Média salarial de médicos cresce, mas valores não são iguais para todas as regiões e gênero dos profissionais
Média salarial de médicos cresce, mas valores não são iguais para todas as regiões e gênero dos profissionais
Além das disparidades entre regiões brasileiras e de gênero dos profissionais, alguns médicos também admitem ter problemas financeiras em decorrência de dívidas e tendem a não guardar parte da renda mensal
A média salarial de médicos cresceu 18% em relação ao ano anterior, segundo um novo levantamento realizado pela Afya. Em 2023, a renda líquida foi de R$ 22.933 enquanto o ano anterior havia registrado R$ 19.340. A organização também mostrou que 51,2 horas é a carga média semanal de trabalho, o que pode variar conforme especialidade e níveis de formação.
Ainda de acordo com o levantamento, as carreiras de Cardiologia, Cirurgia e Medicina Intensiva, por exemplo, são as mais rentáveis e exigem mais horas de trabalho de dedicação: para o médico intensivista, a renda média é de R$ 32.163 por 67,9 horas trabalhadas, enquanto o profissional de Cirurgia e Cardiologia recebe R$ 32.709 por 55,5 horas e R$ 29.970 por 52,1 horas, respectivamente.
“Observamos um aumento, tanto no salário médio, ano a ano, quanto um aumento acima da inflação”, comenta Eduardo Moura, médico e diretor de pesquisa do Research Center da Afya, organização que apoia a jornada médica a partir da educação e tecnologia. Moura atenta que os valores apresentados em pesquisas anteriores, com média salarial de R$ 18.000 em 2021 e de R$ 19.340 em 2022 podem conter reflexos da pandemia. Contudo, os números estão crescendo, o que é considerado uma evolução positiva no cenário financeiro.
Outro aspecto que o diretor de pesquisa da Afya levanta é a relação entre a remuneração e tempo de estudo de um profissional. Com o passar dos anos e com um nível mais alto de formação e especialidade, o movimento é de que os médicos possam diminuam a carga horária mantendo altos salários. Isso ocorre normalmente com profissionais especializados, no qual quem mais ganha são aqueles que fizeram residência.
Os médicos generalistas, por exemplo, costumam ter uma curva de formação até 20 anos, e estagnam num salário próximo a R$ 23.000. Outros profissionais que partem para a pós-graduação e passam mais de 30 anos em formação, ganham em torno de R$ 30.000 por mês. Já os médicos que fazem especialização por residência ganham ainda mais: com mais de 30 anos de tempo de formação, eles passam da renda mensal dos R$ 35.000.
Os especialistas também são os que tem uma média de dedicação semanal menor ao trabalho, com exceção dos generalistas que ainda não passaram por alguma especialidade, com 47,7 horas por semana. Com uma especialidade, os profissionais passam 49,7 horas no trabalho semanalmente. Depois, vem os médicos com duas ou mais especializações: 50,5 horas na semana.
“Na pesquisa, a gente consegue enxergar o quanto o médico, ao longo da carreira, consegue limitar um pouco mais a carga horária dele, mantendo um salário alto. Essa evolução da carreira médica em termos financeiros e de dedicação ao trabalho, em horas dedicadas e formação complementar, seja ela residência médica ou pós-graduação, pode gerar um retorno. Em termos salariais quanto também em qualidade de vida”, comenta Moura.
De região para região
A remuneração, no entanto, muda quando a análise é feita por região. Um cenário comum é ver que os salários costumam ser maiores nas zonas interioranas dos estados, fruto de ações de incentivo governamental para mais profissionais médicos em regiões fora de grandes centros, como o programa Mais Médicos lançado em 2013.
Entre as regiões, o Norte e o Centro Oeste são as localidades com as maiores médias salariais: R$ 25.518 e R$ 24.975, respectivamente. Nordeste fica em terceiro lugar, com R$ 23.198. Ao analisar os estados, vemos que o Mato Grosso é o maior em remuneração mensal, com R$ 31.750, seguido por Maranhão e Paraíba, R$ 27.106 e R$ 25.914.
“As médias salariais são mais altas no interior do país, e aí, pra ser mais específico, no Norte e no Centro-Oeste, em que você tem um déficit de especialistas. O próprio movimento de interiorização da formação médica ainda não garante a especialização desse médico.”
Especialização esta que necessita de infraestrutura e boa preparação para colocar esses profissionais no atendimento à saúde. Para Moura, um problema é levar médicos especialistas para o interior quando não há infraestrutura de atendimento especializado nos centros de saúde e hospitais.
“A formação do especialista exige uma infraestrutura maior e não é toda cidade ou região que tem hospitais grandes, com centro cirúrgico. Você, de fato, exige uma infraestrutura da saúde local em que muitos não estão preparados para isso e precisa para conseguir formar esses especialistas localmente”, comenta.
De acordo com dados da Demografia Médica elaborado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), para uma população de aproximadamente 47 milhões de pessoas em capitais brasileiras, há 187.129 médicos especialistas. Já no interior, para uma população de 158.258 milhões no interior do país, o total de médicos especialistas gira em torno de 141 mil inscrições.
Desigualdade de gênero na medicina
Tratando de remuneração e tendência populacional, outra frente é a maior predominância de mulheres no cenário médico. No entanto, embora essa seja a tendência para os próximos anos, são elas que recebem menos por hora trabalhada.
De acordo com a pesquisa, um médico recebe em média R$ 26.138, enquanto a médica recebe R$ 19.865, o que representa uma diferença de 24%. Em valores recebidos por hora, considerando a média de 54,7 horas por semana para o médico e 47,8 horas semanais para a médica, o homem recebe R$ 477 por hora e a mulher R$ 416.
O peso das tarefas fora do trabalho, comumente relacionados com as tarefas dentro de casa e cuidado com família, mostra que são impactos relevantes ao comparar a dedicação ao trabalho a depender do gênero do profissional. O homem, após ter um filho, passa a trabalhar algumas horas a mais na semana: de 55,3 para 57,2 horas semanais. A mulher, por sua vez, passa de 50,6 horas para 44,8 na semana.
“Mesmo controlando alguns fatores, vemos que há uma remuneração do médico de maior do que a médica. Pode ser uma questão de perfil, de que o médico acabe assumindo cargos superiores, mas tem que entender como isso está acontecendo dentro do mundo da saúde. Se está havendo algum tipo de sexismo em relação ao papel da mulher, que já é a maioria dos formandos e que em pouco tempo vai ser a maioria dos médicos no Brasil”, disse o diretor de pesquisa da Afya, Eduardo Moura.
Dívidas no meio médico
Entre disparidades no salário, um disseminador que não é comum a todos, mas a parte dos entrevistados: alguns médicos que participaram da pesquisa disseram que sofrem com dívidas: são 20,3% que alegaram ter problemas e/ou não saber como irão pagar por tais valores em débito. Esse número vem junto da tendência apresentada pela pesquisa que 34,6% não economiza nenhuma parte de seu ganho mensal. Os dados mostram que só 26,2% guardam um décimo do que recebem no mês. E, dos R$ 22.933 da média salarial mensal, R$ 17.336 é a média de gastos mensais, com parte deste valor voltado para despesas fixas, como aluguel e contas: 45,4% dos médicos declararam gastar entre 5 e 15 mil reais por mês.
Para Moura, isso é decorrente do alto padrão social estipulado para o estereótipo do médico que vive bem e, com isso, existe uma pressão para alcançar essas metas. “Tem um padrão de exigência de um estilo de vida e acho que isso tem que ser discutido dentro da saúde como um todo, porque tem uma pressão social dentro do meio médico de que o médico é bem-sucedido, tem que manter um alto padrão de vida e isso leva uma exigência de ter que trabalhar muito, ganhar bem, o que se traduz nessas longas jornadas de trabalho”.
Ao serem questionados se conseguiriam se manter financeiramente sem remuneração, 73,2% deles responderam que conseguiriam se manter apenas por seis meses enquanto 19,8% alegam que não conseguiria se manter por nenhum mês.
Um fenômeno relacionado às dívidas e organização financeira no setor médico é o modelo de contratualização do trabalho que, em sua maioria, é feito por contratos do tipo PJ (Pessoa Jurídica). Esse formato de contratação feito por um prestador e uma empresa garante flexibilidade e autonomia, algo que muitas vezes não é bem equilibrado pelos profissionais, segundo Moura. Para ele, a pejotização do trabalho médico é um fenômeno que ocorre há anos e parece aceito, mas é justamente nessa tranquilidade que alguns profissionais se perdem em suas finanças e organização pessoal.
“Você tem maior liberdade, o grande problema é que a maioria não está preparada para isso e acontece problemas de endividamento, muitos não tem plano de previdência privada, vão ter que trabalhar para o resto da vida para manter custo de vida alto, não economizam. A gente via que o médico precisava abrir uma empresa quando ia construir um consultório, mas hoje não, ele se forma e para conseguir vínculos empregatícios ele precisa ter uma empresa para receber”, comenta.
Apesar do vínculo, em sua maioria, ser de pessoa jurídica (PJ), 68,9% dos médicos afirmaram possuir empregadores fixos. No entanto, benefícios ficavam a cargo do empregador, e 40,9% dos participantes da pesquisa alegaram não receber nenhum. Aqueles que recebem são compostos por férias remuneradas (50,4%) e 13º salário (43,2%).
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.