Isabella Wanderley, presidente da Novo Nordisk Brasil: “Obesidade ainda não é vista com a atenção que precisa”
Isabella Wanderley, presidente da Novo Nordisk Brasil: “Obesidade ainda não é vista com a atenção que precisa”
No mais recente episódio do Futuro Talks, Isabella Wanderley falou sobre o cenário de doenças crônicas e a demanda por uma atuação multidisciplinar na prevenção
Para muitos, a obesidade já é considerada uma pandemia. Afinal, atinge mais de um bilhão de pessoas globalmente e é motivo de preocupação para as autoridades pela sua associação com diversas outras doenças, como diabetes, doenças cardiovasculares e câncer. Os recentes medicamentos de combate à obesidade estão nas manchetes do mundo todo nos últimos anos e surgiram para reduzir o gap entre tratamentos não invasivos e a bariátrica. Mas por ser uma condição multifatorial, é preciso ir além do tratamento e atuar na prevenção. Este foi um dos temas abordados por Isabella Wanderley, presidente da Novo Nordisk Brasil, no novo episódio de Futuro Talks.
A Novo Nordisk é a fabricante do Ozempic e Wegovy. A história deles já é bem conhecida. O primeiro foi desenvolvido para o manejo dos pacientes com diabetes, mas ao longo do tempo notou-se seu potencial para controle do peso. A farmacêutica, então, desenvolveu novas pesquisas específicas para a obesidade e introduziu o segundo medicamento no mercado. Mas fato é que ambos têm sido utilizados para esse fim, independentemente da indicação oficial de cada um. O boom foi tão grande que virou um verdadeiro blockbuster, algo que não se via há algum tempo no mercado. E a Novo Nordisk virou a empresa mais valiosa da Europa.
Ao mesmo tempo, o cenário trouxe desafios. O aumento da demanda trouxe a necessidade de administrar a produção para que pacientes não fiquem sem a solução – ela lembra que a empresa anunciou investimentos globais para ampliação da capacidade produtiva. E, em paralelo, a companhia dinamarquesa está desenvolvendo novas pesquisas para utilização do conceito em outras doenças, como as neurológicas, dentre elas o Alzheimer, e inflamações do corpo.
Ao longo da conversa, Isabella Wanderley falou ainda da importância da prevenção, da atuação conjunta com a gestão pública para atuar em áreas como alimentação da população e até mesmo infraestrutura das cidades. “É impossível um país como o Brasil, com 200 milhões de pessoas e a extensão territorial que temos, conseguir fazer algo sozinho”, afirma. Ela abordou ainda a unidade fabril de insulina em Montes Claros, MG, liderança feminina e outros planos da empresa.
Confira a entrevista a seguir:
No universo farmacêutico, um destaque de 2023 e 2024 foi o aumento significativo nas vendas da Novo Nordisk, que influenciou até o PIB da Dinamarca e elevou-a como a empresa mais valiosa da Europa. Esse sucesso é atribuído aos medicamentos Ozempic e Wegovy. Como isso tem se desenvolvido? Qual a repercussão no Brasil e isso era previsto?
Isabella Wanderley – A empresa construiu seu legado com foco no diabetes e, mais recentemente, expandiu para novas áreas terapêuticas, incluindo a obesidade. Observamos que o mercado e a crescente conscientização sobre a obesidade como doença têm incentivado as pessoas a buscar tratamentos de forma positiva. Ao mesmo tempo, essa discussão tem levado a debates importantes. Esse crescimento não foi planejado pela empresa, mas acreditamos que ele tem proporcionado muitas informações e oportunidades para os pacientes.
Faz muito tempo que não chegava um medicamento que chamasse tanto a atenção. Você acha que estamos vivendo uma nova era agora?
Isabella Wanderley – Estamos começando a viver uma nova era. Tem um dado que para mim é muito significativo. Nós tínhamos, mais ou menos, 195 milhões de pessoas com sobrepeso e obesidade no mundo em 1990. Hoje, nós chegamos a quase 900 milhões de adultos com sobrepeso e obesidade. É uma pandemia silenciosa. Ela já é reconhecida como doença há alguns anos, mas ainda não existe uma conscientização tão grande.
“Ela é tratada como um efeito de um estilo de vida, da personalidade, da vontade das pessoas, e não como uma doença efetiva que tenha que ter [um tratamento]. Sim, é uma doença complexa, tem que ter tratamento e mudança de estilo de vida, mas isso ainda é uma jornada que estamos começando.”
Sobre a jornada, você acredita que as pessoas ainda não percebem que a obesidade não tratada pode trazer outras repercussões?
Isabella Wanderley – Exatamente. A obesidade é uma doença difícil, porque é complexa. É uma doença metabólica, neuroquímica, que tem efeitos muito visíveis e efeitos invisíveis – e muitas pessoas ainda não têm muita consciência. Ela pode levar a consequências graves como diabetes, doenças cardiovasculares, alguns tipos de câncer e Alzheimer. Os efeitos da obesidade se acumulam ao longo da vida, e alguns estudos indicam que ela pode reduzir a expectativa de vida em cerca de 10 anos. Embora a estética seja um aspecto relevante, é crucial que o foco se volte para a saúde. Nosso desafio na Novo Nordisk é disseminar informações sobre saúde para conscientizar as pessoas.
O fato de esse boom chegar a uma sociedade que antes não tinha essas alternativas fez com que vocês enfrentassem, inicialmente, a falta de medicamentos no mercado brasileiro. Como está sendo organizado e como está atualmente?
Isabella Wanderley – A Novo tem realmente visto um crescimento de demanda muito grande. Nós tivemos um crescimento, por exemplo, nos Estados Unidos, em torno de 50% das vendas no ano passado. Mas tem tido problemas na nossa cadeia de abastecimento global. É algo que nós temos visto em vários setores, não só no setor de saúde, e a Novo também tem sofrido com isso. O que fizemos? Um investimento muito grande. Anunciamos mais de 15 bilhões de dólares de investimento em expansão fabril. Acabamos de anunciar a compra da Catalent nos Estados Unidos, que também vai ajudar a aumentar o nosso parque fabril. Do ponto de vista local, buscamos administrar realmente a gestão de disponibilidade do produto para que os nossos pacientes que estão em tratamento não fiquem sem uma solução. E fizemos isso com muita transparência. Nós temos uma responsabilidade de informar os nossos pacientes da disponibilidade dos produtos. As pessoas podem buscar no site da Novo Nordisk, lá tem todas as informações sobre disponibilidade de produto e podem ligar para o nosso SAC também, para tentar se informar um pouco mais em detalhe onde, em quais localizações eles podem adquirir os produtos.
Mesmo com essas iniciativas, às vezes demora um pouco para que o efeito seja percebido. Não acontece de um dia para o outro, certo?
Isabella Wanderley – Não. Não é de um dia para o outro e sabemos que vamos conviver com isso por alguns anos. Existe esse movimento da empresa de acelerar, por exemplo, a compra da Catalent. Quando aprovada, já teremos um parque fabril instalado, o que vai ajudar bastante. Embora leve algum tempo, precisamos encontrar esse equilíbrio. No entanto, acreditamos que podemos expandir. Estamos crescendo e conseguindo oferecer produtos e lançamentos para nossos pacientes aqui no Brasil.
Dentro desse contexto, há muita desinformação e até medicamentos falsificados. A Novo Nordisk consegue atuar nessa frente de alguma forma?
Isabella Wanderley – Temos atuado bem forte e visto o crescimento de alguns produtos falsificados e também de produtos que não são falsificados, mas, na verdade, são produtos não efetivos, produtos falsos, prometendo curas milagrosas. Este é um trabalho que realizamos em conjunto com a corporação global para proteger a saúde dos pacientes. É crucial que as pessoas entendam: evitem comprar produtos em sites desconhecidos com ofertas muito vantajosas. Os produtos da Novo Nordisk têm preço tabelado. Estamos presentes em quase 5 mil municípios no Brasil, em farmácias de renome e confiáveis, onde você pode ter certeza de que está adquirindo o produto correto. Se o paciente tiver alguma dúvida, pode entrar em contato pelo SAC, informando o código do produto e o número do registro, para ajudarmos a verificar a autenticidade do produto.
Também há preocupação com a comunicação, já que o tema se tornou um assunto nacional?
Isabella Wanderley – Temos uma preocupação muito grande em levar informação. Vivemos em uma sociedade repleta de fake news, onde notícias muitas vezes falsas são geradas para atrair leads e cliques. Como empresa de conhecimento científico, nosso trabalho é fornecer informações corretas, principalmente através dos nossos parceiros e médicos. São eles que precisam estar bem informados para oferecer o melhor tratamento aos pacientes. Além dos canais digitais, há uma necessidade de a empresa se posicionar para a população em geral e para nossos pacientes diretamente. Queremos que as pessoas compreendam que a saúde é um bem precioso que deve ser cuidado com carinho.
“Portanto, brincar com a nossa saúde, usando “gotas milagrosas” e promessas falsas, pode não apenas falhar em produzir o efeito desejado, mas também causar danos sérios à saúde.”
A empresa atua de forma ágil nesse aspecto. Temos um grupo dedicado ao monitoramento das redes sociais para agir rapidamente diante de desinformação ou falsas promessas.
As substâncias que vocês desenvolveram têm se mostrado efetivas não apenas para a perda de peso, mas também no tratamento de condições como diabetes, doenças cardiovasculares e até doenças neurológicas como o Alzheimer. Isso está sendo pesquisado? O que já se sabe?
Isabella Wanderley – Tem esse legado do diabetes, mas fomos entendendo que na verdade existe um grupo de doenças conectadas, que chamamos de doenças metabólicas. Estas estão muito ligadas à obesidade, mas estão todas interligadas entre si. Nesse contexto, temos hoje pesquisas em áreas como o Alzheimer, doenças cardiovasculares e inflamação do fígado, conhecida como MASH. Essas são consideradas novas áreas terapêuticas dentro da Novo e estão em fase de estudo. Fico muito feliz porque o Brasil, devido à importância do mercado, é considerado um hub de inovação. Assim, todas essas pesquisas clínicas também estão sendo realizadas com a população brasileira.
Sobre o conceito de blockbuster, os medicamentos Ozempic e Wegovy estão, de fato, causando uma revolução social. Vocês os consideram blockbusters? Além disso, ainda há espaço para mais blockbusters no mercado?
Isabella Wanderley – Acho que dá, sim, para chamar de blockbuster. São medicamentos que estão questionando uma série de outros elementos em outras áreas, como você falou. Na questão de alimentação, de estilo de vida, vemos até algumas coisas de empresas de aviação preocupadas com a perda de peso. Eu não sei o quanto isso é verdade ou não, mas o fato de ter um medicamento que provoca esse tipo de discussão na sociedade, esse é o grande conceito de blockbuster, mais do que o volume de vendas. É um medicamento que traz boas perguntas para entendermos se está, efetivamente, levando a nossa vida da maneira correta. Acredito que talvez existam, sim, espaços para outros blockbusters. Nós falamos da terapia neurológica, uma fronteira que ainda está sendo muito pesquisada.
“Estamos no início do entendimento dessas doenças e das terapias disponíveis, não apenas a Novo, mas toda a indústria farmacêutica está de olho nisso. Portanto, acho que novos avanços são possíveis no futuro.”
O medicamento é vendido no particular para quem consegue comprá-lo mediante a indicação médica e não está disponível no SUS, por exemplo. Há a intenção de torná-lo mais acessível para toda a população? Como trabalhar essa questão?
Isabella Wanderley – Temos no Novo alguns focos. Nós temos um foco muito grande na questão da inovação científica. No ano passado, foram em torno de 40 bilhões investidos em pesquisa e desenvolvimento. A Novo Nordisk está presente em pesquisa gênica, ou seja, pesquisas muito avançadas, buscando, quem sabe, o grande sonho da cura de doenças crônicas, que até um tempo atrás era algo impossível. E esse continua sendo o foco central da Novo Nordisk: trazer a inovação para o mercado, para a sociedade, para justamente gerar essas discussões e gerar essas possibilidades de crescimento. É óbvio também que pensamos na questão de acesso. À medida que a inovação já existe no mercado, pensamos como podemos dar mais acesso à população. Nós já temos alguns contratos públicos, um com o estado de Goiás, que trabalha com medicamentos para obesidade. Doenças como obesidade e diabetes trazem impacto na vida das pessoas, mas também geram impacto econômico e no próprio sistema de saúde. Quando você começa a trabalhar com prevenção, por exemplo, você tira um fator de peso para o sistema de saúde. Também temos trabalhado muito com isso. Tem um ponto que eu falei da prevenção e dos nossos tratamentos, nós temos vários programas buscando, através de uma parceria público-privada, conseguir trabalhar com a prevenção. Que as pessoas efetivamente não cheguem a ter a doença, porque sabemos que tem uma correlação de estilo de vida, de alimentação. Um exemplo é o programa em parceria com a Prefeitura de Campinas, que foca na obesidade infantil nas escolas. Nesse programa, trabalhamos não só com alimentação, mas também com educação para os pais. Este é um papel fundamental da nossa organização: não apenas tratar a doença, mas também, considerando seu grande impacto social, trabalhar ativamente na prevenção.
Sobre o futuro com a cura das doenças crônicas, podemos realmente pensar nisso?
Isabella Wanderley – Sou economista, mas cada vez que eu ouço os meus colegas biólogos, cientistas da Novo Nordisk, eu vejo um futuro muito promissor. Vemos pesquisas ainda em estágios iniciais que começam a sugerir a possibilidade de cura para doenças como diabetes e, quem sabe, no futuro, para a hemofilia. Vemos um futuro bonito que a ciência pode estar trazendo para nós.
O Brasil é um dos cinco principais mercados da Novo Nordisk no mundo. Além da obesidade, a Novo Nordisk tem uma atuação significativa no Brasil na produção de insulina, contando com uma fábrica local. Qual é o papel dessa fábrica no negócio da Novo Nordisk?
Isabella Wanderley – São cinco operações no mundo. Ficamos contentes de ter uma na América Latina e, principalmente, de ser aqui no Brasil. Montes Claros, que chamamos carinhosamente de MOC, produz hoje as insulinas que são entregues ao SUS e também têm um papel muito grande na demanda global de insulinas. Ela é responsável por 12% das insulinas consumidas no mundo, 25% das insulinas vendidas pela Novo. É uma fábrica muito relevante e temos muito orgulho do que está sendo feito lá, com muita tecnologia e investimento. É uma fábrica que vai além da produção de insulina. O time da fábrica se autointitula “a fábrica de vidas”. Eles desempenham um papel significativo não apenas na produção, mas também na comunidade de Montes Claros e em como interagem com ela. São pioneiros em estratégias de sustentabilidade, introduzindo tecnologias como reservatórios de captação de água da chuva. Eles compartilham essa tecnologia com a população e com negócios locais para que possam adotar práticas sustentáveis.
Vimos o investimento do governo atual em falar sobre a importância de desenvolver o Complexo Econômico-Industrial da Saúde no Brasil. Há espaço para a Novo Nordisk ampliar suas atividades aqui? Isso ecoa de alguma forma com o negócio de vocês?
Isabella Wanderley – Temos estudado bastante a ampliação da produção aqui, sabendo da necessidade no Brasil. Somos parceiros do SUS há alguns anos, não apenas na questão de insulina, mas também em relação à hemofilia. Temos todo o interesse em crescer e investir mais no Brasil. Temos sempre uma grande preocupação com a questão das patentes e a importância de um ambiente regulatório sólido no país. Como empresa inovadora, buscamos constantemente trazer novas moléculas e tecnologias para a população brasileira. Temos realizado muitas iniciativas em parceria público-privada e acreditamos muito no potencial do país. Por isso, mantemos uma fábrica aqui, que tem crescido continuamente desde sua instalação.
Você mencionou algumas parcerias público-privadas. Como você vê esse ambiente aqui? Qual é a oportunidade de fazer essas conexões locais e como isso ajuda a ampliar o acesso e melhorar a saúde da população local?
Isabella Wanderley – O problema da saúde é complexo e não pode ser tratado por um só agente dentro do sistema. Vejo as parcerias como algo extremamente positivo. Através da conversa e do conhecimento de cada uma das partes, podemos buscar soluções melhores. Essas soluções podem envolver prevenção, acesso a tratamento e discussão sobre o impacto dessas ações na economia do país e na saúde dos brasileiros. Acredito muito nessa parceria e no diálogo entre público e privado.
“É impossível para um país como o Brasil, com 200 milhões de pessoas e a extensão territorial que temos, fazer tudo sozinho.”
Você sente um ambiente mais favorável para essas conexões?
Isabella Wanderley – Temos crescido muito, não só do ponto de vista da parceria público-privada, mas também da própria sociedade. Temos um projeto em parceria com a SAS Brasil, por exemplo, que busca atuar em municípios muito pequenos, onde até a saúde pública tem dificuldade de chegar, para levar conscientização sobre o diabetes. Observamos a falta de conhecimento em pessoas que ainda têm a doença. A sociedade brasileira estima que quase 50% das pessoas com diabetes atualmente não sabem que têm a doença. Portanto, levar conhecimento e diagnóstico é crucial, pois sabemos que quanto mais cedo o diagnóstico ocorre, melhor é o tratamento e a qualidade de vida do paciente. Essas parcerias são essenciais. Apenas uma empresa ou o sistema público não conseguem alcançar tudo sozinhos.
Pensando no nosso cenário brasileiro, com dimensões continentais e lugares onde o sistema público de saúde não chega, quais são, para você, os grandes desafios? Como você vê o negócio da Novo Nordisk dentro desse cenário brasileiro?
Isabella Wanderley – Olha, nós temos o desafio de, obviamente, estar presente com os nossos medicamentos. Temos uma preocupação muito grande, por exemplo, na área privada, de ter uma boa cobertura no Brasil. Na parte de diagnóstico e de conhecimento, acho que talvez seja um dos maiores desafios. É por isso que essas parcerias são tão importantes.
“Um dado que, para mim, é muito doloroso saber é que no ano passado tivemos 85 amputações por dia no SUS devido a complicações do diabetes. Muitas dessas amputações poderiam ter sido evitadas com tratamento adequado.”
Sendo nós um país com um programa tão importante e do qual temos muito orgulho de ser parceiro, onde a insulina é gratuita, é preocupante que ainda tenhamos esse tipo de situação. O problema muitas vezes não é a falta de acesso ao produto, mas sim a falta de conhecimento sobre a doença e o tratamento. Por isso, levar esse conhecimento para a população é um grande desafio. A Novo Nordisk se une a esses parceiros para tentarmos acabar com essa situação, para que não tenhamos mais cirurgias de amputação no SUS devido ao diabetes.
Está no radar da Novo Nordisk começar a investir em prevenção, formas de prevenir doenças?
Isabella Wanderley – Parece loucura, porque as pessoas obviamente ligam a indústria farmacêutica à produção e venda de medicamentos e pesquisa de medicamentos. No entanto, hoje nós temos uma área dentro da Novo Nordisk focada em prevenção. Temos uma consciência muito grande de que, ao lidar com doenças pandêmicas, estamos falando de um volume da população global que é impossível tratar. O custo de tratamento para a sociedade é muito alto e desafiador, considerando tudo o que discutimos, levar o conhecimento, realizar diagnósticos e fornecer tratamento. A alegoria que usamos é que precisamos parar o fluxo da cachoeira quando ainda está no rio. Devemos diminuir o fluxo da água para conseguir tratar efetivamente os casos mais relevantes que necessitam de tratamento medicamentoso. Temos hoje uma área dentro da Novo Nordisk que pesquisa e estabelece parcerias, como com a Unicef e programas globais, para promover a prevenção e evitar que as pessoas alcancem o estágio de desenvolver a doença ou seus sintomas.
Sobre liderança feminina: no Brasil, no escritório da Novo Nordisk, a fábrica supera a meta global da Novo, que é ter 45% de mulheres e 45% de homens em cargos de liderança sênior até o final de 2025. Como você vê isso? E como isso se reflete no seu dia a dia?
Isabella Wanderley – Estamos avançando. Mas, sim, entendo que temos ainda muito a avançar como sociedade e como mundo corporativo. Para mim, o papel que uma empresa líder como a Novo Nordisk deve desempenhar é o de dar o exemplo. Escolhemos priorizar a equidade feminina dentro da organização, especialmente em cargos de liderança. Implementamos diversos programas de aceleração e desenvolvimento, e em alguns casos até ações afirmativas, o que, para uma empresa dinamarquesa, não é comum. No entanto, eles reconheceram a importância disso aqui no Brasil. Os números que alcançamos até agora me deixam muito satisfeita. Mas não podemos parar e continuamos trabalhando para dar espaço para as mulheres se sentirem aptas a crescer dentro da organização.
Dentro do seu dia a dia, você realiza essas mentorias? Conversa com outras mulheres? O que elas pensam sobre alcançar cargos de liderança, vendo você em um cargo como esse?
Isabella Wanderley – Eu converso bastante porque acredito que existe um mito sobre o líder. Esse mito não se aplica apenas às mulheres, mas também aos homens. Há uma ideia de perfeição, de ter todas as respostas. Eu valorizo muito a liderança vulnerável, onde o líder é alguém que fornece direção, oferece coaching, oferece suporte e faz perguntas à organização. Tento mostrar para as mulheres que elas podem ser tudo isso e ainda aspirar a ser líderes e crescer profissionalmente. Acredito que crescemos com muita pressão da sociedade para que a mulher seja 100% eficiente em todos os papéis que desempenha. No entanto, há momentos em que seremos boas profissionais e talvez não tão boas mães, e momentos em que seremos excelentes mães, mas talvez não consigamos dar conta de tudo no trabalho. Para mim, mostrar essa humanidade na liderança é algo importante.
É lidar com a falta do equilíbrio, da perfeição.
Isabella Wanderley – Fico muito triste quando escuto pessoas dizendo que conseguem fazer tudo. Talvez elas realmente consigam, e que bom que encontraram uma maneira de fazer isso. No entanto, isso não é um bom exemplo para a maioria das pessoas. Porque, no dia a dia, todos nós temos dias bons e dias ruins.
Quais são os próximos passos da Novo Nordisk aqui no Brasil? O que está no radar?
Isabella Wanderley – Continuamos com uma estratégia de crescimento dentro do Brasil. Temos alguns lançamentos importantes previstos para o segundo semestre deste ano que vão expandir o nosso mercado de obesidade. Além disso, estamos estudando novas áreas terapêuticas e conduzindo pesquisas clínicas aqui no Brasil. Com base nos primeiros resultados de algumas fases das pesquisas, estamos otimistas. A Novo Nordisk, que começou focando em diabetes, está expandindo sua atuação e, para o futuro, acredito que terá um foco mais cardiometabólico, explorando outras áreas terapêuticas.
Quais são as pautas que o Futuro da Saúde precisa prestar atenção daqui para frente?
Isabella Wanderley – Acredito que a pauta que você trouxe é bastante focada na prevenção. Somos um país que precisa dar atenção a isso. Como executivos da área de saúde, temos um compromisso enorme com o bem-estar da população. Reconhecemos a dificuldade de alcançar esse objetivo apenas por meio do tratamento. O acesso é importante, e temos trabalhado bastante para melhorá-lo. Você tem desempenhado um papel importante ao mostrar inovações na questão de acesso. No entanto, a prevenção é algo que merece nossa atenção e cuidado, e a indústria farmacêutica tem feito muito nesse sentido.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.
Excelente entrevista, Natalia, parabenizo a você como colega tanto da saúde quanto de profissão e ao exemplo para todas nós, mulheres, trazido pela Isabella Wanderley. Para além da narrativa farmacêutica com os números realmente alarmantes da obesidade no mundo, e da necessidade da parceria público-privada para atendimento à população, ela fala a muitas de nós quando aborda a cobrança pela perfeição. Ambas arrasaram!