Marlene Oliveira, presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida: “Nova Política do Câncer pode levar 10 anos para ser implementada”
Marlene Oliveira, presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida: “Nova Política do Câncer pode levar 10 anos para ser implementada”
No mais recente episódio do Futuro Talks, Marlene Oliveira falou sobre a nova política nacional do câncer e os desafios para sua implementação
A Política Nacional do Câncer, aprovada no ano passado, entrou em vigor oficialmente em 18 de junho e inclui diretrizes completas para a jornada do paciente com câncer. No entanto, sua efetivação, na prática, depende da articulação de diversas esferas e do trabalho de todos os atores no ecossistema de saúde. Trata-se de uma lei de longo prazo, que pode demorar até 10 anos para ser plenamente implementada, mas que coloca o câncer como prioridade. Essa é a visão de Marlene Oliveira, fundadora e presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida. Ela é a entrevistada do novo episódio de Futuro Talks.
Na entrevista, ela enfatizou que a organização da rede de saúde é fundamental para o sucesso da Política Nacional do Câncer – e atribui a rápida aprovação, que ocorreu em cerca de dois anos e meio, justamente ao esforço do legislativo e à atuação das organizações sociais e sociedade civil. Em sua visão, com a nova lei a pauta do câncer começa a receber atenção similar ao que o HIV recebeu no passado. E é preciso aproveitar esse momento para de fato engajar todos os atores. “O papel aceita tudo, por isso é preciso que todos os envolvidos queiram de fato agir para que ela se torne efetiva”, afirmou.
Contudo, só a nova política não resolverá tudo sozinha. Ela precisará caminhar em conjunto com esforços na melhoria da regulação, na atenção primária, na telessaúde e em assegurar que os pacientes acessem o sistema de saúde de maneira eficaz. Para ela, antes de considerar a incorporação de novas tecnologias, é preciso garantir que todos os pacientes tenham acesso a consultas e diagnósticos básicos, pois muitas pessoas ainda morrem sem conseguir utilizar os serviços básicos de saúde.
Ao longo da conversa, Marlene abordou ainda as doenças cardiovasculares e falou sobre a prevenção, como a vacina contra o HPV disponível no SUS, que previne diversos tipos de câncer, mas que encontra o desafio de baixa procura – por isso, alertou para a importância de uma comunicação mais assertiva.
Confira a entrevista a seguir:
A Política Nacional do Câncer foi aprovada no ano passado e entrou em vigor recentemente. Como você tem acompanhado essa política e quais são os principais obstáculos que ainda enfrenta?
Marlene Oliveira – São vários. Costumo dizer que o papel aceita tudo e o nosso desafio, enquanto organização social, e uma das organizações que atuou desde o início, é fazer com que ela saia do papel e aconteça de fato. Para isso, temos que praticar uma palavrinha muito fácil, que é “querer”. Querer em todas as esferas. Ela foi desenhada de uma forma muito complexa. É uma lei que ela não vai acontecer amanhã. Eu arrisco te dizer que é uma lei que pode demorar 10 anos, uma lei a longo prazo, mas é uma lei que coloca o câncer como prioridade, até então isso não acontecia. Hoje, eu arrisco a dizer que o câncer começa a ter um olhar como teve o HIV, mas para isso, todos nós temos que arregaçar as mangas, todo o ecossistema de saúde tem que trabalhar para fazer com que essa lei seja implementada de forma efetiva. E, para isso, não adianta ficarmos na condição de falar, “ah, não vai dar certo, não vai funcionar”.
É interessante entender um pouco essa articulação que foi feita, uma lei não nasce do nada, certo?
Marlene Oliveira – Sim. Uma das coisas importantes é que temos que dar os créditos ao legislativo. Essa lei existe porque teve uma atuação muito forte do legislativo e da Comissão Especial de Combate ao Câncer, sob as lideranças da Deputada Silvia Cristina e do Deputado Weliton Prado e de outros parlamentares. Foi o legislativo que viu essa urgência. O que foi feito? Eles reuniram o ecossistema de saúde que tem esse olhar para o câncer e, durante dois anos e meio, se trabalhou com essas pessoas em um texto que olhou para todo o ecossistema. Todo mundo contribuiu, inclusive o Ministério da Saúde. E hoje é muito bonito quando você ouve a ministra Nísia Trindade falando que o Ministério contribuiu para esse texto. Todo mundo contribuiu. É o estado da arte? Não é o estado da arte, mas já é um grande caminho. E para isso, o que precisamos? Fazer com que esses agentes, essas pessoas que se dedicaram, todos nós, precisamos cada um continuar contribuindo. Esses bastidores não foram fáceis, porque cada um está olhando para seu umbigo.
Cada um defendendo os seus interesses?
Marlene Oliveira – As sociedades de especialidades, cada uma defendendo e olhando para a sua área. Você pega a indústria de equipamentos olhando para a sua área. A indústria farmacêutica olhando para a sua área. Nós da organização civil, cada uma olhando para a sua área. Por exemplo, quem lida com pacientes de tumores sólidos, quem lida com os pacientes onco-hemato. Cada um olhando para aquele setor, só que todos nós temos um único objetivo. É fazer com que o paciente melhore a sua navegação e, de fato, tenha prioridade no sistema, porque estamos perdendo muitos pacientes. Temos uma regulação totalmente fragilizada. Ela não funciona. Nós temos leis muito boas, que é a lei dos 30 e dos 60 dias, mas não funcionam. Há lugares com fila de espera de quase dois anos. Varia muito. Nós estamos num país continental, heterogêneo. E como mudamos isso? Esses parlamentares, temos que aplaudi-los. Eles foram lá, trabalharam conosco, estão até hoje fazendo um trabalho maravilhoso. Pegaram a lei, artigo por artigo, inciso por inciso e nós demos a nossa contribuição, algo que eu nunca vi no legislativo. Eles fizeram a interpretação do que o legislador entende de cada artigo, de cada inciso, fizeram a definição e entregaram para o Ministério da Saúde. Por quê?
“Porque quando você recebe a lei, eu entendo de uma forma, você entende de outra, o gestor entende de outra.”
Assim foi mais fácil de viabilizar, certo?
Marlene Oliveira – Total. Agora, a máquina é muito complexa. E isso eu falo porque nós, como Instituto Lado a Lado pela Vida, quando estávamos trabalhando antes de a lei ser aprovada, muitos não acreditavam. Tanto é que há leis que estão tramitando há tempos. A pesquisa clínica ficou mais de dez anos e essa nós aprovamos em dois anos e meio. E por quê? Porque o câncer tem um senso de urgência. No parlamento, cada um tem um histórico. O parlamentar, ele tem alguém na família, todo mundo. É uma causa que toca as pessoas. E nós sentimos esse clamor, tanto que chegou na mão do presidente e o presidente tem essa causa também.
Para agilizar o debate da lei, há reuniões no CONSINCA. Como isso está andando? Está progredindo rapidamente?
Marlene Oliveira – O CONSINCA trouxe um ganho ao trazer a organização civil para dentro, o que é um ponto muito positivo. No entanto, acredito que não está avançando na velocidade que o tema merece, principalmente devido à periodicidade das reuniões, que ocorrem apenas uma vez a cada três meses. Isso demonstra uma falta de urgência necessária para o assunto, embora os grupos de trabalho que atuam nesse intervalo se reúnam regularmente. Há muitos participantes e diversos interesses envolvidos, sendo o paciente o eixo central. Vejo isso como uma ação positiva, mas não no ritmo que considero ideal. Com a lei agora necessitando implementação e portarias sendo assinadas, começamos a ver alguns movimentos nesse sentido. Acredito que precisa ter celeridade nesse processo, e espero que o CONSINCA assuma um papel mais proativo em breve. Sou otimista e estou comprometida com desafios. Enquanto escuto muito, também atuo intensamente nos bastidores, confiando que o CONSINCA em breve se torne mais assertivo.
Você comentou que é uma lei de longo prazo. Mas dá para separar em pedacinhos? Coisas que são prioritárias e que podemos começar a ver resultado desde já?
Marlene Oliveira – Para mim, um ponto crucial da política tem que ser a organização da rede. O ponto que se eu tivesse que olhar hoje, é esse. E o outro ponto que eu começaria a olhar é o financiamento para incorporação de novas tecnologias. Mas a rede é muito importante, porque se olho para a rede, olho para a regulação, para onde estão as pessoas, para a atenção primária, para a telessaúde. Olho para algumas coisas e já começo a ver pontos positivos e a ver o paciente a navegar no sistema. Porque hoje tem pessoas que estão morrendo. Ele não está chegando. E não adianta ficar aqui falando que o paciente não está tendo acesso. O que é acesso? Às vezes, é a pessoa chegar e ter uma consulta. Estamos precisando de coisas básicas. E aí ficamos discutindo a incorporação de novas tecnologias, o que também é importante. Mas hoje é preciso que a pessoa chegue. Precisamos falar de diagnóstico, do básico hoje.
E como os dados podem ajudar nesse processo?
Marlene Oliveira – Durante esse processo da lei, o Instituto Lado a Lado fez um trabalho onde visitamos 80% dos CACONS e UNACONS. Nós fomos na ponta. E, no começo, quando fizemos essas visitas, tivemos uma preocupação que achamos que não íamos ser recebidos porque era uma instituição da organização civil, indo na casa desses gestores para pegar informação. E, pelo contrário, fomos muito bem recebidos. Alguns gestores falaram: “Olha, ninguém nunca veio aqui nos visitar, ninguém nunca veio aqui na nossa casa pra saber o que fizemos, quais as nossas condições, o que temos aqui”. E isso foi muito importante. Hoje os dados que nós temos são dados valiosíssimos. Tanto é que hoje temos um grupo de pessoas. Montamos um grupo de trabalho em que o Dr. Nelson Teich é o coordenador. Temos dados e vamos começar a fazer publicações internacionais. Temos informações que colhemos dessas visitas e, no meio do caminho, achamos que precisávamos entender aquela região e começamos a levantar dados dos estados e municípios. Assim, temos atualmente dados dos 5.570 municípios. Informações de quantos profissionais têm nessas unidades, de quantos equipamentos. Tenho informação, por exemplo, do interior de São Paulo.
“Eu chego numa unidade lá e tenho uma fila de dois anos para um ultrassom. Aquele município não tem. Em outro lugar você chega, tem equipamento ocioso. Tem um andar inteiro, todo equipado e ocioso. É esse o Brasil que temos. Hoje eu consigo falar esse tipo de informação com o gestor.”
Falta financiamento? Faz sentido ter um orçamento específico? O problema está no dinheiro, na gestão ou na falta de dados?
Marlene Oliveira – Você chegou no ponto principal. Nós fomos olhar para a questão de valores e o que hoje temos de recurso em saúde e ver o que se gasta em oncologia. Ninguém sabe nesse país. Quem trabalha em economia e em saúde fala alguns números e nós fomos mergulhar nesses números. Hoje nós temos uma plataforma onde colocamos todos esses valores. Hoje no país a oncologia ocupa 2,21%. Isso é nada. Quando você olha para Estados Unidos, para a Europa, que gasta mais, acho que é em torno de 6%, é nada. Por isso que não conseguimos incorporar. Não conseguimos dar atendimento. Não conseguimos muitas coisas e nós temos um sistema que é tripartite e fica essa coisa que a responsabilidade é do Estado, é do município e fica esse jogo de empurra. E quem paga a conta? No meio do caminho chegamos a essa conclusão. E volta o legislativo a assumir um papel. O Deputado Weliton Prado entrou com um projeto de lei que está tramitando. E todos nós da oncologia temos que fazer um trabalho agora, se quisermos mudar esse cenário. A proposta é passar a União para 4%, Estado 3% e município 2%. Município acima de 200 mil habitantes. Aí começamos a ter uma oncologia que tenha um valor. E outra coisa que é importante, eu não sei que nomenclatura vamos estabelecer, quais regras, mas a para oncologia tem que ser carimbada, estabelecer regras e tem que ser fiscalizada. Porque senão esse recurso entra lá dentro e é desviado e vai para outros fundos.
É um trabalho enorme pela frente.
Marlene Oliveira – Sim, mas aí eu começo a ter recurso e começo a colocar a oncologia dentro de um patamar de prioridade. E não estamos pedindo dinheiro a mais. É dentro do valor que eu tenho hoje destinado para a saúde. E tem recurso lá dentro, e consigo provar pelos dados que tenho hoje que dá para fazer isso.
Tendo esse estudo em mãos será mais fácil convencer toda essa cadeia de que é preciso, importante e viável fazer isso?
Marlene Oliveira – Sim, inclusive toda a consultoria do legislativo já analisou esses dados e fez todo esse estudo. Eles já validaram essas informações. O caminho já está traçado.
Queria ouvir um pouco mais sobre isso e a articulação com o Executivo. E quanto aos estados e municípios, já que estamos falando de Cacons e Unacons, como podemos unir todos para que trabalhem na mesma direção?
Marlene Oliveira – A articulação precisa ser exatamente essa: CACONS e UNACONS têm que vir junto, os municípios têm que vir junto, os estados têm que vir junto, as organizações têm que vir junto, as sociedades de especialidades têm que vir junto, a indústria farmacêutica tem que vir junto, a indústria de equipamentos tem que vir junto, todo o ecossistema de saúde tem que vir junto. O médico é parte interessada nisso, e o paciente também tem que vir junto. Todo mundo tem que vir junto porque é uma questão de vontade. Se queremos colocar a oncologia como prioridade hoje, todos precisam estar alinhados. Precisamos de recursos. Caso contrário, não adianta. Não adianta eu assinar uma portaria aqui e melhorar, ficando com aquela coisa de doses homeopáticas. Se não colocarmos o câncer como prioridade hoje, não conseguiremos mudar essa situação. É como a navegação do paciente. A navegação aqui em São Paulo, em uma região, é uma coisa. Em regiões periféricas, é outra. Em Manaus, é outra. Em Roraima, é outra. Temos que olhar para o todo. Por exemplo, fui a uma região onde o gestor me disse: ‘Marlene, aqui 60% dos casos são de câncer de mama. Desses 60%, 40% são em mulheres com idade abaixo de 30 anos.’ Tenho que analisar essa região e entender o que está acontecendo ali. Há regiões onde a incidência maior é de câncer de próstata. Tenho que olhar essa região e ver o que está acontecendo com esses homens. Não estamos falando de câncer colorretal. Estão surgindo casos assustadores de câncer colorretal e ninguém está falando nada. Sei disso porque fui ao local e vi o que está acontecendo. Tudo que estamos vendo é diagnóstico tardio.
“O país tem que começar a assumir o papel de falar em diagnóstico precoce.”
Você vê hoje o Executivo com um olhar mais voltado para priorizar o câncer?
Marlene Oliveira – Acredito que agora é preciso começar a priorizar. Até então, ele não priorizou. Chegou a hora de começar a olhar para o câncer de forma responsável. Já estamos indo para o segundo ano do governo. Sinto que ele está começando a orientar todo o seu governo a olhar para o câncer e outras doenças crônicas de forma mais incisiva. Com Adriano Massuda, percebo que ele tem esse olhar, e tenho muita esperança porque conheço ele, sua história, e tenho esperança. Acredito que ele vai liderar essa mudança. Pelo menos, eu acredito e vou pressionar para que ele faça isso, como líder de uma organização.
Um estudo envolvendo a Fiocruz, o TJCC e o Observatório de Oncologia mostrou que, nos últimos quatro anos, houve um aumento de 400% no custo médio de procedimentos para o tratamento do câncer, como quimioterapia, radioterapia e imunoterapia. A pergunta é: como garantir o acesso?
Marlene Oliveira – Essa conta nunca vai fechar. Porque as terapias, cada vez vão chegar a um custo muito alto e é aquilo que eu falei agora há pouco, se não tivermos um olhar de ter um país que olhe para a prevenção, para diagnóstico precoce, eu só vou ter pacientes sendo tratados em fases avançadas. Em fase avançada, meu custo sempre vai ser alto. Em fase avançada, nunca vou conseguir dar tudo para todos. Há medicamentos, terapias que já estão aí incorporadas há três, quatro anos e o paciente não tem acesso. Mas como líder de organização, estou sempre participando de eventos, fóruns, e sempre destaco: o paciente não tem acesso. Mas o que posso fazer para mudar isso? Não temos recursos. Aumentar esse valor também não resolverá o problema. Precisamos discutir muito a sustentabilidade do sistema de saúde e assumir responsabilidades. Outra questão que levanto é: qual legado a indústria farmacêutica está deixando para o país? A indústria menciona ‘tecnologia’, mas isso é pouco. O que mais a indústria poderia fazer? Podemos reunir toda a indústria para investir em diagnóstico precoce, por exemplo. Se há uma droga para mama, por que não investir também em câncer colorretal? Precisamos desenvolver estratégias conjuntas. Além disso, olhando para nosso país, ainda enfrentamos problemas como fome e saneamento básico. As indústrias podem contribuir nessas áreas também. Parcerias público-privadas são essenciais. Vamos colaborar, sentar com o Ministério da Saúde. E o Ministério precisa estar aberto para essas parcerias.
Por que é tão difícil enfatizar a prevenção? Qual é a virada que temos que dar?
Marlene Oliveira – Acredito que faltam campanhas permanentes de orientação para a população. Nós temos no país um patrimônio que é o Programa Nacional de Imunização. Temos que reforçar essas mensagens. Foi sancionada uma lei agora de voltar para as escolas. Isso é um ganho. Nas escolas tem que se falar sobre a questão da importância da imunização. Nós falamos que é preciso ter uma vacina para o câncer. Nós temos. Para o HPV. Mas não falamos sobre isso. Previne câncer de colo de útero, câncer de pênis. Não falamos de câncer de pênis. Precisamos falar mais sobre isso.
Falta comunicação?
Marlene Oliveira – Falta comunicação. Há grupos antivacina, mas precisamos falar mais alto que eles. Falamos pouco. E estamos comunicando errado. Precisamos acertar nas nossas comunicações e ir nesses grupos onde a comunicação chega e não engaja. Às vezes falamos só para nós mesmos. Precisamos falar com a população. Precisamos fazer com que a comunicação chegue na Dona Maria, nas comunidades. Tem que pegar aquele carro da Pamonha, lá na comunidade, e falar da importância da vacina.
“Temos que utilizar esses artifícios, mas ficamos falando para nós mesmos. Temos que pegar a comunicação e traduzi-la para a população. E isso não estamos fazendo.”
Outra bandeira do Lado a Lado é a saúde cardiovascular. Parece que não há tanta mobilização para abordar a saúde do coração. Por quê?
Marlene Oliveira – No Instituto nós falamos das duas principais causas de mortes: o câncer e a doença cardiovascular. O paciente cardiopata não se reconhece como paciente. Ele é muito diferente do paciente com câncer. E você tem um número alto de pessoas que morrem com doença cardiovascular. Eu participo de alguns fóruns internacionais falando da questão da primeira causa morte. Eu já falei que temos que parar de falar sobre isso. Temos que começar a agir de forma diferente. Porque você vê, fala e não causa nenhum tipo de impacto. É só um número. Precisamos mudar isso. Por exemplo, a hipertensão: o Brasil está enfrentando índices alarmantes. O que estamos fazendo a respeito? Muito pouco. Precisamos de controle. Temos programas que oferecem medicações gratuitas para controle da hipertensão. No entanto, muitas vezes as pessoas começam a tomar a medicação, sentem-se bem e logo param, interrompem a prática de exercícios e mudam a alimentação. As doenças cardiovasculares são silenciosas e frequentemente resultam em eventos como infartos e AVCs. Precisamos educar melhor a população sobre isso.
A hipertensão, por ser silenciosa, muitas vezes passa despercebida. Você acha que podemos mudar isso com campanhas, conscientização e diálogo direto entre médico e paciente?
Marlene Oliveira – Tem que mudar a relação médico-paciente. Essa relação precisa se estabelecer de uma forma totalmente diferenciada. O paciente precisa começar a ter esse senso de urgência, como têm os pacientes com câncer. O paciente precisa entender que, se não seguir o tratamento, pode ocorrer um evento cardiovascular mais grave. É fundamental que ele se veja como paciente. E como eu falo, a sociedade de especialidade tem que ter uma mensagem mais forte com seus especialistas e com seus médicos, com campanhas fortes. O Ministério da Saúde precisa atuar fortemente. Estamos falando de doenças crônicas, precisamos atuar de uma forma mais incisiva. Se eu atuar na hipertensão e no colesterol, eu começo a ter controle das doenças cardiovasculares. Isso requer outras medidas também, como a ênfase na prevenção dos fatores de risco, que impactam não apenas doenças cardiovasculares, mas também o câncer e diversas outras condições.
Sem contar na sustentabilidade do sistema de saúde.
Marlene Oliveira – Só ficamos olhando para a doença e precisamos começar a melhorar aqui para conseguir dar resposta. Tenho que começar a investir na prevenção. A melhorar a questão de incentivar a população a ter hábitos saudáveis. A melhorar a atividade física, a alimentação. Eu sei que moramos em regiões distintas. Quando olho para a população, mudar hábitos não é fácil. Envolve comportamento, muitas coisas. Não é fácil, mas precisa começar, porque senão o sistema nunca vai melhorar. E tem outro fator importante: a população está envelhecendo. Essa pirâmide, vai ficar cada vez mais cara.
Conectando esses pontos, os pacientes estão mais engajados ou passivos?
Marlene Oliveira – Percebo uma mudança ao longo dos anos e melhorou muito. E nós, do Lado a Lado, temos feito um trabalho muito forte nisso. Porque acredito muito que não é a instituição que tem que fazer o trabalho. Temos que fazer junto com um grupo. Eu tenho que representar uma comunidade. Como fizemos esse trabalho junto à Comissão Especial de Combate ao Câncer. Nós atuamos na lei, vamos atuar na implementação. E para que essa implementação aconteça, vamos começar a ir para os estados. Indo para os estados, vamos fazer dois trabalhos: um trabalho junto com gestores e com grupos de pacientes. Já estamos articulando. Vamos para Norte e Sudeste. Vamos fazer sempre regiões distantes. Porque você tem que começar a fazer esse trabalho. Agora, vamos sair de alguns eixos e começar a atuar em outras regiões. Brasília agora vai ser o foco mais de cobrança e vamos começar a vir com demandas de outras regiões e cobrando Brasília. Sempre vai ser esse movimento. Porque acreditamos que você precisa trazer essas demandas. E as pessoas têm que ser mais proativas. Eu criei um movimento que é Eu e Você Contra o Câncer. Eu e você, paciente, familiar, cuidador, gestor. Quem se toca pelo tema tem que estar vivendo junto.
Caminhando para o final da nossa conversa, tem a pergunta que eu faço para todos os meus convidados: quais são as pautas que o Futuro da Saúde tem que prestar atenção?
Marlene Oliveira – Olhar para a questão do câncer e acompanhar essa implementação. Acho que como está no DNA do Futuro da Saúde, você é uma pessoa que tem tido muito esse cuidado. Você é uma agente, uma voz muito forte que pode nos ajudar nessa pauta. E olhar também para a questão do envelhecimento da população. Muita coisa relacionada ao envelhecimento está vindo, o câncer, as doenças cardiovasculares, a questão da resistência antimicrobiana. É algo que me assusta e me preocupa. Eu acho que o Futuro da Saúde tem que vir também na frente com esse olhar.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.