Marlene Oliveira, do Instituto Lado a Lado pela Vida: “A Política Nacional do Câncer vem para tirar o sistema da zona de conforto”

Marlene Oliveira, do Instituto Lado a Lado pela Vida: “A Política Nacional do Câncer vem para tirar o sistema da zona de conforto”

Política Nacional do Câncer foi sancionada e deve entrar em vigor em 180 dias. Entidades e pacientes com câncer comemoram aprovação.

By Published On: 20/12/2023
Marlene Oliveira, fundadora e presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida, fala sobre política nacional do câncer

Marlene Oliveira em discurso na Câmara dos Deputados, em defesa dos pacientes com câncer (Foto: Pablo Valadares / Câmara dos Deputados)

Depois de 2 anos de diálogo, construção e tramitação, o Brasil agora conta com a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer. A lei foi sancionada na terça-feira (20) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e garante o acesso à prevenção, rastreamento, detecção precoce, diagnóstico, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos de pacientes, além de prever apoio psicológico a ele e seus familiares. A política ainda cria o Programa Nacional de Navegação da Pessoa com Diagnóstico de Câncer.

A aprovação foi comemorada por pacientes e entidades, que contribuíram de forma ativa com a redação do texto e agora observam com esperança a possibilidade do país avançar sobre a disponibilidade de serviços no SUS. Em entrevista ao Futuro da Saúde, Marlene Oliveira, fundadora e presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida – e que esteve envolvida diretamente no processo -, celebrou o texto sancionado e afirmou que é preciso estar atento para garantir a implementação da lei.

Marlene reforça que o texto foi construído com apoio de diversos setores da sociedade, incluindo o Ministério da Saúde, o que contribui para que se torne prática. A expectativa é que o país consiga reduzir casos e mortes por câncer no Brasil e dê melhores condições para que pacientes tenham uma jornada de cuidado dentro da saúde pública. Estimativas do Instituto Nacional do Câncer (INCA) apontam que o país terá, entre 2023 e 2025, 704 mil casos novos de câncer por ano.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Como vocês recebem essa sanção da Política Nacional do Câncer?

Marlene Oliveira – Hoje é um dia histórico para os pacientes com câncer, porque quem está tendo um diagnóstico já começa a enxergar um pouco mais de luz lá no fim do mundo. No futuro vamos conseguir diagnosticar precocemente, curar mais e conseguir com que o paciente tenha a sua jornada completa, sem que se perca tantas pessoas no caminho como a gente tem perdido porque não tiveram um diagnóstico precoce, tratamento ou porque moram distante, 800 km de uma unidade básica de saúde ou de um centro de especializado de câncer. Essa política vem nesse sentido. É muito importante entender que é uma política moderna, bem estruturada e com um caráter de inspirar melhorias nas práticas da saúde pública e em um fluxo melhor.

Como foi o processo de construção e aprovação?

Marlene Oliveira – Estamos trabalhando na Política Nacional do Câncer há dois anos e meio. Ela foi baseada muito nos eixos que o Tribunal de Contas da União fez em 2008, trazendo alguns pontos da jornada do câncer que colocaram como algo que precisaria melhorar no sistema. Nos debruçamos sobre esse relatório, procuramos a Comissão Especial de Combate ao Câncer na Câmara dos Deputados e conversamos sobre a possibilidade de se criar uma política nacional, em que se colocasse toda a jornada do paciente com câncer. Trabalhamos ouvindo todos os setores da sociedade e foi uma experiência muito boa. Não é uma lei que nasce por um grupo ou setor da sociedade, é uma política que teve contribuição de todo o ecossistema. Muitos não acreditavam, achavam que era muito ambicioso e não iria adiante, mas como acreditamos em políticas públicas e que esse é o caminho, nos dedicamos. Ela foi aprovada na Câmara, depois foi para o Senado e hoje foi sancionada. Hoje a gente tem uma lei, que institui uma Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer e contempla toda a jornada desse paciente com câncer.

Quais as dificuldades que teremos para implementar a lei?

Marlene Oliveira – O papel aceita tudo. Nós temos várias leis no país e elas são importantes porque acabam sendo o caminho para que o paciente comece a ter acesso e a ser enxergado pelo sistema, mas o desafio é a implementação. Não é algo que vai acontecer amanhã ou daqui 1 ano, mas acredito é que uma política que pelo menos o Instituto Lado a Lado pela Vida está muito envolvido para que a lei não fique apenas no papel, que de fato ajude pacientes com câncer no país. Passamos longe de um acesso equânime e de uma jornada completa. Acreditamos que não dá para você só apontar o dedo, temos que apontar caminhos também. Hoje nós estamos visitando todas as Unidades de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON) e Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACON), onde esses pacientes são recebidos, para entender como está na ponta e quais são os gargalos. Porque as dificuldades atuais são várias. Temos dois sistemas que não conversam e uma questão sobre o sistema tripartite, os estados jogam um pouco da responsabilidade para os municípios e os municípios falam que não têm recursos. A Política Nacional do Câncer vem dessa direção, de tirar todo o sistema dessa zona de conforto e chacoalhar o sistema. Mostrar que o paciente com câncer hoje não pode continuar da forma que está.

E para isso será preciso pressionar as autoridades também?

Marlene Oliveira – Sim. Eu costumo dizer que nós temos direitos e deveres enquanto cidadãos e a gente precisa entender que não são só pacientes com câncer que têm que lutar. Temos que lutar como sociedade. Hoje você pode estar em uma condição que tenha saúde, mas amanhã não sabemos. Quando precisar desse sistema, ele tem que dar a resposta.

O que irá mudar no cenário do câncer no Brasil?

Marlene Oliveira – Nós falamos de diagnóstico precoce, mas não atuamos de forma propositiva para isso. Hoje o que fazemos no país é tentar dar um tratamento digno para quem está conseguindo entrar no sistema, porque muitos não conseguem entrar. Quando você olha esse cenário do câncer, o número só está aumentando. A gente precisa fazer com que os pacientes cheguem cada vez mais cedo, porque assim há muito mais chances de cura e sucesso no tratamento. O que tem acontecido é que os pacientes têm chegado cada vez mais numa fase tardia e muitas vezes você não há tantas possibilidades de dar um tratamento adequado. A política vem nessa direção, para começar a atuar efetivamente nesse país em diagnóstico precoce, fazer com que o paciente consiga entrar no sistema e seguir toda a sua jornada. E o Brasil é gigante, nós temos várias realidades. Achamos que só Norte e Nordeste têm dificuldades, mas não é assim. As regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste têm enormes dificuldades também. Temos as leis dos 30 e 60 dias e há lugares no país que o paciente demora 120, 180 dias. Há lugares no Brasil com fila de quatro anos para fazer colonoscopia.

É possível implementar a política ou precisaremos de mudanças mais estruturais para isso?

Marlene Oliveira – Com certeza vai precisar de mudanças estruturais. Mas essa Política Nacional do Câncer também foi construída, discutida e debatida com o Ministério da Saúde.  Hoje tem uma coordenação dentro do ministério que antes não tinha, era apenas o INCA. Já é um ganho ter uma coordenação que tem esse olhar e ela tem que promover essas mudanças no sistema. Está na mão dela essa mudança, então tem que enxergar que o paciente com câncer tem urgência, não pode esperar.

A política acaba modificando a atuação dos profissionais de saúde?

Marlene Oliveira – Precisamos ter mais oncologistas e mais profissionais que façam o diagnóstico. Precisa ter um olhar para a questão multiprofissional, que inclui os enfermeiros, assistentes sociais e outros profissionais, e também vamos ter que capacitar os agentes comunitários de saúde, que estão dentro da casa das pessoas e precisam ter um olhar para perceber que aquela pessoa está tendo algum sintoma ou características que possam indicar um câncer. É uma peça super importante na nossa atenção primária, que é a porta de entrada do paciente.

Quando devemos ver o impacto dessa política?

Marlene Oliveira –Tem o prazo que o sistema de saúde precisa para começar a ter algumas adaptações. É muito difícil ter uma bala de prata para o câncer, quanto mais se faz diagnósticos, você percebe que tem mais pessoas. Então, esse número vai aparecendo e assim conseguimos ter um número mais exato do tamanho da doença no Brasil e de todos os problemas que temos. A gente tem que ter a sociedade e a organização civil cobrando para que essa implementação aconteça rapidamente. Para você ter um modelo ideal para uma lei, vai demorar quatro ou cinco anos para começar a enxergar a mudança efetiva. A partir do momento que ela começar a entrar nesse sistema, cerca de 180 dias, começaremos em alguns lugares que já estão mais estruturados a perceber algumas melhoras.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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One Comment

  1. RAIMUNDO JOSE PINHEIRO DA SILVA 21/12/2023 at 12:30 - Reply

    O câncer tem cura quando o diagnóstico é precoce. A eliminação dos entraves burocráticos reduz as taxas de mortalidade a as despesas médicas no tratamento do paciente com câncer. A politica Nacional do Câncer irá proporcionar estes benefícios à popalçao brasileira

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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