Levantamento da Nature aponta pessimismo no cenário científico após pandemia
Levantamento da Nature aponta pessimismo no cenário científico após pandemia
Um novo levantamento da revista Nature analisou o cenário científico
Um novo levantamento da revista Nature analisou o cenário científico de 2021. Com a crise sanitária da Covid-19, questões como salário, satisfação e perspectiva para o futuro com relação à carreira voltam a soar sinais de alerta sobre os rumos dos cientistas em todo o mundo.
Tradicionalmente coletado a cada dois ou três anos, o relatório deste ano obteve respostas de 3.209 cientistas espalhados por todos os continentes. Um dos primeiros dados a chamar a atenção está relacionado ao otimismo com a perspectiva de carreira.
Enquanto em 2018 o levantamento apontava que 60% dos entrevistados estava otimista com o futuro da profissão, os dados deste ano indicam que menos da metade dos entrevistados ainda têm essa percepção. O motivo para o avanço do pessimismo está associado à falta de fundos, à intensa competição por empregos e às interrupções de pesquisa devido à pandemia, que direcionou toda a atenção dos laboratórios à Covid-19.
Há ainda a combinação de outras duas pesquisas, que reuniu 7 mil respostas de pesquisadores americanos e europeus, onde observa-se que 27% dos entrevistados afirmaram não ter iniciado nenhum novo projeto de pesquisa durante 2020 — um contraponto aos 9% vistos em anos anteriores.
Dificuldades durante a pandemia
Com base em seu próprio levantamento e outros estudos, a revista Nature afirma que ainda é cedo para afirmar qual será o impacto da produtividade perdida durante a pandemia, em relação ao futuro das carreiras dos cientistas.
Entretanto, é possível destacar problemas sofridos neste período, como:
- 57% dos entrevistados afirmaram sofrer perda de produtividade pela dificuldade de coletar dados;
- 55% afirmaram não conseguir conduzir experimentos em laboratório;
- 49% passaram por dificuldades em ter acesso a ambientes de trabalho, equipamentos ou outros materiais;
- 25% vêem o trabalho remoto como o maior desafio da pandemia;
- 15% vêem o networking como uma das maiores dificuldades durante a crise sanitária;
- 12% dos entrevistados disseram ter perdido uma oferta de trabalho devido à Covid-19.
Além disso, a disparidade salarial entre homens e mulheres persiste e é mais acentuada nos fases posteriores da carreira: apenas 36% das mulheres, relatam ter salários anuais acima de 110 mil dólares.
Outro ponto a ser considerado é que 34% das mulheres relataram ter sofrido com discriminação, sendo 50% devido ao gênero. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, os entrevistados não-brancos relataram mais casos de assédio ou discriminação do que os cientistas brancos, segundo a pesquisa.
O que dizem os cientistas brasileiros
Os países com mais cientistas otimistas quanto ao futuro da carreira foram a Índia (57%), os Estados Unidos (52%) e a China (50%). Entretanto, o cenário brasileiro destoa e levanta preocupação.
Isso porque o levantamento da Nature aponta que 72% dos 107 cientistas brasileiros entrevistados afirmaram ter suas carreiras afetadas pela pandemia e apenas 33% afirmaram estar otimistas com o futuro da profissão. Como exemplo deste cenário, a pesquisadora de ciências vegetais, Jucelaine Haas, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), afirmou para a revista que não há “tecnologia para fazer nada além da pesquisa básica”.
Após uma série de cortes ao longo da década, o investimento em ciência no Brasil retornou ao patamar de 2009. Naquela época, a verba aplicada no setor consistia em 19 bilhões de reais, conforme a inflação do período. Em 2020, o valor aplicado ao setor foi de 17,2 bilhões de reais, segundo levantamento publicado no Estadão.
Com as urgências da crise sanitária, ainda mais cortes foram feitos. Como exemplo da situação, a cientista da UTFPR relatou à revista situações onde tarefas que poderiam ser automatizadas precisavam ser realizadas manualmente por alunos de pós-graduação, o que por vezes implicaria em um risco à saúde desses estudantes.
A consequência do decréscimo de investimento pode ser vista também em eventos como o colapso da plataforma Lattes, em agosto de 2021. Responsável por abrigar informações de todos os cientistas brasileiros, a pane desse sistema pode acarretar em dificuldades a longo prazo, como tornar o mercado científico brasileiro menos competitivo.
A influência do setor onde se trabalha
No relatório da revista científica, o perfil dos entrevistados consistiu em dois terços de pesquisadores que trabalham em centros acadêmicos, 15% em indústrias, 9% para instituições governamentais e 5% em organizações sem fins lucrativos. Dentro deste tópico, observou-se também que os principais cargos foram professores e conferencistas (32%), pesquisadores de pós-doutorado (22%) e cientistas da equipe (19%).
E mesmo com os empecilhos, 58% dos cientistas ainda dizem gostar do que fazem. Mas entre os possíveis fatores para essa satisfação, pode estar a influência do setor onde trabalham, visto que aqueles que trabalham em indústrias (64%) apresentam mais probabilidades de se sentirem positivos com a carreira do que os acadêmicos (42%).
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.