Judiciário e saúde suplementar se aproximam em busca de soluções para a judicialização nos planos de saúde

Judiciário e saúde suplementar se aproximam em busca de soluções para a judicialização nos planos de saúde

Ministros do STF e STJ participam de eventos ligados aos planos de saúde e se mostram sensíveis sobre a judicialização no setor.

By Published On: 27/11/2024
Ministros do STF e STJ participam de eventos da saúde suplementar e falam sobre a judicialização.

Ministro Luís Roberto Barroso, em apresentação no Congresso Abramge 2024 (Foto: Marco Ankosqui / Congresso Abramge)

O ano de 2024 tem sido marcado por grandes mudanças em relação à judicialização da saúde no Brasil. O Supremo Tribunal Federal (STF) se debruçou sobre a questão e buscou conciliação com diferentes agentes para encontrar caminhos para a redução no número de processos e diminuição do impacto financeiro provocado por demandas judiciais. Além das decisões em relação à saúde pública, estabelecendo critérios mais rígidos para o fornecimento de medicamentos não incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS) através da justiça, o Supremo tem se aproximado da saúde suplementar para contribuir com a redução da judicialização no setor.

A pauta ganha apoio de membros do Judiciário de renome num contexto de chegada de medicamentos de alto custos e ampliação de cobertura de tratamentos para transtorno do espectro autista (TEA) e o impacto nas operadoras. A intersecção entre Saúde e Judiciário pode ser observada na participação, por um lado, de ministros do STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Congresso da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Ambrange) e, por outro, dos diretores da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) no III Congresso Nacional do Fórum Nacional do Poder Judiciário (Fonajus), durante os dias 21 e 22 de novembro.

Essa articulação se dá em um contexto de aumento de casos de judicialização no país, o que preocupa ministros. “Em 2020, entravam 21 mil novas ações judiciais relacionadas à saúde por mês. Agora, em 2024, a média mensal de novas ações de saúde é superior a 60 mil ações. Portanto, em pouquíssimo tempo, nós tivemos um aumento de quase 300%. Não é possível aumentar a estrutura do Poder Judiciário progressivamente se a judicialização em todas múltiplas áreas continuar”, disse o ministro do STF Luís Roberto Barroso, durante o Congresso Abramge.

Levantamento da associação, utilizando dados da ANS, aponta que R$ 5,5 bilhões foram gastos pelas operadoras com processos judiciais em 2023. Houve um aumento de 37,6% em relação ao ano anterior, o que tem contribuído para que os magistrados busquem, junto ao setor, avançar na desjudicialização da saúde.

O CNJ tem sido considerado outro grande parceiro da saúde suplementar para embasar juízes na tomada de decisões técnicas, através dos Núcleos de Apoio ao Judiciário (NATJus) e do sistema e-NATJus, que concentra pareceres sobre tratamentos e medicamentos. A conselheira Daiane Lira tem figurado entre os eventos da saúde suplementar, em busca de criar pontes com o setor. 

No entanto, a falta de obrigatoriedade para que juízes utilizem a plataforma é considerada uma barreira para avançar no tema. Por isso, a presença de ministros do STF e do STJ, assim como posicionamentos e falas sobre a judicialização da saúde, têm sido vistas como importantes para impulsionar a redução de processos no país. 

“Nós temos no âmbito da saúde suplementar 335 mil ações ajuizadas, sendo que só neste ano foram 210 mil demandas. E, em São Paulo, diferentemente de outros estados da federação, a litigiosidade em relação à saúde suplementar é maior do que a litigiosidade em relação à saúde comum. Ou seja, há mais ações contra planos de saúde do que ações contra o SUS, de medicamentos e de determinados tratamentos”, observou o ministro Barroso.

Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge, junto aos ministros do STF Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, durante Congresso da entidade Foto: Marco Ankosqui / Congresso Abramge)

Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge, junto aos ministros do STF Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, durante Congresso da entidade Foto: Marco Ankosqui / Congresso Abramge)

Histórico e mudança de cenário da judicialização

A judicialização dos planos de saúde sempre foi um desafio para o setor. Entre processos considerados devidos e excessos, as operadoras gastaram R$17 bilhões nos últimos 5 anos, de acordo com levantamento da Abramge. O tema voltou ao centro do debate no pós-pandemia, com o setor enfrentando crises financeiras e prejuízos.

“Segundo um painel de estatísticas processuais do Conselho Nacional de Justiça, em setembro de 2024, havia mais de 800 mil processos de judicialização da saúde no Brasil, dos quais 483 mil iniciados este ano. Esses são números extremamente preocupantes, não apenas porque em termos absurdos são muito elevados, mas porque eles revelam uma tendência de crescimento”, afirmou o ministro Barroso.

A iniciativa do ministro Gilmar Mendes em criar uma comissão em setembro de 2023 para debater o tema no país resultou em avanços ao SUS, tentando trazer credibilidade à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do Sistema Único de Saúde (Conitec). Os planos de saúde podem, também, ser indiretamente impactados, já que as tecnologias incorporadas à saúde pública devem ser incorporadas por lei ao rol da ANS. “O STF vem discutindo também mudanças que devem ser eventualmente abrangentes tanto para o setor público quanto à saúde suplementar. São contribuições relevantes que, se implementadas, certamente podem contribuir para a racionalização da judicialização do país”, disse o ministro durante o Congresso da Abramge.

Gilmar Mendes é um dos nomes que defende a criação de uma agência única de incorporação de tecnologias em saúde como forma de reduzir a judicialização e as disparidades entre os setores.

O Judiciário tem firmado posição em um momento em que a saúde suplementar trava batalhas com o Congresso Nacional. Após o STJ ter definido que o rol de procedimentos era taxativo, mas com possibilidade de exceções em 2022, parlamentares aprovaram lei que obrigava cobertura para além do rol, conhecida como lei do rol exemplificativo. Ainda, ao longo de 2024, deputados federais pressionaram os planos por explicações frente a rescisões unilaterais de contratos.

“O Supremo tem diversas decisões em que demonstra preocupação justa com a sustentabilidade financeira e com o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos na área da saúde suplementar . O STF julgou praticamente todas as leis estaduais que interferiam nas relações contratuais envolvendo o usuário do plano de saúde e as empresas das vendas”, apontou Barroso, exemplificando o histórico de atuação da Corte junto ao setor.

Os próximos passos e expectativas

Durante o III Fonajus, ANS e CNJ assinaram um acordo para a elaboração de pareceres técnicos que embasam os juízes em processos relativos à saúde suplementar. É preciso, ainda, conscientizar os juízes para utilizarem o sistema e-Natjus para o embasamento técnico na tomada de decisão, já que o processo não é obrigatório. No caso da saúde suplementar, não há uma súmula vinculante, isto é, uma decisão de corte superior que obrigue a utilização dos pareceres. Esse papel de conscientização tem sido cumprido pelos ministros do STF e STJ, segundo especialistas ouvidos pelo Futuro da Saúde.

“Desde que entrei no Fonajus a discussão da saúde suplementar ainda é muito rara. Ela se dá muito sobre a ótica da questão do rol da ANS, mas não se conhece [que decisões levam à inserção ou não] de uma tecnologia no rol da ANS. A questão de preço de medicamento é, sim, relevante também em termos de saúde suplementar, porque a redução de acesso e o aumento de preços em planos impactam a saúde pública”, disse Daiane Lira, durante painel do Rio Health Forum, ocorrido entre 6 e 8 de novembro.

A advogada da União e ex-chefe de gabinete do ministro Dias Toffoli, do STF, tomou posse como conselheira do CNJ em fevereiro de 2024. Desde então, ela tem participado dos principais eventos do setor, inclusive, de painéis que discutem a judicialização da saúde. “Esse é o momento em que o Judiciário está aberto a observar essas questões. Quer ouvir, quer discutir evidência científica, quer conhecer mais a Conitec, quer ser canal de comunicação com a Conitec, Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e com a indústria farmacêutica. Precisa conhecer mais a realidade da saúde suplementar, isso ainda é um desafio grande”, afirmou Lira, no evento no Rio. 

De acordo com o ministro Barroso, a judicialização da saúde não só afeta a União e as operadoras, mas também aumenta os custos com processos judiciais no Brasil. A saída, segundo ele, é encontrar caminhos que evitem, quando possível, o caminho pela via judicial. “ É preciso ter em mente que o país não tem dinheiro. Já se gasta 1,2% do PIB com o Poder Judiciário, um número acima da média mundial. Precisamos ter mecanismos para coibir essa judicialização. Até porque o Judiciário é uma instância patológica na vida de um país, só intervém quando existe briga, litígio, conflito. E litigiosidade e conflituosidade não são as variáveis naturais de se viver”, observa.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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