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, além de ser fellow of American College of Surgeons. É coordenador da pós-graduação em Coloproctologia e professor do MBA Executivo em Gestão de Saúde no Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa do Einstein. É membro do Conselho Superior de Gestão em Saúde, da Secretaria de Saúde do Estado de S. aulo e coautor do livro “A Revolução Digital na Saúde” (Editora dos Editores, 2019).

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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Cirurgião do Aparelho Digestivo e Presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. Possui graduação, residência e mestrado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, além de ser fellow of American College of Surgeons. É coordenador da pós-graduação em Coloproctologia e professor do MBA Executivo em Gestão de Saúde no Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa do Einstein. É membro do Conselho Superior de Gestão em Saúde, da Secretaria de Saúde do Estado de S. aulo e coautor do livro “A Revolução Digital na Saúde” (Editora dos Editores, 2019).