Lídia Abdalla, CEO do Grupo Sabin: “Diversidade torna negócios competitivos e lucrativos”
Lídia Abdalla, CEO do Grupo Sabin: “Diversidade torna negócios competitivos e lucrativos”
O mais recente episódio do Futuro Talks recebeu Lídia Abdalla, […]
O mais recente episódio do Futuro Talks recebeu Lídia Abdalla, CEO do Grupo Sabin, empresa que tem avançado cada vez em suas áreas de atuação, hoje composto por medicina diagnóstica e análises clínicas, atenção primária e saúde digital. Nos últimos anos o grupo, que nasceu na capital federal, intensificou seus planos de expansão orgânica e por meio de aquisições – fez mais de 30 movimentos – com foco em aumentar os negócios, ampliar a presença em mais regiões brasileiras e levar acesso à saúde para mais pessoas.
A questão do acesso, inclusive, é um dos principais desafios da saúde na visão dela. Houve avanços importantes recentemente com a telemedicina e na própria área de diagnóstico há um movimento para ampliar as possibilidades por meio de exames nos chamados point-of-care, como farmácias – mas que, segundo Abdalla, tem que ser regulado, “porque se o acesso for sem qualidade, vai trazer ainda mais gasto e pressão para o sistema de saúde”.
A executiva também abordou o tema da diversidade e presença de lideranças femininas na saúde. Ela lembrou que o setor como um todo possui mais mulheres trabalhando, mas isso não acontece nos cargos de liderança, ainda majoritariamente ocupado por homens. Abdalla acredita que os líderes deveriam escolher perfis diversos e pessoas que possam trazer olhares diferentes, pois opiniões distintas têm o potencial até mesmo de trazer mais lucratividade para as corporações.
Confira a entrevista a seguir:
Qual a sua avaliação sobre esse início de governo no contexto da saúde?
Lídia Abdalla – Bem, sabíamos que seria desafiador esse início de ano com o novo governo, não só por ser um novo governo, mas pelo momento que a gente vive pós pandemia. Os últimos três anos foram muito desafiadores não só em termos de infraestrutura do setor, mas também com muitas reformas regulatórias acontecendo, muitas mudanças. O desafio é grande, mas acho que o caminho está sendo construído. É impossível num país com a dimensão do Brasil, com a complexidade e heterogeneidade que temos, sobretudo no sistema de saúde, que as mudanças aconteçam rapidamente. Acho superimportante que a gente tem conseguido dialogar com as diferentes organizações, associações e instituições, levando não só as nossas necessidades, mas também pensando em como fortalecer o setor. Acho que o grande desafio para o setor de saúde é acesso à medicina de qualidade, que é o que a população precisa.
Você acha que falta avançar em algum aspecto específico que até agora a gente não viu do governo?
Lídia Abdalla – São várias frentes. Tem a frente assistencial, tem toda a frente de atenção primária, de olhar para a sustentabilidade do sistema. Mas tem também uma frente importante de fomentar a indústria no Brasil. A gente viu o quanto fomos dependentes de materiais e equipamentos de EPIs da China, e do mercado externo e o quanto isso nos afetou. Acho que esse é uma agenda que já começou a ser discutida e é importante de fato acelerar para conseguir realizar nesses próximos anos.
Depois de 10 anos investindo em expansão, que incluiu mais de 30 aquisições, o grupo Sabin decidiu reformular o seu posicionamento de mercado para refletir essa visão estratégica de se tornar um ecossistema de saúde. O que isso significa na prática?
Lídia Abdalla – O Sabin completa em 2 de maio 39 anos de fundação. Até 2012 estávamos atuando com análises clínicas no Distrito Federal e ali já éramos o maior laboratório. O setor de saúde, sobretudo de medicina diagnóstica, já passava por um momento de consolidação, com fusões e aquisições. E as nossas fundadoras, Doutora Janete e Doutora Sandra, tomaram a decisão de seguir crescendo, seguir à frente do negócio. Para isso desenhamos nosso projeto de crescimento geográfico, porque a gente já tinha a maior participação no DF. Para um negócio ser competitivo, tem que estar sempre crescendo. Em 2012, efetivamente, nós começamos a fazer aquisições de outros laboratórios em outras regiões, como Norte, Nordeste, o estado da Bahia e o triângulo mineiro. Em 2013, implementamos um modelo de governança corporativa, até para garantir o crescimento sustentável da empresa.
Porque quando a gente fala de negócio, de empresa, de crescimento e de liderança, o grande ativo são as pessoas e o capital humano. Desenvolver lideranças, trazer pessoas com novas competências, novas habilidades para ir seguindo com os desafios.
Foi nesse período que você assumiu a presidência?
Lídia Abdalla – Sim. Em 2013 as fundadoras implementaram a governança corporativa do Sabin, criaram um conselho de administração e eu assumi a presidência do grupo em janeiro de 2014, estou no décimo ano de gestão como presidente. E com esse desafio de seguir crescendo geograficamente e diversificar o negócio. De lá para cá, nesses últimos 10 anos, vieram os novos investimentos e entramos definitivamente com diagnóstico por imagem. Crescemos o nosso serviço de imunização e serviços de check-up executivo. Veio o nosso investimento também em ecossistemas de startups. As startups começaram a surgir com novas soluções e daí veio a oportunidade de atenção primária, quando investimos na Amparo e depois a adquirimos no final de 2021. Qual que foi a nossa visão? Foi de estar presente cada vez mais na jornada do paciente e, mais do que isso, transformar isso em valor para o nosso cliente. Quando eu falo de cliente, eu estou pensando no cliente consumidor final, paciente, mas eu também estou pensando em operadoras de saúde, hospitais, empresas. E em 2021 lançamos o Rita Saúde, uma plataforma, toda digital, de coordenação de cuidado integrado.
Com todo esse movimento veio a necessidade de uma nova marca?
Lídia Abdalla – Sim, porque até então tínhamos primeiro laboratório Sabin de análises clínicas, depois Sabin medicina diagnóstica e então veio a área de diagnóstico por imagem, de checkup. Mas hoje a gente já tem uma atuação forte não só em medicina diagnóstica – que continua sendo o nosso foco – mas também na medicina preventiva, quando a gente fala de check-up executivo, atenção primária. Nós temos também um hub de inovação no Distrito Federal que é o Sky Hub Bio e ali temos startups residentes com o objetivo de fomentar o ecossistema de inovação no Brasil. Então, essa conjunção de marcas de novos negócios e de pensamento, de estar presente na jornada de saúde, é que nos fez chegar até aqui. A marca traduz, na realidade, o nosso momento e o que nós entendemos como uma plataforma de negócios em saúde.
Quais são os desafios embutidos nessa estratégia de regionalização?
Lídia Abdalla – Quando desenhamos o nosso projeto de crescimento geográfico, olhamos para as regiões Norte, Nordeste e Triângulo Mineiro. Tiveram algumas premissas importantes. Primeiro, a gente não tinha experiência em expandir, em fusões e aquisições, e a gente tinha uma preocupação muito grande com a nossa reputação, com a marca que construímos até ali, que apesar de ser uma marca regional do Distrito Federal, já tinha uma reputação nacional, sobretudo com relação à qualidade do serviço, percepção de valor pelo cliente. Tivemos uma preocupação grande de pensar em logística, como transportar amostra biológica e garantir a qualidade o resultado do exame. Isso nos fez olhar para essas regiões. Estar baseado em Brasília, que tem uma malha aérea para o país todo, foi um grande facilitador. Olhamos também para regiões com menos competitividade, como Manaus. Uma cidade de 2 milhões de habitantes com muita carência de serviços de qualidade. Assim foi com o Triângulo Mineiro também. Onde existem obstáculos, também existem oportunidades. Foi isso que nós buscamos. No primeiro ciclo da nossa expansão fomos para Manaus, Belém, Salvador, Triângulo Mineiro, Palmas e ali começamos a desenhar o nosso modelo de expansão geográfica e de integração dessas unidades.
Como é esse desafio de integração?
Lídia Abdalla – Tomamos algumas decisões de integrar sistema. Nosso sistema informatizado é integrado no Brasil todo e isso tem um custo elevado. Mas tem um benefício de que o paciente hoje, se você fizer exame no Sabin em Brasília, em Campinas, em Manaus, em Florianópolis, terá o seu prontuário eletrônico completo. E, claro, padronizar as unidades e tecnologia depende muito de investimento. É difícil, mas você consegue padronizar a montar o modelo e replicar. Quando chega na esfera das pessoas, aí tem cultura organizacional.
Nesse caso, cultura não é uma coisa que você coloca dinheiro, tem investimento e vira a chave. Esse, sem dúvida alguma, é o maior desafio.
E aí tem um outro aspecto que o Sabin sempre foi conhecido pelo nosso atendimento humanizado. Como uma empresa consegue entregar um atendimento diferenciado para o cliente? Quem faz isso são as pessoas. Então, sem dúvida alguma, esse foi o nosso maior desafio de desenvolver esse modelo de disseminação da nossa cultura organizacional, chegar nas regiões. Teve um ponto muito estratégico que é valorizar muito a mão de obra local, os nossos gestores, que sempre que possível são da região. Por quê? Porque o país é muito grande, muito heterogêneo, muito diverso. Não adianta achar que eu sou a presidente do grupo, em Brasília, e entendo o que acontece na cultura regional lá do Amazonas ou lá do Sul. Esse também foi um fator que nós decidimos lá no início e em quase todos as regiões temos gestores ali da cidade, que entendem a cultura local, que entendem as expectativas e necessidades do cliente enquanto serviço.
Muito se fala em dimensões continentais do Brasil, mas na prática pouca gente atua nessas em todas as regiões.
Lídia Abdalla – Sim, é muito difícil. Estamos presentes em 15 estados, além do Distrito Federal, e 78 cidades. Nós conseguimos desenvolver esse modelo de expansão não só inorgânica, fazendo compras de outros laboratórios, mas também desenvolvemos um modelo de expansão orgânica. Em Boa Vista, por exemplo, nós já fizemos uma expansão a partir da unidade de Manaus. Apesar de ser um outro estado e uma outra capital, já foi o crescimento da unidade da regional de Manaus. Isso também faz com que eu vá diluindo toda a energia que temos que colocar nisso, o conhecimento daquele gestor que está ali em Manaus de levar o nosso modelo para Boa Vista. E aí temos células. Outro exemplo é Mato Grosso, nós compramos o maior laboratório do estado de Cuiabá no final de 2019. E a partir daí, compramos depois Tangará da Serra. Temos um mapeamento de crescimento para a região onde não necessariamente tenho que comprar outros laboratórios, mas eu vou abrindo unidades em cidades próximas como no Triângulo Mineiro, Uberaba, Uberlândia. E depois nós abrimos unidade em Araguari, em Frutal, em Araxá. Crescimento orgânico.
Você vira um hub de você mesmo.
Lídia Abdalla – Exatamente, a gente vai criando hubs em centros maiores, mas a gente vai levando unidades do Sabin para cidades menores. De novo, o grande desafio é sempre relacionado às pessoas, mas aí também desenvolvemos uma plataforma dentro da nossa universidade corporativa de educação continuada, capacitação, treinamento. E a partir daí a gente foi conseguindo crescer não só nas capitais, mas para regiões do interior, que são regiões grandes. Em Tocantins, por exemplo, nós estamos em Palmas desde 2012, foi do nosso primeiro ciclo de expansão. Começamos lá e hoje, além de Palmas, já temos mais 5 cidades no estado. Chegamos até Gurupi. Então somos marca líder na capital, em Palmas, e crescendo para o estado. De novo, a gente vai montando esses hubs, crescendo e levando medicina de qualidade para as diferentes regiões do Brasil.
Estamos em um cenário esse ano um pouco mais tenso, eu diria, na saúde. O que está no radar para esse ano?
Lídia Abdalla – Nos últimos 4 anos, de 2018 a 2022, incluindo anos de pandemia, fizemos 8 aquisições de laboratórios, serviços de imagem, a própria atenção primária. Este ano já era um ano para focar na integração – padronização, preparar para crescimento. Um ano para olhar para dentro de casa e focar em arrumar em realizar todas essas integrações completamente. Até porque nesses últimos anos – muito pela pandemia – tivemos que direcionar novas estratégias, muitos projetos, informações digitais, serviço móvel domiciliar, tudo aquilo que vocês acompanharam, que nós tivemos que fazer enquanto setor de saúde para atender a demanda da população. Em 2022 já retomamos essa integração desses novos negócios. Mas aí tinha acabado de chegar a Amparo Saúde também, que é um negócio bem diferente do nosso escopo. 2022 já nos mostrava que 2023 teria um cenário macroeconômico desafiador, não só de Brasil, mas de mundo. Isso tem um impacto grande – que é o que estamos vendo acontecer – como o custo do capital muito maior.
O último movimento estratégico de aquisição foi em 2022, então?
Lídia Abdalla – O nosso último movimento estratégico foi em 2022. Em setembro nós compramos um laboratório em Teresina – que tem unidades no Piauí e no Maranhão – um grande laboratório, o maior laboratório do estado também. Com isso a gente tem muito trabalho para este ano e ano que vem de não só integrar e organizar esses negócios, mas também seguir crescendo. E 2023, claro, quando a gente fala de novos investimentos, de novas aquisições, sem dúvida alguma era um ano de cautela pelo que a gente está acompanhando no cenário macroeconômico. Isso não significa que a gente não continue avaliando novas oportunidades, novos mercados e negócios, oportunidades que chegam para compras de outros laboratórios, de outros serviços.
Continuamos, da mesma forma, conhecendo, avaliando novos ativos, mas o nosso foco esse ano é de fato trabalhar com essas integrações.
Diagnóstico ainda representa 95% da operação. A pergunta: é com essas aquisições, com essa mudança de foco, há uma previsão de mudança disso? Chegar em 50/50?
Lídia Abdalla – Não acredito que no curto e médio prazo a gente chegue nos 5050, mas temos como foco crescer cada vez mais esses novos negócios. Entendemos que tem oportunidade quando a gente olha para a Rita Saúde. A gente mira em uma população, inclusive, que não tem plano de saúde. E que muitas vezes pode ter acesso aos nossos serviços em um modelo digital e que, aí sim, tem um menor custo, inclusive. Quando a gente olha para a atenção primária, a gente tem feito muitos projetos pilotos de atenção primária em parceria com operadoras de saúde e com empresas. Enxergo que teremos muito espaço de crescer esses novos negócios, mas o diagnóstico continua crescendo também. E aí quando eu falo de medicina diagnóstica, sabemos os dados: 70% das decisões clínicas passam pelo laboratório e nós sabemos que a população envelhecendo e vivendo mais, também terá cada vez mais necessidade de diagnóstico. Além do que a gente tem áreas novas, quando a gente fala de genética, da área de genômica, por exemplo. Olhando muito para a medicina preventiva.
Essa transformação passa por colocar o paciente no centro do cuidado?
Lídia Abdalla – Quando eu olho para frente, o que eu vejo é uma transformação de fato que teremos que fazer acontecer, que é colocar o paciente no centro do cuidado, de fazer gestão de saúde e não gestão de doença. Nós já falamos isso há alguns anos, mas eu digo que agora nós chegamos num ponto, sobretudo neste momento pós-pandemia, que de fato nós vamos ter que fazer isso acontecer. E esses novos negócios – atenção primária, coordenação de cuidado – vêm muito em convergência com esse pensamento que conecta com essa medicina diagnóstica preventiva também: área de genômica e medicina personalizada. A expectativa é que para os próximos 10 anos a gente chegue a ter 70% de diagnóstico e 30% desses outros negócios. Acho que talvez a gente consiga chegar nesse percentual. Mas é uma estimativa. Porque não depende só de nós, depende muito mais do mercado nesse caso.
Você comentou no começo da conversa que o grande desafio da saúde é o acesso. Como está a estratégia de vocês de oferecer assistência à saúde para pessoas que não tem planos?
Lídia Abdalla – A Rita Saúde tem esse propósito de colocar ali serviços – e não só os nossos serviços – que poderão ser adquiridos individualmente com valores diferenciados. E por que com valores diferenciados? Porque eu estou trabalhando no digital. No digital eu tenho também um custo menor de operação.
Mas é um custo por exame?
Lídia Abdalla – Exatamente. As pessoas podem adquirir os nossos serviços de exames e mesmo programas de coordenação de cuidado. Há também atenção primária digital. Não é só exame, vacinas. Colocamos serviços de parceiros, drogarias em parceria – que as pessoas podem comprar através da plataforma –, consultas com especialistas, parcerias com clínicas especializadas e que a população poderá entrar e ter acesso a esses serviços. Esse é um ponto. De outro lado, temos uma estratégia que é com a gestão de saúde corporativa. Quando eu falo de atenção primária, quando eu falo de gestão de saúde populacional – e que tem sido um dos nossos focos com esses últimos investimentos – é para fazer frente a esses desafios que a gente está vendo, com as operadoras com sinistralidade alta, e no final do dia, quando a gente olha para esses indicadores, nós estamos falando de empresas que são as grandes contratantes dos planos de saúde. E que querem continuar podendo oferecer como um benefício para os seus colaboradores. Eu acho que também as empresas passaram a ver a gestão de saúde com outros olhos depois da pandemia. Porque viram que saúde, inclusive, afeta o seu negócio se não for bem cuidado. Mas na outra ponta, é um custo alto que muitas vezes está inviabilizando a oferta. Temos percebido muito mais a sensibilização e a preocupação das empresas em querer continuar oferecendo o benefício de saúde para os meus colaboradores, mas eu preciso ter uma gestão de saúde corporativa dentro de casa bem-feita. Aquela área de medicina do trabalho dentro das empresas – e que fazia muitas vezes aquela parte de legislação básica – percebemos agora uma outra preocupação.
Não é só para o exame demissional?
Lídia Abdalla – Não é só para exame demissional ou fazer a gestão de atestados médicos, mas de fato, olhar para programas de gestão de saúde corporativa robustos, que de fato tem um impacto em desfechos clínicos positivos. E que isso tem um benefício direto para a empresa, não só produtividade, redução de absenteísmo, mas também na sinistralidade dos planos de saúde. E com isso, poder também negociar melhor com os planos e continuar tendo a viabilidade de oferecer os planos de saúde.
É uma roda que se retroalimenta.
Lídia Abdalla – Sim. E a nossa experiência com Rita saúde e com Amparo tem sido conectar aos nossos negócios com essa proposta de valor. E a gente tem feito projetos piloto com empresas. E as empresas contratando diretamente, por exemplo, atenção primária, querendo colocar atenção primária para contribuir com a sua gestão de saúde corporativa e, com isso ter uma melhor gestão, inclusive da utilização dos planos de saúde dentro das empresas e muita parceria com operadoras e com autogestões.
E vocês têm um modelo de clínica dentro da companhia?
Lídia Abdalla – Dentro da companhia. Nós temos, inclusive no Sabin. Nós temos uma unidade da Amparo dentro do Sabin, onde os nossos colaboradores podem utilizar a atenção primária, porque a gente sabe que muitas vezes 90% das queixas conseguem ser resolvidas na atenção primária. Muitas vezes não precisa chegar no médico especialista, no pronto socorro, no hospital, que aí sim devem ser procurados para casos mais complexos. Já temos essa experiência de colocar clínica dentro da empresa e também clínicas dentro de serviços médicos, às vezes de operadoras, como autogestão, por exemplo, que tem os seus serviços médicos, tem o seu serviço de atenção primária própria e que querem crescer esse serviço para seus beneficiários.
O diagnóstico, como a gente estava acostumado, está mudando. Ele está mais, às vezes com exames que você recebe em casa e que manda pelo correio, ou que você faz em casa ou que você compra na farmácia. Como que você imagina esse futuro do diagnóstico? Você acha que ele vai ser mais descentralizado?
Lídia Abdalla – Eu acho que sim, é uma tendência que está acontecendo. E acho que o futuro é complementar ao nosso negócio. A gente está falando de um país que tem 215 milhões de habitantes, mais de 5.000 municípios, e vivendo mais. Então, as novas soluções estão surgindo e trarão de fato mais acesso com mais rapidez. Aquela cidade ali do interior muitas vezes não tem condições de ter um laboratório com um porte grande, com uma plataforma toda automatizada e integrada como nós temos com equipamentos Siemens, Roche. Mas que sim, tem condição de ter às vezes equipamentos point of care, equipamentos menores, testes rápidos de qualidade e que atendam a necessidade daquela população. É um pouco da discussão que tivemos com telemedicina nos últimos anos. A telemedicina não vai substituir as consultas presenciais. Mas há especialistas nesses 5.000 municípios no Brasil? Não. E muitas vezes o paciente pode ser beneficiado ao ter um especialista ali na patologia que ele precisa e ter acesso a esse profissional. Para mim, quando a gente fala desse desses testes e dessas novas soluções descentralizadas de laboratório, é o mesmo raciocínio da telemedicina. Eu acho que ele vem complementar o nosso negócio e fortalecer o nosso setor gerando mais acesso à população.
Como está o avanço dessas soluções?
Lídia Abdalla – Nós temos uma preocupação muito grande e que eu acho que esse também deve ser o olhar da população. Enquanto setor de saúde, com as associações, Abramed, outras associações, sociedades de classe, sociedades científicas, temos uma preocupação muito grande sobre a legislação disso, sobre como estão sendo controlados todos esses produtos e os testes que estão sendo utilizados. Tem que ter registro na Anvisa, tem que ter passado por processos de validação sérios. Porque isso tem um impacto no final, se você vai tomar uma decisão diagnóstica baseada naquele resultado, você tem que ter essa segurança. Estamos passando nesse momento, inclusive, por uma revisão da RDC 302, que regula laboratórios clínicos, que está começando a olhar para testes point of care, testes em farmácias, para os autotestes.
De novo, tem que ser regulado e controlado para garantir que de fato, eu estou oferecendo acesso, mas com qualidade. Porque sem qualidade, ele vai trazer ainda mais gasto, ainda mais pressão para o sistema de saúde.
E esse debate está acontecendo? Todos os atores estão sendo ouvidos nesse contexto?
Lídia Abdalla – Sim, tanto que a última consulta pública da RDC 302 teve mais de 2.000 contribuições. Poucas consultas públicas de uma regulamentação tiveram tantas contribuições. E a participação ativa das sociedades da Abramed, nesse caso específico da RDC 302. Estamos sim sendo ouvidos, participando, contribuindo e também com um olhar não de impedir a inovação e o acesso, mas que seja feito com qualidade, olhando para a segurança do paciente, que é o principal. É a nossa grande preocupação.
Dentro de todo esse contexto, acho legal ouvir um pouco da sua trajetória. Você começou há duas décadas no grupo como trainee hoje é presidente. Como foi essa jornada?
Lídia Abdalla – Eu sou mineira, me mudei para Brasília em 1999. Me formei no final de 1998, então tenho 25 anos de atuação no setor de saúde. Sempre quis trabalhar com o laboratório, tanto que fiz uma especialização em análises clínicas. Mas quando cheguei em Brasília não conhecia ninguém e fui procurando. Cheguei a trabalhar em hospital, em drogaria e consegui uma vaga de trainee no Sabin em agosto de 1999. Atuei muitos anos na área técnica, fui coordenadora técnica, gerente técnica, tanto que fiz meu mestrado na área de ciências da saúde, endocrinologia na Universidade de Brasília. Mas sempre gostei também de liderar. Sempre gostei de aprender coisas novas. Isso foi determinante ao longo da minha carreira. Sou uma pessoa muito estudiosa e muito curiosa. Sempre me motivou a conhecer outras áreas. E aí fui trazendo conhecimentos administrativos, financeiros, de liderança que eu não tinha no meu curso de formação. O Sabin foi crescendo, eu fui crescendo junto e fui tendo as oportunidades. Eu acho que essa é grande essência do Sabin quando a gente fala do pilar de pessoas. Eu sou um dos exemplos. De fato, cheguei a presidente do grupo. Por quê? Porque o Sabin valoriza muito a formação de carreira, o autodesenvolvimento, sempre desafia as pessoas a se capacitarem. Tem muitas empresas que às vezes estimulam, motivam as pessoas, oferecem formas de educação continuada, mas que na hora de promover, de escolher os líderes, buscam no mercado. O Sabin acredita muito que as pessoas podem ser formadas dentro de casa. Nós temos vários, 99% dos cargos de liderança do Sabin hoje são de pessoas formadas dentro de casa. Toda a nossa diretoria executiva, gerentes corporativos, alta liderança, grande parte deles veio de carreira, estão lá há 20, 30 anos.
Em 2021 participei de uma mesa sobre liderança feminina na Hospitalar e você era uma das debatedoras. Sabemos que tem muita mulher trabalhando na saúde, mas não nos cargos de liderança, e parece que está acontecendo uma reviravolta. Qual sua visão sobre isso?
Lídia Abdalla – É uma tendência mesmo, até porque hoje tem uma cobrança grande da sociedade. Não só no Brasil, mas no mundo, olhando para essa questão de fato, da diversidade, da importância da igualdade. Acho que no setor de saúde a gente tem que avançar bastante ainda. A maior parte do quadro de profissionais trabalhando na saúde é de mulheres, mas na liderança, sobretudo alta liderança, isso não acompanha, não tem a mesma representatividade. Mas avançamos bastante.
Tem essa cobrança da sociedade, que eu acho importante, mas mais do que isso, as empresas entenderam a importância de você ter em posições de comando e de decisão pessoas com visões com experiências e olhares diferentes. Essa é a riqueza da diversidade.
Temos um caminho longo a percorrer, mas acho que estamos avançando, é dia a dia. E quanto mais líderes mulheres, maior a inspiração. O exemplo é mais forte do que qualquer coisa. Não estou falando só de presidente, de CEO. Mas ter mulheres presentes em vários níveis de liderança dentro das organizações é muito importante. Outro fator também é trazer os homens para essa conversa, que eu acho que também é superimportante, porque no final do dia são eles que ainda estão ali com a caneta na mão e com grande poder de decisão. Eles também precisam entender a sua importância dentro desse contexto e participar.
Você já sofreu algum tipo de preconceito?
Lídia Abdalla – Na realidade tem o que a gente chama de vieses inconscientes. Eles não percebem quando eles falam e atropelam o que a gente está falando. Muitas vezes eles falam e não dão abertura para a gente falar. Mas acho que isso depende muito da forma como eu ajo e da nossa autoestima. Acho muito importante as mulheres trabalharem isso. De você, de fato, ter autoestima de se encontrar com o presidente e chegar lá e ter 50 homens e 2 mulheres. Ainda é muito assim, está mudando, mas está mudando devagar quando a gente olha para número. Mas isso não me inibe. Eu não sou uma pessoa que se conforma, eu sigo falando sobre o assunto, inspirando. E acho que temos que ter uma preocupação também com a empatia. Não ser combativo porque pode se transformar em uma vigilância destrutiva. Muitas vezes os homens se fecham e também não vão mudar, não vão participar desse momento de transformação que é tão importante. Talvez a minha experiência não seja igual à experiência de outras mulheres, que têm ainda mais dificuldade. Às vezes elas vivem em ambientes, em corporações e empresas que de fato têm muito mais homens na liderança. E isso pode ter um grau de dificuldade diferente da minha experiência. Mas eu acho que a gente também tem que estar o tempo todo pensando em como fazer isso, em como transformar, mas com empatia e respeito. É o que nós queremos, a forma como nós queremos ser tratadas como lideranças mulheres, com respeito, com empatia, com cuidado, de igual para igual.
Com reconhecimento do valor trabalho.
Lídia Abdalla – Com o reconhecimento do valor do trabalho. Quando a gente fala de competência de habilidade, somos diferentes, mas a riqueza está nisso. Conviver com o diferente é mais difícil. Por quê? Isso está na natureza do ser humano. Quando vai promover alguém, isso acontece com todo mundo. Eu vou escolher para estar na minha equipe alguém que é parecido comigo. Isso é natural do ser humano. É melhor, é mais fácil ter gente que parece comigo, porque vai questionar menos, as coisas vão andar com mais velocidade, com mais facilidade, vai trazer menos conflito. Porém eu também estou perdendo, de outro lado, a riqueza de pensamentos, de vivências diferentes, experiências diferentes e isso faz diferença na competitividade da empresa, na competitividade dos negócios. É aquela história: não vai pelo caminho mais fácil, porque às vezes o caminho mais fácil não vai te levar naquele lugar, que é um lugar diferenciado e que é aonde nós queremos chegar com as nossas empresas, com as nossas organizações e com o nosso papel enquanto líder também. E escolher pessoas diferentes de nós é difícil, porque você vai trazer alguém que, às vezes, não pensa como você, vai te dar ideias diferentes, às vezes tirar da zona de conforto. Eu falo para os líderes que vai dar trabalho, mas se vai dar trabalho é bom. Se vai dar trabalho pra te tirar da zona de conforto, fazer repensar ou fazer essas coisas de forma diferente, isso é positivo. E quando a gente fala de diversidade e inclusão, para mim, isso é o principal. Se você não tem essa preocupação de sociedade mais justa, menos desigual, então olha pelo lado do negócio. Vai ser mais competitivo, vai ser mais lucrativo, com certeza.
Para onde que estão os olhares do Sabin no médio prazo?
Lídia Abdalla – Estamos nesse momento agora de lançar nossa marca corporativa Grupo Sabin, que reflete o momento que nós estamos, de todos esses diferentes negócios, novos negócios que vieram para o grupo, da gente conectar, integrar para gerar ainda mais valor para o paciente. E é de seguir crescendo, crescendo geograficamente, crescendo com esses novos negócios. Temos plano de levar a Amparo Saúde e a Rita Saúde para todas as regiões de atuação do Sabin. A gente entende que ainda há espaço para crescer geograficamente. Como eu disse, muitas dessas 8 últimas empresas que nós adquirimos nos últimos 4 anos são regiões novas, que tem oportunidade de crescer geograficamente, com crescimento orgânico e seguindo para não só para capitais, mas para regiões de interior. Então nosso foco, a nossa visão para o futuro, é de seguir crescendo com o nosso negócio geograficamente e expandindo esses novos negócios. Quando a gente olha para a medicina diagnóstica em si, temos muitos investimentos sendo feitos na área de genômica, genética e biologia molecular, com esses novos testes que estão surgindo e novas pesquisas. Essa também vai ser uma frente importante dos nossos investimentos para os próximos anos.
Abrir capital está no radar?
Lídia Abdalla – Olha, a gente não tem isso no radar.
Porque eu imagino que vocês devem ser abordados o tempo todo.
Lídia Abdalla – Somos abordados, sempre tem essas provocações. O nosso trabalho tem sido nos últimos anos de preparar a empresa para todos os cenários. A empresa hoje tem uma gestão profissionalizada, boas práticas de governança corporativa implementadas em toda a parte de controles. A empresa está preparada para qualquer movimento estratégico, seja abrir capital, seja trazer algum recurso externo com algum outro sócio ou mesmo algum outro tipo de movimento estratégico com alguma algum outro grupo. Mas quando a gente olha para o curto e médio prazo, primeiro, que não depende só da gente, acho que tem até uma questão de depender de mercado, da janela de oportunidade. Mas o nosso objetivo no curto e médio prazo é seguir crescendo da forma como a gente vem fazendo nos últimos anos.
Estamos chegando ao fim. Para onde que a gente tem que direcionar os nossos olhares no contexto da saúde agora em 2023?
Lídia Abdalla – Eu acho que olhar muito para essa questão de acesso. Acho que esse ano de 2023 é um ano importante com relação às reformas, que tem que ser feitas. Então, tem reforma tributária, que está no nosso radar, na nossa pauta urgente da saúde do país todo. Mas na saúde, especificamente pode ter um impacto negativo, impacto importante nos nossos serviços, então acho que essa é uma pauta importante. Tem essa questão no nosso caso de medicina diagnóstica, também dessa pauta de regulação, da nova RDC, de como isso vai direcionar muito das nossas estratégias o futuro, então acho que é isso.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.