Número de rodadas de investimentos em healthtechs se mantém, mas valores são menores ano a ano
Número de rodadas de investimentos em healthtechs se mantém, mas valores são menores ano a ano
Com 993 milhões de reais investidos no Brasil em 2023, healthtechs enfrentam desafios para conseguir novos aportes
Cada vez mais criteriosos e buscando negócios que já provaram seus conceitos, os investidores de venture capital têm aportado valores em rodadas de early stages e empresas que já se estabeleceram no mercado. Só em setembro, Mevo, Beep e Arvo captaram R$ 110 milhões, R$ 100 milhões e R$ 25 milhões, respectivamente. Um mês antes, em agosto, a corretora Pipo Saúde recebeu aporte de R$ 35 milhões de reais. É um cenário diferente após o boom da pandemia, quando os juros baixos estimularam os investidores a se arriscar mais em startups. A tendência é que esse panorama de volume de negócios estável, mas valor captado menor, se mantenha em 2024.
Dados do relatório Investments and M&A: Healthtechs, da Liga Ventures, apontam para uma queda de 13% nos valores de investimento em healthtechs em 2023 quando comparado ao ano anterior, saindo de 1,142 bilhão para 993 milhões de reais. A perspectiva é que 2024 siga a mesma tendência de queda. Até julho, 299 milhões foram investidos em rodadas de negócios. No entanto, o número de rodadas segue estável. Entre 2021 e 2023, o número de acordos fechados variou entre 33 e 35. Neste ano, 18 rodadas de investimentos foram fechadas até a publicação do relatório.
De acordo com analistas, o ritmo deve se manter o mesmo para 2025. Apesar de alguns segmentos como saúde preventiva, saúde feminina, terapias, tratamentos de transtorno do espectro autista (TEA) e interoperabilidade estarem no radar dos investidores, o foco está voltado para healthtechs que utilizam inteligência artificial em seus processos.
“Tem um mar de startups novas que estão nascendo com uma visão de ter IA no core dessa solução. Isso pode impulsionar ainda mais os investimentos em early stage, porque vão ter novas soluções surgindo, atraindo atenção ou ganhando mais maturidade nesses próximos anos“, avalia Daniel Grossi, Chief Ventures Officer da Liga Ventures.
Por outro lado, as healthtechs brasileiras têm encontrado dificuldades para captar esses recursos do mercado e buscam mais flexibilidade para dialogar e apresentar suas propostas de negócios. Existem relatos de empresas que estão desistindo de captar, atuando com um crescimento mais lento, mas sustentável.
“Para não quebrar ou parar operações, startups estão estendendo a captação da rodada anterior, pegando saldo de caixa, realizando demissões, revisando modelos de negócio ou provas de conceito”, afirma Cláudio Coelho, vice-presidente da Associação Brasileira de Startups de Saúde (ABSS), cofundador e CEO da Farmaco.
Cenário das startups em 2024
Em 2021, 3,488 bilhões de reais foram investidos em healthtech brasileiras. O período de juros baixos fez com que investidores fizessem aportes expressivos, buscando acelerar o crescimento de startups, acelerar a transformação digital e ter retornos maiores. Com o chamado “inverno das startups”, ocorrido no ano seguinte, houve uma redução drástica nos investimentos. A avaliação de quem acompanha o segmento é que o período de abundância não voltará.
“Não há muito dinheiro novo, mas ainda existe espaço para investidores apostarem de maneira seletiva em mercados ainda em crescimento. E essas empresas ainda apostam em modelos com um ganho de escala importante. Apostam em uma parcela dos recursos onde parece ser menos arriscado do que em outros momentos que apostaram em mais frentes”, explica Luis Fernando Joaquim, sócio-líder de Life Sciences & Health Care da Deloitte.
Esse cenário faz com que as healthtechs se adaptem ao novo quadro, que é diferente do período pré-pandemia. Apesar de mais recursos terem sido movimentados em 2019, o número foi impulsionado pela Gympass, que captou 300 milhões de dólares e se tornou uma unicórnio, como são chamadas as startups com valuation acima de 1 bilhão de dólares.
“Quando a gente olha pro mercado de venture capital hoje, com todos os desafios, ainda é bem melhor e maior do que 10 anos atrás, quando surgiram empresas relevantes, como Quinto Andar, Nubank e Loggi. Se a gente teve isso no passado, com uma disponibilidade muito menor de capital e com o ecossistema muito menos preparado, agora temos empreendedores mais preparados e conscientes”, explica Grossi, da Liga Ventures.
De acordo com a Associação Brasileira de Startups de Saúde (ABSS), as healthtechs no Brasil representam 9% de todas as startups. Apesar do impacto da falta de investimentos, o vice-presidente Cláudio Coelho afirma que entre os 400 associados da entidade, houve um único relato de fechamento. A tendência, segundo ele, é que haja mais fusões e aquisições entre as startups.
“Para captar investimento temos que estar muito melhor preparado para dizer como defendo o tamanho do mercado, como apresento, como planejo gastar esse dinheiro, na minha modelagem financeira, os testes e as validações que fiz no mercado. O CEO de startup tem que entender que o que aconteceu entre 2020 e 2022 nunca mais vai acontecer”, afirma Coelho.
Perfil de investidor e tendências
Dos 34 deals que ocorreram em 2023, 22 deles ocorreram nas rodadas iniciais, até série A de captação, mesmo que representassem a menor fatia dos investimentos. Isso mostra um interesse maior dos investidores em pequenos negócios que ainda estão iniciando seus trabalhos, o que de acordo com Daniel Grossi, da Liga Ventures, pode significar o surgimento de uma nova safra de startups.
“Obviamente demandam menos capital e o risco é menor. É mais fácil você tomar uma decisão de investir 2 milhões do que 200 milhões, mas a gente vê sim um crescimento em transações early stages”, observa ele, que reforça que o número de investimentos tem se mantido estável nos últimos três anos, apesar da redução do montante de recursos investidos.
Em 2023, o ticket médio de investimentos foi de 3,9 milhões de reais em rodadas pré-série A, R$ 19,4 milhões em rodadas série A e 160 milhões em rodadas a partir da série B. Os dois primeiros índices apresentaram queda em relação ao ano anterior, enquanto os investimentos de late-stage tiveram um aumento de R$17,3 milhões.
Empresas com mais tempo de mercado, que já provaram seus conceitos e ganharam espaço de mercado, agora buscam investimentos maiores para um crescimento mais acentuado. Mesmo com um número menor de negócios fechados neste segmento, ainda existe espaço para buscar ventures capital.
“Mevo e a Beep estão com uma maturidade importante. A Beep busca cada vez mais desenvolver negócios domiciliares e ampliar as suas operações. Está muito forte e, naturalmente, esse aporte acaba sendo para expansão e escalar o negócio. O aporte da Mevo vem para expansão também. A ideia deles é expandir o seu negócio com marketing direto, sabem que o B2B exige um investimento em relacionamentos com grandes instituições. Além disso, estão começando a se voltar para B2C, com foco no médico”, analisa Luis Fernando Joaquim, da Deloitte.
Entre investidores de dentro ou fora da saúde, Cláudio Coelho, vice-presidente da ABSS, avalia que ambos os perfis tem seus prós e contras. Para ele, investidores que não atuam no setor podem optar por aportar mais recursos, mas se frustrar quando ver que os resultados são mais lentos. Por outro lado, investidores de dentro do segmento entendem melhor o mercado e ajudam a abrir portas.
“A saúde é um bairrismo, só faz negócio com quem confia. A startup pode ter a melhor solução do mundo, mas se não tiver contatos dentro de um hospital, é muito difícil entrar. Ter um investidor da saúde já coloca a empresa na frente dos concorrentes”, argumenta Coelho.
IA e futuro do investimento em healthtechs
Saúde mental, saúde feminina, tratamento de TEA, terapias e interoperabilidade de dados foram alguns segmentos citados pelos entrevistados como tendências para o setor. Contudo, o boom da inteligência artificial também atingiu o mercado de investimentos, atraindo olhares de quem aporta recursos.
Sendo a saúde uma das áreas que mais pode se beneficiar com o uso de IA no cuidado clínico, diagnósticos, desenvolvimento de medicamentos e análise de dados, é esperado que haja uma efervescência por projetos revolucionários, que colaborem com o mercado e a população. Para quem não está atuando diretamente com IA, o cenário pode piorar nesse sentido de captação de investimentos.
“Felizmente para alguns e infelizmente para outros, esse hype está nos investidores. Além do investidor perguntar se a startup tem tração e uma série de critérios para discutir investimentos, questionam se não tem inteligência artificial. Existe muita coisa que não depende de IA”, observa Cláudio Coelho, da ABSS.
Entretanto, a perspectiva é que o número de negócios e o volume de recursos estejam estabilizados em 2025. Não há grandes expectativas para mais investimentos em healthtechs no país. O período da pandemia foi excepcional e o “novo normal” dos investimentos está posto, de acordo com os analistas.
“Há um cenário por um lado muito incerto, em função de mudanças tributárias e regulatórias. Por outro lado, o Brasil realmente ainda tem muitas oportunidades de ganho de eficiência. Ao mesmo tempo que pode estar desestimulado em função desse cenário econômico, é um mercado ainda com grande ineficiência, abuso de fraudes, desperdícios e baixo acesso”, avalia Luis Fernando Joaquim, da Deloitte.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.