ANS debate impactos econômicos de novas tecnologias e inicia discussões sobre limiares na saúde suplementar
ANS debate impactos econômicos de novas tecnologias e inicia discussões sobre limiares na saúde suplementar
Agência promove evento para debater impactos econômicos e possível adoção de limiares na saúde suplementar
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) realizou na quarta-feira, 9, o seminário Parâmetros de Avaliação Econômica no Processo de Atualização do Rol. Um dos assuntos abordados foi a adoção de limiares de custo-efetividade – conforme Futuro da Saúde já havia antecipado. A iniciativa foi bem recebida pelo fato de representar o início de discussões mais amplas pela ANS, mas especialistas apontam que ainda há um longo caminho para que o debate avance.
A própria agência reforçou, em nota, essa visão: “Não há, neste momento, nenhuma tendência de decisão, o que só poderá ocorrer após amplos diálogos”. Os palestrantes do evento levantaram pontos como fragmentação da saúde suplementar, diversidade de fontes pagadoras, dificuldade de negociação de preço, modelo baseado no mutualismo, falta de protocolos clínicos padronizados, debates sobre equidade, dentre outros, destacando que o tema é complexo e que deve ser visto a partir de diversos ângulos. Ficou claro que este foi um primeiro passo e que a discussão não pode se resumir a aplicar os limiares do sistema público, onde o tema está mais avançado.
“As complexidades no setor suplementar são muito maiores. Nós temos no setor uma diversidade muito grande de fontes pagadoras, de operadoras com portes totalmente distintos — uma cooperativa de 10 mil vidas é tão importante quanto uma operadora de 2 milhões de vidas, é importante ter percepção disso. (…) Para questões complexas, não há soluções fáceis. É preciso tentar encontrar dentro da experiência exitosa construída no SUS quais são os pontos que podemos avançar para poder contemplar a saúde suplementar”, disse Denizar Vianna, ex-secretário de ciência, tecnologia e insumos estratégicos do Ministério da Saúde e professor titular da faculdade de ciências médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ, durante o seminário.
Em novembro de 2022, a Conitec estabeleceu os limiares de custo-efetividade utilizados para a inclusão de tratamentos. A partir disso, foi recomendada a adoção do valor-referência de R$ 40 mil por anos de vida ajustados pela qualidade (QALY), equivalente a 1 PIB per capita. Para casos específicos, como doenças raras, a recomendação foi de utilização de três vezes o valor-referência.
Vale lembrar que, na saúde privada, o processo de avaliação de tecnologias em saúde (ATS) passa pela ANS, que é responsável pela regulamentação, controle e fiscalização das atividades das operadoras. A agência conta com o Comitê Permanente de Regulação da Atenção à Saúde (Cosaúde) para auxiliar nas avaliações. No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), é a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) que avalia a incorporação de novos medicamentos, protocolos e tratamentos e faz a recomendação para o Ministério da Saúde.
“É precoce discutir a criação de um limiar. Porque a gente precisa fortalecer mais o processo de ATS na saúde suplementar. Hoje temos uma série de incertezas muito em função da dificuldade de ter os dados completos (…). Mas também não podemos desconsiderar o impacto orçamentário e tratar como uma consequência que os contratantes têm que cobrir”, disse Vanessa Teich, diretora de Economia da Saúde do Hospital Israelita Albert Einstein, durante o evento.
Início das discussões
Haliton Alves de Oliveira Júnior, gerente de pesquisa na Unidade de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, conversou com Futuro da Saúde antes do seminário e reforçou que o evento é importante para ouvir atores da área e delimitar passos iniciais para evoluir na discussão. Mas salienta algumas adversidades:
“Pensando em ANS, a inexistência de uma série histórica ampla, a dificuldade de padronização nos modelos de aquisição, reembolso e de remuneração entre prestadores de serviços e operadoras e aplicação mais recente de modelo de ampliação ao rol baseado em evidência (RN470) agregam complexidades ao debate.”
Neste contexto de oferecer mais informações, o órgão aproveitou a ocasião para lançar o Painel de Informações do Rol, uma plataforma com dados de impacto orçamentário e avaliação econômica de propostas de incorporação de tecnologias a partir de outubro 2021. O sistema traz, até o momento, informações detalhadas de 44 tecnologias, das quais 32 foram incorporadas e 12 não foram, com possibilidades de filtros por tipo de tecnologia e se era relacionada à doença oncológica, por exemplo.
Segundo a ANS, a ferramenta pretende “ampliar a visibilidade das práticas de atualização do rol, trazer subsídios para o aprimoramento dos métodos adotados e fornecer insumos para estudos futuros e para o processo decisório”.
Limiares na saúde suplementar
Adotada em diversos países, como Austrália, Canadá e Chile, a análise de custo-efetividade se baseia nos critérios seguidos pela realidade de cada região do mundo. Desta forma, existe uma discussão sobre a adoção de um valor específico como uma referência global. Na saúde suplementar há dúvida quanto à utilização do limiar como um todo, justamente por não ser um cálculo simples – e o desafio pode ser ainda maior porque novas tecnologias estão sendo lançadas no mercado.
Em março do ano passado, foi publicada a Lei 14.307 para modificar o processo de atualização das coberturas no âmbito da saúde suplementar. Dentre as mudanças, foi incluída a obrigação de definição de metodologias, como os indicadores e os parâmetros de avaliação econômica de tecnologias em saúde utilizados em combinação com outros critérios.
De acordo com Priscila Torres, representante do Conselho Nacional de Saúde (CNS), o preço da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), como referência para a análise de ATS na saúde suplementar, desvirtua o real impacto orçamentário econômico, dificultando a negociação de preço:
“Sabemos que isso não é uma fragilidade fácil de ser superada, mas não é impossível. Para o controle social, havendo ou não o limiar econômico como um dos critérios, este potencial limiar somente seria eficaz quando realizado com o compromisso público de um preço máximo a ser praticado. A ANS deveria também criar uma norma com critérios específicos de análise, definindo parâmetros alternativos ao preço CMED para apoiar as discussões de ATS”.
O caminho para a incorporação
Dentro da discussão de incorporação de uma nova tecnologia, a qualidade da evidência científica é sempre um ponto levantado pelos avaliadores. Para Daniel Barauna, representante da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB), uma nova tecnologia “tem de ser incorporada desde que se mostre realmente efetiva por meio de evidências extraídas de estudos com boa qualidade metodológica”. Ele ainda observa que, havendo alternativas terapêuticas, essa comparação “deve ser feita em bases razoáveis e proporcionais para assegurar o equilíbrio do sistema privado”, pondera.
Haliton Alves de Oliveira Júnior, do Oswaldo Cruz, acredita que o sucesso em alguns países pode estar relacionado às iniciativas complementares que agregam ao processo decisório: “Processo de pesquisa acoplado à incorporação (para avaliar se a tecnologia em saúde entrega o que foi prometido); acordos de risco compartilhados honestos e ponderados; regras de excepcionalidades para populações específicas (oncologia, doenças raras, etc)”.
Outros pontos de destaque do seminário foram o acesso a dados de utilidade, uma equipe dedicada a avaliar os estudos econômicos por parte da ANS, considerar a heterogeneidade do Brasil, os custos e informações de utilização e produtos para a saúde, regulamentação de terapias gênicas curativas e tecnologias para doenças ultrarraras e reavaliar o que já está incorporado.
One Comment
Leave A Comment
Recebar nossa Newsletter
NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.
[…] Contudo, essa previsão, de acordo com Rafael Barros, depende da continuidade do cenário econômico do país, com um crescimento tímido ao longo do ano. A redução na taxa de desemprego está, […]