Medicina de precisão é o caminho para um cuidado cada vez mais personalizado
Medicina de precisão é o caminho para um cuidado cada vez mais personalizado
A medicina evoluiu muito nas últimas décadas, com o desenvolvimento
A medicina evoluiu muito nas últimas décadas, com o desenvolvimento de estratégias inovadoras e tratamentos que mudaram o curso de diversas doenças. A grande transformação do século atual é marcada pelo avanço da medicina de precisão, uma das práticas que tem revolucionado a forma como cada indivíduo é tratado. Embora sua aplicação esteja mais avançada em enfermidades como o câncer, a ideia é que possa impactar não só o diagnóstico como o tratamento de diversas doenças, da depressão aos problemas cardiovasculares.
Essa nova forma de atuar alia os dados clínicos convencionais — como sintomas, históricos pessoal e familiar, e exames complementares — ao perfil genético do paciente. Ao entender as particularidades de uma determinada enfermidade em um paciente específico, torna-se possível agir da forma mais eficiente dentro de um determinado caso, com objetivo de alcançar o melhor desfecho.
Precisão e personalização
O oncologista e coordenador médico do Centro de Medicina de Precisão do Hospital Israelita Albert Einstein, Fernando Moura, define a medicina de precisão como proativa: “Nós viemos de uma época de medicina reativa, diagnosticando e tratando os problemas que aparecem. Com a medicina de precisão, seremos proativos, conhecendo os riscos genéticos de desenvolvermos doenças e, desta forma, atuando de modo a prevenir e rastrear algumas enfermidades”, afirma Moura, que destaca que a medicina de precisão é composta por três pilares: predição, prevenção e personalização do tratamento.
O conhecimento da genética permite predizer os riscos de que o indivíduo desenvolva certas doenças e permite aos médicos traçar estratégias de prevenção ou de detecção precoce, mesmo antes da manifestação dos primeiros sinais e sintomas da doença.
Henrique de Paula, patologista e coordenador médico do Laboratório/HIAE em Goiânia, explica que a grande transformação em relação à medicina de precisão se deu com a chegada de tecnologias como o sequenciamento chamado de NGS (Sequenciamento de Nova Geração, na sigla em inglês), com capacidade exponencial de mapeamento.
“Antes, o sequenciamento era feito gene a gene, o que transformava o seu emprego na rotina quase impossível, quando precisávamos avaliar múltiplos genes. Hoje, com menor quantidade de material biológico e em um único processamento, conseguimos estudar de centenas a milhares de genes simultaneamente”, ressalta. O próprio Einstein realiza o Predicta Teste, feito via sangue ou saliva, que possibilita o mapeamento de 147 ou 563 genes, a depender da escolha do paciente.
Do câncer a doenças psiquiátricas
De acordo com Henrique de Paula, a medicina de precisão já tem forte atuação em especialidades como oncologia, tanto em tumores sólidos como hematológicos: “Hoje, é indispensável a avaliação genômica mínima para tratar qualquer paciente com adenocarcinoma de pulmão avançado, por exemplo. Na hematologia, o sequenciamento é necessário para preencher critérios diagnósticos de diferentes neoplasias. Faz parte do nosso dia a dia”.
Além da oncologia, outras áreas serão beneficiadas com essa prática, como cardiologia, neurologia, reumatologia, medicina materno-fetal e até ortopedia, segundo Fernando Moura. “Vamos conseguir classificar doenças cardiológicas mais especificamente, com base na genômica, por exemplo. Outras condições como esclerose múltipla ou Alzheimer também terão melhor compreensão. E a análise dos dados gerados pelos atendimentos, exames e genética nos ensinarão cada vez mais, bem como poderão prever desfechos para determinados tratamentos”, afirma.
Henrique de Paula cita também a neuropsiquiatria, principalmente no que tange a farmacogenômica, estudo de como a variabilidade genética altera a forma com a qual cada indivíduo responde a um medicamento. “Quando um fármaco apresenta efeitos adversos mais exuberantes ao paciente ou não está produzindo os efeitos esperados, pode ter relação com a variante do gene responsável pelo metabolismo desta medicação, por exemplo”.
Parte da população pode ter alguma característica que lhe confere menor ou maior sensibilidade a medicamentos específicos. Dessa forma, o uso da medicina de precisão pode auxiliar na decisão sobre qual dosagem prescrever ou até mesmo ajudar a optar por medicação diferente para o paciente, aumentando a chance de sucesso na terapêutica. “Acredito que em um futuro não tão longínquo, todas as especialidades serão impactadas e beneficiadas pela medicina de precisão”, diz Henrique de Paula.
Ciclo virtuoso
É importante mencionar que o sequenciamento genético gera um grande volume de dados que, se usado de maneira correta, respeitando limites éticos e legais, é fator indispensável para a evolução da medicina de precisão.
O paciente, ao longo de sua jornada, percorre diversos caminhos, entre eles o atendimento médico, os exames laboratoriais, radiológicos e algumas vezes biópsias e tratamentos, apenas para mencionar alguns dos procedimentos médicos. A documentação dessa jornada tem o potencial de gerar inúmeros dados. Por sua vez, os dados de inúmeros pacientes podem ser analisados em conjunto e proporcionam conhecimentos, sempre preservando a identidade dos indivíduos.
Esse aprendizado retorna ao atendimento clínico, aprimorando o cuidado dos pacientes e até mesmo os desfechos de determinados tratamentos. Assim, é gerado um ciclo virtuoso que vai aprimorar continuamente a jornada e o atendimento do paciente.
Personalização traz mais eficiência
O Einstein criou Centros de Excelência em Medicina Personalizada (CEMPs) há quase 2 anos. Os CEMPs são grupos de trabalho que agregam médicos de diversas especialidades e “experts” em uma determinada doença. Por exemplo, o CEMP de Câncer de Pâncreas reúne diversos especialistas – cirurgiões, oncologistas clínicos, radio-oncologistas, patologistas, radiologistas, radiologistas intervencionistas, geneticistas, entre outros – que discutem atualizações, inovação e oportunidades de melhoria nos cuidados. Dentro desses fóruns, dados continuamente obtidos das jornadas dos pacientes também são analisados. O conhecimento adquirido retorna aos pacientes com o aprimoramento do cuidado médico.
Ferramentas de apoio à tomada de decisão também estão em desenvolvimento e, logo menos, proporcionarão suporte a todo corpo clínico para que a melhor assistência seja oferecida aos pacientes. Atualmente, por exemplo, há inúmeros “molecular care pathways” (diretrizes de tratamentos) que auxiliam os médicos na condução de casos complexos.
Hoje, o Einstein tem 8 CEMPs em oncologia, 3 em hematologia e outros em áreas como pediatria, neurologia, cardiologia, ortopedia e nutrologia. Até o final de 2025, serão 60 Centros de Excelência em Medicina Personalizada, oferecendo conhecimento e tratamento a diferentes tipos de doenças.
O desafio do acesso
A medicina de precisão tem avançado rapidamente, mas o acesso ainda é um desafio. Pensando nisso foi criado o projeto Genomas Raros, uma parceria do Ministério da Saúde com o Einstein para levar a nova tecnologia a cada vez mais pacientes e ainda ajudar no desenvolvimento de inovações baseadas nas necessidades de cada tratamento.
O projeto oferece sequenciamento do genoma completo de indivíduos com doenças raras ou câncer hereditário no Sistema Único de Saúde (SUS), tendo como objetivo definir o diagnóstico de cerca de 30% dos pacientes sequenciados e gerar o maior banco de dados de doenças raras do país.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.