Eficiência assistencial e redução de custos estão no centro das novas linhas de cuidado

Eficiência assistencial e redução de custos estão no centro das novas linhas de cuidado

Adoção de linhas de cuidado traz mais previsibilidade de custos e melhora controle de doenças, mas requer incentivos e mudanças culturais

By Published On: 14/12/2023
Linhas de cuidado

Foto: Adobe Stock Image

Os passos da saúde suplementar em busca de eficiência na assistência e redução de custos têm sido através de mudanças graduais na forma como o setor provê serviços. Tendência nos últimos anos e ganhando ainda mais força em 2023, as linhas de cuidado têm sido vistas como parte essencial desse processo de busca pela sustentabilidade econômica.

Em meio à discussão sobre desperdícios e fraudes, a adoção de linhas de cuidado pode contribuir com uma melhor coordenação do paciente dentro do plano de saúde, sem deixá-lo solto dentro da rede credenciada. Para isso, é preciso que as operadoras de planos de saúde tenham um diálogo com prestadores, como hospitais, clínicas e laboratórios, para que haja um alinhamento sobre o trabalho que será desenvolvido, utilizando dados e tecnologia como parte essencial do processo.

A ideia é que antes que o beneficiário tenha um evento de saúde que leve-o ao pronto-socorro, internação ou procedimentos de média e alta complexidade, que geram os maiores custos em saúde, o serviço acompanhe de forma próxima e ativa o paciente, verificando como está a eficácia de um tratamento, a qualidade de vida ou o avanço de uma gestação.

O tema ganhou mais espaço na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que criou um programa para receber e disseminar projetos-pilotos que utilizam linhas de cuidado em modelos de remuneração baseado em valor. Ainda, o órgão abriu uma tomada pública para receber iniciativas que servirão de embasamento para que incentivem o setor a adotar tais modelos.

As linhas de cuidado também têm ganhado espaço dentro das empresas, que contratam diretamente serviços de linhas de cuidado para cuidar dos colaboradores e reduzir a sinistralidade com os planos de saúde. Assim, há um menor risco de haver um reajuste anual de contrato expressivo, aumentando os custos da empresa com o benefício.

Muito voltadas para doenças crônicas, como diabetes e pressão alta, gestantes e saúde mental, as linhas de cuidado avançam ainda em outras áreas, principalmente quando estão alinhadas a modelos de remuneração baseado em valor. Oncologia, procedimentos cirúrgicos e internações são algumas delas.

“Dado o momento em que as operadoras vivem, elas também começam a buscar novas alternativas para fazer com que a jornada do cuidado seja, por um lado, mais efetiva e, por consequência, com custo menor, sem que se perca a qualidade”, analisa Leonardo Vedolin, diretor geral médico, assistencial e de cuidados integrados da Dasa.

Linhas de cuidado na prática

“A linha de cuidado funciona no sentido de uma coordenação. Por exemplo, a linha para pessoas com diabetes começa com a estratificação dessa população, pesquisando, fazendo entrevistas e coletando informações para conhecer o público. Verifica a realização de exames e identifica em qual estágio do diabetes está. A partir daí, cria linhas que determinam que passos do cuidado a operadora vai ter com a pessoa, de acordo com a condição”, explica Anderson Mendes, presidente da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (UNIDAS).

Por isso, traz maior previsibilidade sobre os custos com a assistência para aquele paciente incluído na linha de cuidado, além de reduzir os riscos de complicações. Dados da Caixa de assistência dos funcionários do Banco do Brasil (Cassi), operadora de autogestão com mais de 590 mil beneficiários, mostram que a partir do terceiro ano como beneficiário, aqueles que estão em linhas de cuidado consomem 30% menos recursos que os usuários soltos na rede. Segundo Anderson, a empresa já trabalha com linhas de cuidado há 20 anos.

No entanto, é comum ouvir no mercado que a média de permanência de um beneficiário em um plano de saúde é de dois anos, e por isso trabalhar a coordenação do cuidado não é vantajoso do ponto de vista da operadora, já que há um investimento na saúde do beneficiário que não será colhido. Por isso, o setor cobra que haja incentivos para que as operadoras adotem tais modelos.

Entretanto, Mendes levanta a discussão sobre o custo assistencial de um usuário que não foi tratado de forma preventiva. “Se tem um paciente que está indo muito ao serviço, se internando e descompensado demais, se você já entra com a linha de cuidado já reduz o custo. Agora, se é um paciente que não está fazendo exame e não está acompanhando sua saúde, você tem um gasto maior nesse primeiro momento, para fazer todos os exames que ele precisa”, analisa o presidente da entidade.

Da mesma forma que se discute a importância da atenção primária como porta de entrada do paciente, a adoção de linhas de cuidado é importante para a saúde da população que conta com plano de saúde. Isso porque há uma melhor coordenação sobre as necessidades, assim como um acompanhamento do quadro geral.

“O paciente solto na rede muitas vezes não tem o atendimento que precisa ou tem atendimentos em excesso. Além de que, a fragmentação do cuidado com frequência tem até tratamentos que são concorrentes, até conflitantes. Pode haver uma medicação passada por um cardiologista que não é ideal tomar junto com uma passada pelo endócrino. Essas questões trazem muito risco para o paciente”, defende Mendes.

A UNIDAS tem incentivado a adoção do modelo e já possui 14 clínicas compartilhadas entre as operadoras de autogestão para as linhas de cuidado. Assim, elas conseguem dividir o investimento feito para que tenha equipes dedicadas, acompanhando as informações dos pacientes e controlando quem sai ou entra nas linhas. Por ter uma média de idade dos beneficiários acima do mercado, podem sofrer com os custos assistenciais decorrentes de doenças crônicas descompensadas – e atuam para reduzir esse impacto.

Passo a passo

Outro exemplo é a Bradesco Saúde, que tem trabalhado o desenvolvimento de linhas de cuidado em 10 especialidades para os seus cerca de 4 milhões de beneficiários. “A partir do momento em que temos uma população mais saudável e menos exposta ao desenvolvimento de doenças ou o agravamento de quadros, há também o potencial de benefícios sistêmicos. A qualidade da saúde dessa população impacta na sustentabilidade do setor”, explica Thais Jorge, diretora da operadora.

O grupo conta com uma rede de clínicas, a Meu Doutor Novamed, que atua através do modelo de atenção primária, importante ferramenta para a coordenação do cuidado. Mais de 30 unidades estão distribuídas pelo país e contam com consultas, exames laboratoriais e de imagem, além de realizar procedimentos ambulatoriais. De acordo com a operadora, os beneficiários que usam a rede tem uma redução da frequência em pronto-socorro de 30% a 40%.

“Manter uma gestão próxima e individualizada de cuidados com a saúde permite um diagnóstico precoce, especialmente nas doenças silenciosas que se manifestam tardiamente. Nos casos de doença, quanto antes detectada, melhores as chances de êxito no tratamento, com desfechos mais favoráveis”. analisa a diretora da Bradesco Saúde.

De forma mais estrutural, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) divulgou, no início de dezembro, 16 projetos que foram selecionados para o Programa de Modelos de Remuneração Baseados em Valor, que tem por objetivo induzir uma mudança de forma estrutural no setor, incentivando que operadoras adotem novas formas de pagamento entre os diferentes elos da cadeia, tendo como base linhas de cuidado. O programa, que está em 2ª edição, já contemplou 13 projetos em 2021.

No mesmo mês, a ANS também anunciou uma tomada pública de subsídios sobre linhas de cuidado em saúde, com o objetivo de receber propostas que contenham fluxos, protocolos clínicos, diretrizes terapêuticas e indicadores de saúde. Elas servirão de base para que a agência incentive a adoção de linhas que coloquem o paciente como foco do cuidado, reduzindo custos e melhorando o desfecho.

“Desde 2010 está acontecendo nos Estados Unidos essa discussão da evolução do modelo de pagamento do serviço prestado, indo de um extremo para outro. No Brasil também está acontecendo, mas é uma jornada. Existe uma evolução de modelo ao longo do tempo e, dada a dificuldade de dados, interoperabilidade e o alinhamento de incentivos, a evolução é contínua, gradual e mais lenta do que a gente gostaria”, explica Vedolin, da Dasa.

Ele defende que é preciso haver uma maior e melhor relação entre prestadores de serviços, indústria e operadoras de planos de saúde, para que possam chegar a acordos que sejam interessantes para todos. Isso porque discutir linhas de cuidado e modelos de pagamento baseados em valor muda a dinâmica de funcionamento da saúde suplementar e requer alinhamento e bons parceiros.

Hospitais e empresas

“A estratégia da Dasa é bem clara, temos diversos ativos que estão presentes em vários pontos da jornada de cuidado dos pacientes. Com isso, nós temos a possibilidade de começar a fazer a integração do cuidado de uma forma mais verdadeira dentro de uma rede de presença nacional. Isso por si só não acontece com a integração dos ativos físicos, precisa ter dados para que o cuidado seja melhor executado”, afirma Vedolin.

O grupo atua com linhas de cuidado para empresas e operadoras, dentro de seus 15 hospitais, laboratórios e centros médicos. O executivo explica que para a construção de uma linha de cuidado, seja para beneficiários de planos de saúde ou colaboradores, é preciso ter dados disponíveis e atualizados, adequando a cultura, profissionais de saúde certos, um bom desenho da linha a ser seguida e uma execução efetiva.

“Não existem linhas de cuidado erradas, existem dificuldades operacionais e de execução de uma linha de cuidado ao longo do tempo. É muito difícil criar uma linha de cuidado sem que haja parceiros. Por mais que a Dasa seja grande, tenha presença nacional, nós também temos consciência de que a gente precisa de parceiros, como operadoras e startups”, afirma.

Entre as principais linhas de cuidado do grupo estão doenças crônicas, saúde mental, procedimentos cirúrgicos, neurologia, cardiologia e acompanhamento de gestantes, onde são definidos os caminhos que um paciente seguirá ao entrar nas linhas. Uma mesma pessoa pode fazer parte de mais de uma linha e transitar por elas ao longo da vida. Dados da Dasa mostram que 49% dos pacientes com diabetes descompensada ficaram com a condição sob controle quando passaram a ser acompanhados por linhas de cuidado.

O próximo passo é fazer com que o setor entenda a sua importância e, juntos, diferentes elos participem da mudança. “Para evoluir o modelo existe uma camada de evolução do alinhamento de incentivos no setor, entre os principais pagadores, prestadores, indústria e as empresas que empregam os colaboradores que vão ter os planos de saúde. Existe uma necessidade de evolução da capacidade de compartilhar dados que gerem informações que sejam úteis. Ainda, avanço na regulação e cultura”, defende Vedolin.

Healthtech

A tendência de empresas buscarem construir ambulatórios próprios com coordenação do cuidado fez com que a healthtech 3778 mudasse sua estratégia de negócio, partindo da saúde ocupacional para a saúde integrada, levando diferentes serviços para as instituições e até mesmo operadoras. Com o auxílio de inteligência artificial, a startup consegue automatizar parte do processo de alertar sobre pacientes que precisam ser incluídos em linhas de cuidado ou que estejam em situação de alerta em suas condições, como o diabetes descompassado por um período que merece atenção.

“Conseguimos fazer algumas análises preditivas, que nos dá a inferência de possíveis pacientes que poderão evoluir com alguma doença crônica. O grande desafio é mudar a cultura das pessoas, porque elas engajam principalmente quando já estão adoecidas”, afirma Thamyris Lima, gerente de operações de saúde na 3778.

Dos 190 ambulatórios que a healthtech possui em empresas, cerca de 40 deles contam com o serviço de linhas de cuidado, sendo parte expressiva do modelo de negócio, com saúde mental, gestantes, hipertensão e diabetes entre as principais, mas também conta com linhas para internação e reinternação de pacientes.

A possibilidade de integrar com a saúde ocupacional é outro diferencial da empresa. A partir do exame admissional o médico já encaminha novos colaboradores para as linhas de cuidado, de acordo com os as informações de saúde obtidas através da consulta. De acordo com Thamyris, novos funcionários tendem a se engajar mais por querer participar de todas as ações da companhia, mas é preciso atuar para que cada vez mais as pessoas entendam o modelo, a sua importância e engajem nas linhas.

“São empresas que estão preocupadas com a saúde e muito nessa tendência de entregar valor agregado para o colaborador. Agora, o mercado da saúde corporativa está caminhando para isso, em oferecer algo que seja diferenciado como forma de retenção de pessoas, para eles entenderem a preocupação da empresa. Tanto que na linha de cuidado de saúde mental temos mais de 10 mil inscritos”, afirma a gerente.

Em um programa de saúde mental desenvolvido junto a um cliente, a 3778 conseguiu identificar através do cruzamento e análise de dados que 16% dos colaboradores participantes tinham ideação suicida. Dessa forma, foi possível que o time de saúde atuasse na prevenção e tratamento, mantendo o sigilo das informações e anonimato.

“Não dá para fazer linhas de cuidado sem observar os dados. Até porque a gente não conseguiria estratificar a população-alvo e mensurar se a densidade de cuidado que estabelecemos faz sentido naquele momento, avaliando se o número de consultas, por exemplo, está adequado ao paciente”, defende Thamyris, que afirma que o uso de wearbles e aplicativos irá contribuir ainda mais com insumos para análise.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

About the Author: Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

Recebar nossa Newsletter

NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

Artigos Relacionados

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br