“Interoperabilidade é a única solução para que dados em saúde tenham perspectiva nacional”, diz Ana Estela Haddad

“Interoperabilidade é a única solução para que dados em saúde tenham perspectiva nacional”, diz Ana Estela Haddad

Em entrevista ao Futuro da Saúde, Ana Estela Haddad falou sobre as prioridades da secretaria e os desafios da transformação digital no país

By Published On: 13/03/2024
“Interoperabilidade é a única solução para que dados em saúde tenham perspectiva nacional", diz Ana Estela Haddad

Foto: Edu Andrade/Ascom/MF

Desde que assumiu a Secretaria de Informação e Saúde Digital – criada no início de 2023 – Ana Estela Haddad reiterou que um dos focos da pasta seria a transformação digital na saúde pública no Brasil. Mais de um ano na gestão, inúmeras foram as novidades que visam reduzir os vazios assistenciais e fortalecer a área através do uso da tecnologia. Em entrevista exclusiva ao Futuro da Saúde, Ana Estela Haddad, secretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde, falou sobre o Programa SUS Digital – prioridade do governo -, a integração de dados e o avanço da interoperabilidade nos sistemas.

Para dar conta desses desafios, segundo a secretária, os esforços da pasta se concentrarão no fortalecimento da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) como a plataforma nacional de interoperabilidade. Uma das novidades compartilhadas por ela é a Federalização da RNDS para alcançar a integração efetiva dos sistemas de informação dos estados e municípios: “Essa é uma iniciativa que está em desenvolvimento e será priorizada esse ano, com o piloto previsto para ocorrer em sete estados brasileiros”, disse.

Ana Estela Haddad falou ainda que, através do Programa SUS Digital, a pasta visa estimular municípios, estados e macrorregiões no desenvolvimento de Planos de Ação de Transformação para a Saúde Digital: “Estamos trabalhando ativamente para esclarecer que a saúde digital complementa os serviços de saúde existentes, facilitando o acesso rápido a especialistas e iniciando tratamentos de forma imediata, algo que seria desafiador em áreas com escassez de recursos ou dificuldades de locomoção”, destacou. 

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

O Meu SUS Digital, antigo Conecte SUS, avançou durante a pandemia, com dados de vacinação. O quanto falta para ter realmente todas as informações de saúde do usuário? O que é preciso para isso?

Ana Estela Haddad – O Ministério da Saúde tem avançado significativamente na digitalização dos serviços de saúde e na ampliação das informações no Meu SUS Digital, avanço este possível pela interoperabilidade de dados como de vacinação, internação, medicamentos, exames, dentre outros, por meio da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS). Porém, alcançar uma cobertura completa das informações de saúde do cidadão requer expansão da cooperação com os sistemas de saúde locais, além da implementação de infraestrutura tecnológica nos estabelecimentos de saúde. Estamos trabalhando em várias frentes para melhorar a conectividade, a informatização e a integração de sistemas à RNDS, visando ampliar e qualificar os registros de saúde e, assim, permitir a expansão dos serviços de telessaúde. A colaboração com estados, municípios e o Distrito Federal é fundamental nesse processo e, com o impulso do programa SUS Digital, estamos otimistas em acelerar essa transformação, garantindo o acesso seguro e abrangente às informações de saúde de todos os cidadãos.

A Ebserh tem avançado bastante desde o início da gestão, com a expansão do prontuário único dos hospitais universitários públicos para outras unidades. Sabemos que o país tem dimensões continentais, mas é possível ampliar ainda mais?

Ana Estela Haddad – O Ministério da Saúde tem trabalhado intensivamente para fortalecer a transformação digital no sistema de saúde, estabelecendo parcerias estratégicas que incluem instituições de renome, como a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), vinculada ao Ministério da Educação. Essas colaborações têm sido fundamentais para impulsionar inovações e melhorias no SUS. Um marco foi o Acordo de Cooperação assinado em 2023, que envolve também o CONASS e o CONASEMS, facilitando a disponibilização do Aplicativo de Gestão para Hospitais Universitários (AGHU) a hospitais e serviços de saúde especializados. Essa iniciativa promete gerar uma economia significativa para o SUS, estimada em cerca de R$ 3 bilhões nos próximos anos. Além disso, o acordo incentiva a expansão do uso do AGHU, permitindo que hospitais e secretarias estaduais e municipais de saúde, assim como outras instituições especializadas que atendam aos critérios estabelecidos, possam se beneficiar dessa ferramenta, conforme divulgado na 1ª Conferência Intergovernamental de Tecnologia da Informação (CIT) de 2024. Este esforço conjunto entre diversas entidades reforça o compromisso com a melhoria contínua do SUS, demonstrando que, através da colaboração e da inovação, é possível avançar ainda mais na otimização da gestão da saúde no país, mesmo considerando suas dimensões continentais.

Quais são os planos da pasta para 2024? Há alguma frente que será prioritária?

Ana Estela Haddad – Em 2024, o Ministério da Saúde se empenhará em diversas frentes prioritárias, destacando-se, dentro da Secretaria de Informação e Saúde Digital (SEIDIGI/MS), o Programa SUS Digital como a iniciativa principal. Esse programa visa estimular municípios, estados e macrorregiões no desenvolvimento de Planos de Ação de Transformação para a Saúde Digital, iniciando com o mapeamento da rede de atenção à saúde para identificar necessidades e oportunidades de inovação digital. O SUS Digital está disponível para gestores estaduais e municipais por meio do InvestSUS, facilitando a adesão ao programa. Nosso foco está em melhorar o acesso e a qualidade dos serviços de saúde, especialmente em áreas vulneráveis e remotas, por meio de financiamento para projetos que adotem soluções digitais, além das iniciativas de transformação digital que estão em desenvolvimento na Secretaria. Além do SUS Digital, a SEIDIGI trabalha para expandir a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), aumentar a conectividade nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) através da iniciativa de Conectividade Significativa e ampliar os núcleos de Telessaúde, reforçando o compromisso com a saúde digital inclusiva e acessível para todos.

Como você vê o movimento de interoperabilidade, qual será o papel do governo em garantir o avanço desta pauta? 

Ana Estela Haddad – Visualizamos a interoperabilidade como um elemento crucial na evolução da saúde digital, facilitando o acesso a serviços públicos de qualidade e promovendo a eficiência operacional. Nossa abordagem se concentra em fortalecer esse movimento, tanto internamente quanto em colaboração com outras unidades do governo, priorizando a prestação de serviços digitais. Um exemplo recente é a colaboração com o INSS, na qual a interoperabilidade será empregada para automatizar e agilizar o processo de concessão de benefícios. Essa iniciativa, ainda em fase de implantação pelo Instituto Nacional, visa reduzir significativamente as longas filas de espera, que atualmente superam cerca de 300 dias para que o cidadão obtenha uma resposta sobre a aprovação de seu benefício. A iniciativa reduzirá esse prazo de dias para poucas horas, demonstrando nosso compromisso em usar a tecnologia para beneficiar diretamente os cidadãos, especialmente aqueles em situações de vulnerabilidade.

A interoperabilidade vem para superar uma questão histórica no Brasil, que é a fragmentação dos dados em saúde. Essa é uma questão que existe desde a criação do SUS e dos sistemas nacionais de informação. A interoperabilidade é a única solução para que os dados em saúde sejam vistos por uma perspectiva nacional, o que beneficia diretamente o cidadão, pensando na continuidade do cuidado e na possibilidade de o próprio cidadão visualizar os seus dados de saúde pelo Meu SUS Digital. 

Os esforços para o avanço da pauta se concentram no fortalecimento da RNDS como a plataforma nacional de interoperabilidade. E, para além da integração dos diversos sistemas à RNDS, também caminhamos para a devolução desses dados de forma qualificada em nível federal. Nessa perspectiva, um dos projetos alinhados ao programa SUS Digital é a Federalização da RNDS. A iniciativa tem como objetivo alcançar a integração efetiva dos sistemas de informação dos estados e municípios à RNDS e permitir que os entes federados possam ter acesso direto e eficiente aos dados da plataforma, promovendo uma gestão de saúde mais integrada e eficaz. Essa é uma iniciativa que está em desenvolvimento e será priorizada esse ano, com o piloto previsto para ocorrer em sete estados brasileiros.

Como transformar os dados em potenciais iniciativas para dar conta da diversidade dos territórios brasileiros?

Ana Estela Haddad – Transformar dados em ações efetivas exige uma análise precisa e orientada para compreender profundamente as necessidades de cada região do Brasil. A SEIDIGI, através do Departamento de Monitoramento e Avaliação (DEMAS), empenha-se em monitorar e analisar dados de saúde de maneira qualificada, permitindo a disseminação deles de forma estruturada e apoiando gestores, profissionais da saúde, pesquisadores e a população a acessar informações detalhadas e relevantes sobre o cenário de saúde do país. Tal atuação possibilita a elaboração de programas, projetos e políticas de saúde mais assertivos e personalizados, respeitando a diversidade e a vasta extensão geográfica do país. Ao reconhecer e atender às especificidades culturais, infraestruturais e de acesso aos serviços de saúde de cada localidade, promovemos uma saúde mais inclusiva e equitativa, assegurando que cada cidadão receba o cuidado adequado às suas necessidades particulares. Esta abordagem respeita a diversidade da nossa população e garante o direito ao acesso universal à saúde, evidenciando o compromisso do Ministério da Saúde com a eficácia e a sensibilidade às diversas realidades brasileiras.

A saúde digital é vista como uma potencial saída no debate sobre economia e sustentabilidade para o setor público e vocês têm feito essa expansão. Quais os entraves que têm encontrado no caminho e como têm enfrentado?

Ana Estela Haddad – Enfrentamos desafios significativos na expansão da saúde digital, principalmente no que se refere à disseminação de conhecimento acurado sobre Saúde Digital, Telessaúde, Teleatendimento e Telemedicina. Uma barreira comum é o equívoco de que a saúde digital visa substituir o atendimento presencial, quando, na verdade, o seu propósito é expandir e agilizar o acesso à saúde, sobretudo em regiões remotas e para populações vulneráveis. Estamos trabalhando ativamente para esclarecer que a saúde digital complementa os serviços de saúde existentes, facilitando o acesso rápido a especialistas e iniciando tratamentos de forma imediata, algo que seria desafiador em áreas com escassez de recursos ou dificuldades de locomoção. Essa abordagem não só previne o agravamento de condições de saúde, mas também promove uma maior inclusão no sistema de saúde. Assim, enfatizamos que a saúde digital é uma extensão do atendimento presencial, destinada a tornar a saúde mais acessível a todos, e não um substituto para os serviços já disponíveis.

São mais de 350 sistemas sob a gestão do Datasus. Quais os maiores desafios?

Ana Estela Haddad – Gerenciar mais de 360 sistemas ativos no Datasus, muitos dos quais são importantíssimos para a continuidade da assistência à saúde, apresenta desafios significativos para a SEIDIGI/MS. Garantir a operação ininterrupta desses sistemas é primordial, pois qualquer falha pode impactar diretamente os serviços de saúde. Além disso, enfrentamos a complexidade de atualizar sistemas legados que, apesar de sua tecnologia considerada ultrapassada, devem ser mantidos seguros e funcionais. A interoperabilidade entre essas plataformas, que utilizam diferentes estruturas e linguagens, é outro desafio crucial, permitindo que os dados sejam compartilhados eficientemente. Por fim, estamos empenhados em promover a evolução contínua desses sistemas, através da implementação de soluções digitais mais modernas e seguras, visando não apenas substituir tecnologias antigas, mas também atender às novas demandas do SUS, reforçando a segurança das informações e a capacidade de inovação na saúde pública.

Como a inteligência artificial pode ajudar nessa tarefa?

Ana Estela Haddad – A inteligência artificial (IA) tem potencial para melhorar significativamente o setor da saúde, trazendo inovações e facilitando serviços digitais no SUS. Estamos acompanhando de perto as novidades em IA para avaliar como podemos utilizá-la em benefício da população. Nosso objetivo é tornar os processos mais eficientes e criar serviços que aprimorem os cuidados com a saúde. Contudo, estamos especialmente atentos à segurança e à privacidade das informações dos cidadãos. A segurança dos dados é nossa maior prioridade e só implementaremos ferramentas de IA quando tivermos certeza de sua segurança e de que o uso esteja regulado. Nosso objetivo é empregar a IA de forma responsável, a fim de aprimorar os serviços do SUS sem comprometer a privacidade das informações dos pacientes. Portanto, ao considerarmos a aplicação de IA, garantiremos que todas as ações sejam conduzidas de maneira ética e segura, respeitando a privacidade e a proteção das pessoas.

Voltando ao ‘Meu SUS Digital’, a última atualização do aplicativo passou a exibir nome social. Como a pasta enxerga essa questão da inclusão e diversidade?

Ana Estela Haddad –  A iniciativa do Ministério da Saúde, alinhada às diretrizes de transformação digital do Governo Federal, visa não apenas avançar na digitalização dos serviços de saúde através do SUS, mas também garantir que esses avanços reflitam o compromisso com a inclusão e o respeito à diversidade de toda a população brasileira. Nesse contexto, surge a atualização significativa do aplicativo ‘Meu SUS Digital’, marcando um importante passo para a inclusão social ao incorporar a opção de nome social para os usuários. Esta evolução simboliza um reconhecimento da diversidade e das necessidades específicas de todos os brasileiros, refletindo o esforço em tornar o sistema de saúde mais acessível, equitativo e respeitoso. A repaginação do ‘Meu SUS Digital’ não se limita à mudança de nome. Representa uma ampliação de sua funcionalidade e propósito, estendendo seus serviços para além da emissão de certificados de vacinação, que beneficiava primordialmente usuários com intenções de viagens internacionais.

A nova versão amplia seu alcance para atender às necessidades cotidianas e essenciais do público majoritário do SUS, promovendo melhor qualidade de vida e respeito às necessidades individuais. Um destaque dessa expansão é a inclusão do programa Dignidade Menstrual, permitindo a retirada gratuita de absorventes em farmácias populares, e a implementação do uso de nome social, reforçando o compromisso com a equidade e a inclusão. A constante evolução do ‘Meu SUS Digital’ é uma prioridade, visando aprimorar e expandir suas funcionalidades para melhor servir aos cidadãos. Entre as inovações futuras, destaca-se a autodeclaração de nome social pelo próprio usuário, simplificando o processo de reconhecimento e respeito à identidade de cada um. Essas melhorias refletem a visão de um aplicativo que é verdadeiramente “meu”, no sentido mais pessoal e inclusivo, representando um SUS Digital que atende a quem realmente necessita, abraçando a diversidade e promovendo a dignidade de cada cidadão brasileiro.

Angélica Weise

Jornalista formada pela UNISC e com Mestrado em Tecnologias Educacionais em Rede pela UFSM. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou nos portais Lunetas, Drauzio Varella e Aupa.

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Jornalista formada pela UNISC e com Mestrado em Tecnologias Educacionais em Rede pela UFSM. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou nos portais Lunetas, Drauzio Varella e Aupa.

One Comment

  1. Martin Schulze 20/03/2024 at 14:30 - Reply

    A iniciativa é muito imoortante e merece ser amplamente divulgada. Não há, entretanto, qualquer referência à diálogo com o sistema de Justiça, visto que neste se refletem todas as inconsistências da política pública de saúde. Existem iniciativas neste sentido que não foram referidas na entrevista e que merecerão futura referência.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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