Novas tecnologias de análise molecular prometem elevar patamar da medicina de precisão

Novas tecnologias de análise molecular prometem elevar patamar da medicina de precisão

Técnicas como long-read sequencing e single-cell devem chegar à prática clínica nos próximos anos e aumentar o potencial da área

Conteúdo oferecido por

By Published On: 22/01/2025
novas tecnologias de análise molecular prometem elevar patamar da medicina de precisão

Foto: Kj pargeter/Freepik

O Sequenciamento de Nova Geração (NGS, na sigla em inglês) foi uma virada de jogo para os estudos genômicos como conhecemos. Ele permitiu ganhos de escala das análises e deu início a uma nova era da genômica. Agora, marcada por técnicas como long read (“leitura longa”) e single-cell sequencing (“sequenciamento de célula única”), a terceira geração dessas tecnologias começa a chegar ao mercado.

Se o NGS possibilitou a identificação de uma série de biomarcadores clinicamente acionáveis e o desenvolvimento das chamadas terapias-alvo – que têm se mostrado mais seguras e eficazes, com desfechos mais positivos para os pacientes –, a nova leva de metodologias, softwares e tecnologias de análises moleculares deve elevar o nível de acurácia e levar a medicina de precisão a um novo patamar. Embora uma parcela dessas tecnologias ainda esteja em ambiente de pesquisa, algumas já começam a ser implementadas na prática clínica.

“Em resumo, com a terceira geração dessa tecnologia, você consegue sequenciar grandes fragmentos de DNA, ao invés de pequenas sequências”, explica Paulo Campregher, onco-hematologista molecular no Hospital Israelita Albert Einstein. “Isso traz algumas vantagens, porque determinados defeitos do genoma são difíceis de detectar. A análise, então, permite uma visão mais ampliada e completa.”

Long-read sequencing: o método do futuro

O long-read sequencing foi eleito como o método de 2022 pela revista “Nature Methods. A técnica esteve envolvida no primeiro sequenciamento completo do genoma humano e permitiu a superação de limitações das técnicas anteriores, contornando os desafios do polimorfismo estrutural entre genomas, afirmou o grupo de cientistas na publicação. “Combinado com outros métodos genômicos, o sequenciamento de leitura longa criou novas fronteiras para o desenvolvimento de métodos e pesquisa biológica.”, afirmou o editorial da Nature.

Kenneth Gollob, doutor em microbiologia e imunologia e diretor do Centro de Pesquisa em Imuno-oncologia (CRIO) do Einstein, destaca que, além da capacidade de juntar peças maiores do quebra-cabeça e viabilizar a identificação de repetições de nucleotídeos, há um outro atrativo na nova tecnologia.

“Ao ler a molécula inteira de RNA, o long-read permite que a gente ganhe mais informação não apenas sobre o sequenciamento, como também sobre a estrutura daquele RNA”, explica o pesquisador. “Além disso, não é preciso ampliar essa amostra e fazer bibliotecas complexas. Você pode ler direto a amostra com mínimo de processamento. Com esses sequenciadores de campo, que serão uma área em ascensão nos próximos anos, é possível chegar em um paciente de uma área remota, fazer a coleta de sangue e sequenciar a amostra na hora, por exemplo.”

Esse perfil de sequenciamento faz parte do grupo de novidades que já tem dado passos na prática clínica, ainda que tímidos. Uma das aplicações exploradas é no diagnóstico de doenças raras monogênicas, aquelas provocadas por mutações em um único gene. De acordo com um artigo publicado em 2023 na revista científica “Human Genomic, metade das suspeitas de doenças dessa natureza permanecem sem diagnóstico, o que impacta o acesso ao tratamento adequado e resulta em “extensas odisseias diagnósticas.”

“O sequenciamento com fragmentos curtos que fazemos hoje resolve a grande maioria dos problemas clínicos, mas não soluciona alguns casos que se encaixam no problema das repetições. Então, o uso do long-read deve se tornar realidade nos próximos anos nesses casos em que não é possível um diagnóstico usando o sequenciamento padrão”, aponta Campregher.

Transcriptômica espacial unicelular e novas terapias

Na esteira de tecnologias emergentes, a transcriptômica espacial unicelular tem chamado a atenção – a transcriptômica é a área de conhecimento responsável pelo estudo dos diferentes tipos de RNA e seu processo de formação. Ela tem apresentado resultados interessantes no ambiente de pesquisa e na prática clínica graças a um diferencial: é a primeira abordagem não invasiva a permitir a observação de células únicas em seu microambiente natural, através da integração de imagens, análise de biomarcadores, sequenciamento e bioinformática.

Em doenças como o câncer, por exemplo, isso possibilita uma compreensão muito mais acurada da organização celular ao revelar a distribuição espacial de grupos celulares de diferentes expressões gênicas, inclusive àqueles relacionados ao processo de resposta imune do organismo.

“Conseguimos medir a distância entre células e isso tem um impacto relevante. Se você tem um tumor e identifica a expressão de determinados genes fora do ambiente original, você não sabe exatamente de qual região isso está vindo. A transcriptômica espacial te permite ver quais interações estão acontecendo. Assim, podemos quebrar interações indesejadas ou incentivar interações positivas”, explica Gollob.

É dentro do CRIO, do Einstein, que atualmente está sendo conduzido um estudo que contempla o uso dessa metodologia. O objetivo é analisar cada tipo celular, identificar a função de cada gene expressado e descobrir os mecanismos por trás da falta de resposta imune em pacientes que realizam imunoterapia em melanoma e câncer de pulmão avançado – já que nem todos os pacientes oncológicos têm a mesma resposta ao tratamento.

A pesquisa está sendo realizada em parceria com o A.C. Camargo Cancer Center e o Hospital Vila Santa Catarina, com apoio da FAPESP e da GlaxoSmithKline (GSK). A partir dos resultados, será possível fazer a triagem daqueles pacientes que vão se beneficiar de determinado tipo de terapia, o que pode auxiliar no desenvolvimento de novas terapias-alvo e poupar recursos no sistema de saúde. A publicação mais recente do grupo de pesquisa já identificou biomarcadores preditivos relacionados à resposta à imunoterapia.

Medicina de precisão, single-cell e um novo horizonte molecular

O sequenciamento single-cell é outra das principais apostas para o futuro. O termo nomeia tecnologias que têm uma resolução unicelular. “Essa tecnologia é relativamente recente, mas já evoluiu muito. Com ela, conseguimos estudar individualmente célula por célula, esse é o grande diferencial”, afirma Mariana Boroni, doutora em Bioinformática e chefe da Área do Laboratório de Bioinformática do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

Inúmeras especialidades têm se debruçado sobre as pesquisas baseadas em single-cell: neurologia, dermatologia, doenças raras e, principalmente, a oncologia. Boroni compartilha que, através dessa tecnologia, pesquisadores do Inca descobriram que pacientes com câncer de ovário que apresentavam um determinado perfil de assinatura gênica tinham um pior desfecho.

“As técnicas de single-cell estão nos ajudando a entender o quão heterogêneo é o tumor, não só do ponto de vista de células malignas, mas também do ponto de vista de células do microambiente tumoral, que são células normais. Dependendo do fenótipo que elas adquirem, podem promover a progressão tumoral”, exemplifica a pesquisadora do Inca.

Para Campregher, a tecnologia precisa de mais um tempo para atingir maturidade para ser inserida no dia a dia clínico. Segundo ele, as indicações ainda não estão claras e o alto custo dos insumos e equipamentos envolvidos também é uma barreira, mas as expectativas para a adoção do método são positivas. “Quando isso chegar na prática clínica, vai ser algo quase que equivalente a uma biópsia, que o patologista olha no microscópio e vê os diferentes tipos de célula. Vamos ter essa informação do ponto de vista molecular também”, acredita.

Próxima parada: a era das multi-ômicas

Quando perguntados sobre o futuro dessas tecnologias na pesquisa e aplicação na área da saúde, a resposta dos especialistas foi unânime: todos concordam que as abordagens multi-ômicas vão vir com mais força.

O termo “multi-ômica” é relacionado ao estudo de diferentes moléculas biológicas encontradas no organismo, e as mais proeminentes são a genômica (estudo dos genes), transcriptômica (estudo do RNA e expressão dos genes), proteômica (estudo de proteínas) e metabolômica (estudo de metabólitos).

Campregher concorda, e acrescenta que, diante desse novo cenário, que exige cada vez mais o diálogo entre diferentes ômicas e um volume expressivo de dados, a inteligência artificial deve se tornar uma aliada importante na extração e organização de informações.

“O uso de IA na análise de dados multi-ômicos, que é a avaliação e integração de diferentes aspectos moleculares de um mesmo paciente, nos levará a novos patamares de entendimento biológico, com o potencial de melhorar diagnóstico e tratamento em diversas áreas da medicina. O futuro é baseado nesses quatro hot topics: long-read, single-cell, multi-ômica e inteligência artificial”, conclui o onco-hematologista.

Custo ainda é principal barreira, seguido pela capacitação

Assim como outras tecnologias emergentes, o alto custo de equipamentos, softwares, reagentes e demais insumos ainda é o principal impeditivo para a popularização e ampliação do uso dos métodos de terceira geração da genômica no Brasil. Para Gollob, uma alternativa para fomentar o ambiente nacional de pesquisa na área é a parceria entre o setor público e privado.

É o caso, por exemplo, do estudo realizado pelo CRIO em parceria com outras instituições sobre a resposta imunológica ao câncer de pele do tipo melanoma e de pulmão de células não pequenas. “O principal foco dos estudos é o fato de que não são todos os pacientes que respondem à imunoterapia. No estudo sobre os inibidores de checkpoint em melanoma, ao identificar os biomarcadores que mostram qual paciente vai responder, estamos contribuindo para a acessibilidade ao tratamento e poupando recursos da saúde. E tudo isso só foi possível graças a cooperação entre diferentes parceiros”, afirma Gollob.

No âmbito do PROADI-SUS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde, criado em 2009), o Einstein também conduz projetos como Genomas Raros, além de pesquisas sobre CAR T-Cell, Natural Killers e Anemia Falciforme que, em diferentes etapas, envolvem expertise e tecnologia genômica.

Há ainda a questão da capacitação de profissionais, especialmente no que diz respeito à interpretação dos dados produzidos por essas novas técnicas de sequenciamento. Foi olhando para essa deficiência que as pesquisadoras do Inca Mariana Boroni e Patrícia Possik, em parceria com a Welcome Connecting Science, idealizaram o primeiro curso sobre single-cell da América Latina.

“Nós começamos a perceber que a tecnologia estava sendo muito utilizada em diferentes países, mas pouquíssimo usada por pesquisadores da América Latina. Mapeamos as principais barreiras para esse uso, ouvimos representantes de diferentes países da região, e o segundo fator mais apontado, atrás somente da questão financeira, foi a falta de treinamento.”

A experiência foi positiva e o curso caminha agora para a sua terceira edição, a primeira sediada fora do Brasil, ainda sem data divulgada.

Isabelle Manzini

Graduada em jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. Atuou como jornalista na Band, RedeTV!, Portal Drauzio Varella e faz parte do time do Futuro da Saúde desde julho de 2023.

About the Author: Isabelle Manzini

Graduada em jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. Atuou como jornalista na Band, RedeTV!, Portal Drauzio Varella e faz parte do time do Futuro da Saúde desde julho de 2023.

Leave A Comment

Recebar nossa Newsletter

NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

Artigos Relacionados

Isabelle Manzini

Graduada em jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. Atuou como jornalista na Band, RedeTV!, Portal Drauzio Varella e faz parte do time do Futuro da Saúde desde julho de 2023.