Lei das pesquisas clínicas é sancionada com veto ao fornecimento de medicamentos por apenas 5 anos
Lei das pesquisas clínicas é sancionada com veto ao fornecimento de medicamentos por apenas 5 anos
Após longa tramitação no Congresso, pesquisas clínicas passam a ter marco regulatório e indústria vê potencial para atrair mercado.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou na terça-feira, 28, o projeto de lei que define regras para a pesquisa clínica no Brasil. Considerado um marco para o setor farmacêutico por unificar regras, trazer critérios específicos e segurança jurídica para as empresas, o texto foi aprovado após longa tramitação no Congresso Nacional, tendo iniciado em 2015 com uma proposta da ex-senadora Ana Amélia (PP-RS). A nova lei das pesquisas clínicas, que entra em vigor em 90 dias, foi aprovada com 2 vetos do presidente, mas nos bastidores executivos da indústria esperavam até mais vetos por parte do Executivo, já que houve forte resistência do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e outras entidades em torno do tema. Os vetos serão analisados e ainda podem ser derrubados pelo Congresso.
Dentre os principais vetos está a questão do prazo de 5 anos para fornecimento de medicamentos aos participantes de pesquisa após a disponibilidade comercial. Empresas do setor alegavam que o fornecimento obrigatório sem prazo definido, o que poderia significar ao longo de toda a vida do paciente, trazia imprevisibilidade econômica e afastava novas pesquisas do país, além de não ser prática ao redor do mundo. O trecho, porém, foi vetado e os medicamentos continuarão a ser distribuídos. “Para conferir efetividade ao preceito constitucional de atendimento integral das ações e serviços públicos de saúde, o medicamento experimental deve continuar a ser fornecido, aos participantes de pesquisa, independentemente de sua disponibilidade comercial pela iniciativa privada”, justificou o Governo Federal.
O outro veto está relacionado à comunicação ao Ministério Público quando pessoas indígenas participarem da pesquisa. “Em que pese a boa intenção do legislador, o dispositivo […] fere o princípio da isonomia e aponta para possível situação de tutela estatal em relação aos povos indígenas, condição já superada pela legislação”, afirmou o Governo Federal.
Posicionamentos sobre a lei das pesquisas clínicas
Em nota, a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) comemorou a aprovação da lei. O presidente-executivo da entidade, Renato Porto, afirma que “a sanção do PL evidencia o potencial da indústria de inovação no Brasil para avançar no ranking de países com participação em pesquisas clínicas, assumindo a 10ª posição no ranking mundial, podendo atrair, por fim, investimento anual direto de até R$ 5 bilhões ao Brasil”. Contudo, reiterou no comunicado que “é necessário reforçar a importância de estabelecer um prazo para o fornecimento de medicamentos pós-estudo clínico, assim como já acontece em grande parte do mundo”.
Antônio Britto, diretor-executivo da Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp), afirmou em seu perfil no Linkedin que “temos a oportunidade, finalmente, de sair de um vergonhoso vigésimo lugar na lista dos países que mais sediam pesquisa clínica e superar essa longa etapa em que desperdiçamos conhecimento, cientistas, oportunidades para pacientes e, em uma palavra, desenvolvimento para nossa medicina”.
Por outro lado, em seu perfil no Instagram, Luciana Dadalto, advogada, pesquisadora e bioeticista, referência no assunto no país, classificou a aprovação como “um dia triste para a bioética brasileira”. Segundo ela, a Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) havia enviado um documento ao Governo Federal solicitando diversos vetos ao projeto aprovado no Senado, mas não foram atendidos. “A lei aprovada atende aos interesses das indústrias de medicamentos e de insumos de saúde e faz um verdadeiro desmonte do sistema brasileiro de regulação de pesquisa em seres humanos”, afirmou ela em sua publicação.
Dentre as principais críticas de Dadalto ao texto sancionado está a substituição da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), como órgão articulador dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) e 2ª instância de aprovação, por uma “instância nacional de ética em pesquisa”, que deverá ser regulamentada pelo Executivo. Ao longo das discussões esse foi um dos principais temas levantados na proposta de regulamentação. Além disso, ela também questiona que a continuidade de fornecimentos de medicamentos deverá ser atestada pelo pesquisador, patrocinadores e pelo participante, “sem a presença do médico assistente ou de um terceiro imparcial”. E ainda critica a possibilidade de envio de materiais biológicos para fora do Brasil, perdendo o direito de regular sobre eles e poderia levar até mesmo ao patenteamento no exterior.
Principais definições da lei
- Institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos;
- Define regras para a proteção do participante da pesquisa;
- Define as responsabilidades do patrocinador e do pesquisador;
- Estabelece regras para a fabricação, uso, importação e exportação de bens ou produtos para fins de pesquisa clínica com seres humanos;
- Define regras sobre a continuidade do tratamento pós-ensaio clínico;
- Define regras sobre o armazenamento e utilização de dados ou material biológico humano;
- Estabelece regras em relação à publicidade, transparência e monitoramento da pesquisa.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.