Lei da Pesquisa Clínica entra em vigor em 28 de agosto e setor farmacêutico reforça otimismo com regulamentação
Lei da Pesquisa Clínica entra em vigor em 28 de agosto e setor farmacêutico reforça otimismo com regulamentação
Interfama promoveu evento na terça-feira para reforçar os motivos que fazem a indústria farmacêutica ver com otimismo a chegada da nova regulamentação
A recém-sancionada Lei 14.874, que definiu as novas regras para ensaios clínicos no país, entrará em vigor em 28 de agosto. Após idas e vindas e alguns pontos de embate – como a questão da aprovação e análise ética e a disponibilidade de fornecimento de medicamentos sem prazo determinado – a matéria foi celebrada pela indústria farmacêutica de pesquisa e inovação. Na terça-feira, 20, a Interfarma, associação que representa as empresas do setor, promoveu um evento para reforçar os motivos da avaliação positiva da nova lei da pesquisa clínica.
“A lei traz um sistema ético fortalecido e harmonizado mundialmente, uma garantia de um processo de análise adequado, protegendo o paciente e o sujeito de pesquisa. Critérios éticos foram absolutamente homogeneizados. O Brasil não tinha uma lei de pesquisa clínica, é a primeira regulamentação por lei, agora a gente passa a ter um marco legal. Isso é importante por que dá segurança global”, comentou Renato Porto, presidente-executivo da Interfarma.
O Brasil é um país de dimensões continentais, com uma população de 203 milhões de pessoas, diversidade climática e heterogêneo, além de ser reconhecido mundialmente pelo seu sistema de saúde robusto. Todas essas características são atrativas para fomentar pesquisa clínica, no entanto, não é como o país se posiciona nos rankings. Apesar de ser o 8º maior mercado farmacêutico do mundo, estar no top 10 com mais empresas instaladas e maior população economicamente ativa da América Latina, o Brasil está na 19ª posição em pesquisa clínica do mundo, atrás de países com PIB menor, como Egito e Turquia. De acordo com o ranking geral, o país que atraiu 1,6% dos estudos iniciados no mundo em 2023.
A nova lei traz expectativa de mudança nesse cenário, segundo representantes dos setores farmacêutico e de pesquisa que participaram de evento promovido pela Interfarma. As discussões se centraram na possibilidade de protagonismo do Brasil na área e na primeira regulamentação da pesquisa clínica.
As mudanças com a nova lei da pesquisa clínica
Durante o encontro, Porto citou o exemplo de empresas que fazem estudos pelo mundo inteiro e afirmou que, com a nova lei, há um novo cenário de segurança jurídica e regulatória, o que leva o Brasil a ser visto como possível polo para pesquisa clínica no cenário mundial – a estimativa é que há potencial de movimentar cerca de R$ 5 bilhões em atividade econômica por ano. Isso é o que mostra estudo da Interfarma com parceria da IQVIA e apoio da Aliança Pesquisa Clínica Brasil. O levantamento estima que o Brasil poderia ocupar a décima posição, com participação nos estudos de 4,8%. Ele também traria mais de 48 mil profissionais científicos envolvidos, assim como mais de 55 mil pacientes beneficiados e mais de R$ 2 bilhões de investimento direto por ano.
“Não é mera especulação onde nós conseguiríamos chegar. São estudos que estão sendo abertos e que teriam possibilidade de serem atraídos para o Brasil. Esses estudos estão sendo lançados todos os dias”, disse Porto. Ele ainda mencionou ainda a capacidade de pesquisa que existe no Brasil, dentro de universidades ou em hospitais, como os da Ebserh, por exemplo. “Todos esses são lugares com capacidade para desenvolvimento das pesquisas”.
Por outro lado, o presidente da Interfarma entende que é necessário trazer mais capilaridade para a pesquisa clínica e ser um ecossistema aberto. Outro ponto que a nova lei poderia atacar. “A lei incrementa a infraestrutura física e local para o atendimento ao cuidado. Se a gente não trabalhar para avançar nesse ecossistema, eu não vou ter cientista capaz de absorver novas tecnologias”, comentou.
Para Fernando Francisco, gerente-executivo da ABRACRO, o fomento do cenário de pesquisa clínica trará também um estímulo à atualização médico-cientifica, além de deixar legado nas instituições e nos profissionais. Isso ajuda, segundo ele, para a perpetuação de conhecimento de boas práticas na área, com profissionais mais atualizados com tecnologia de ponta e fomento de ações de acesso e incorporações nos sistemas de saúde.
Ele destacou ainda que a lei traz mais racionalidade ao processo de análise, com uma solução única e de acordo com regras internacionais de pesquisa: “A chegada da nova lei deixa o setor muito otimista porque o que tem por trás do ponto de vista ético, lembrando que não podemos fazer pesquisa clínica que não tem ética ou qualidade, estão as diretrizes universais de pesquisa clínica.”
A pesquisa clínica no Brasil de hoje
De acordo com João Lindolfo Borges, endocrinologista e vice-presidente da Associação Médica de Brasília, o país tem todas as qualificações para ficar bem no cenário mundial e é um “paraíso” para desenvolvimento de pesquisas. No entanto, o processo de aprovação para efetivar estudos clínicos geram demora e custo, o que afasta possíveis investidores.
Segundo o estudo da IQVIA, em 2017 o prazo médio de aprovação sanitária para estudos de maior complexidade era de 275 dias. Borges menciona que, por isso, estudos de longa duração costumam chegar ao Brasil, mas os de curta duração não se atraem em decorrência dos prazos. “Imagina um estudo de quatro a cinco meses, que as opções são Estados Unidos, França e Inglaterra. Até ser aprovado no Brasil, já terminou nesses países. É a questão da celeridade” comenta.
Segundo os participantes do encontro, os prazos são um fator de evolução na nova lei. A partir do art. 58., “a análise sanitária relacionada às petições primárias de ensaios clínicos com seres humanos, para fins de registro sanitário do produto sob investigação, não poderá superar o prazo de 90 dias úteis”.
A Lei 14.874/2024
A lei 14.874 de 28 de maio de 2024 dispõe sobre a pesquisa com seres humanos e institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos. Ela prevê as regras sobre a aprovação e execução de pesquisas clínicas e sobre as responsabilidades dos patrocinadores e pesquisadores, assim como os direitos dos participantes.
Além das mudanças nos prazos, os representantes presentes no encontro destacaram que a lei também olha para necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS). No art. 15., a nova lei diz que “a pesquisa de interesse estratégico para o Sistema Único de Saúde (SUS) e relevante para o atendimento à emergência pública de saúde terá prioridade na análise ética e contará com procedimentos especiais de análise, inclusive de prazos, nos termos de regulamento”.
O PL 7082 foi apresentado pela senadora Ana Amélia (PP/RS) em 2017 e, após anos em tramitação, foi aprovado em 23 de abril deste ano, sancionado em 28 de maio pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e entrará em vigor no dia 28 de agosto, exatamente após 90 dias de sua publicação oficial.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.