Farmacêuticas questionam ANS sobre novas regras para terapias avançadas, mas agência diz que tema não será rediscutido

Farmacêuticas questionam ANS sobre novas regras para terapias avançadas, mas agência diz que tema não será rediscutido

Entidades enviaram ofício cobrando suspensão das novas regras para terapias avançadas e processo de Avaliação de Impacto Regulatório.

By Published On: 10/11/2023

A decisão da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de aprovar novas regras para a incorporação de terapias avançadas ao rol dos planos de saúde segue repercutindo no setor. Entidades que representam a indústria farmacêutica enviaram um ofício endereçado ao diretor-presidente do órgão, Paulo Rebello, cobrando a suspensão imediata da nota técnica que trouxe a mudança e a abertura de processo regulatório para embasar uma proposta de revisão das resoluções normativas.

Assinado pelo Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) e pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), o texto afirma que a mudança cria barreiras para o acesso a tratamentos e que não houve participação social para a tomada de decisão e nem Análise de Impacto Regulatório (AIR), essencial para que agências reguladoras façam mudanças.

“A ANS está correndo demais, preocupada com aspectos econômicos, e esquecendo de construir os degraus abaixo para tomar decisões robustas, que de fato não sejam frágeis. Sei que o sistema está sendo pressionado em termos econômicos, mas não podemos colocar a economia na frente da saúde”, afirma Renato Porto, presidente executivo da Interfarma.

Em nota, a ANS afirma que sua decisão “se baseou em uma classificação especial dada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a elas, por meio da criação da categoria ‘produto de terapia avançada’, motivo pelo qual a Diretoria Colegiada da ANS decidiu, em setembro, que a incorporação dessas tecnologias ao rol de coberturas obrigatórias deveria ser precedida da análise técnica da reguladora. Assim sendo, não há propostas para rediscussão do assunto”.

O ofício das entidades foi enviado também a Antônio Barra Torres, Diretor-Presidente da Anvisa, já que o texto afirmar que há um conflito de funções na decisão. Isto porque as entidades apontam que a ANS busca categorizar as terapias avançadas diferente dos medicamentos em geral, sendo essa justificativa dada para criar um processo de incorporação alternativo, extrapolando as funções da agência. No documento, elas ainda defendem que os produtos inovadores se enquadram como medicamentos da mesma forma que radiofármacos e os hemoderivados.

“A gente tem que ter muito cuidado com as decisões de uma agência reguladora. Elas são muito fortes, fazem uma intervenção no mercado, que às vezes parece ser uma intervenção muito simples, muito fácil de ser tomada, mas que traz consequências muito grandes. Essa foi uma decisão por meio de uma nota técnica que entendemos que estava mudando o processo, inclusive de atenção farmacêutica ao paciente”, afirma Porto.

Ele acredita que é possível que a indústria farmacêutica dialogue com a ANS sobre o tema e o envio do ofício é um dos passos para efetivar essas conversas. Contudo, defende que é preciso que a agência revogue a norma técnica e abra um processo regulatório convencional. As entidades estudam a possibilidade de entrar na justiça para questionar as mudanças.

Discussão sobre terapias avançadas

A Diretoria Colegiada da ANS aprovou, em setembro deste ano, a criação de novas regras para a incorporação de terapias avançadas. Atualmente, 5 produtos são classificados assim pela Anvisa, sendo três de células CAR-T, para o tratamento de alguns tipos específicos de câncer, um para distrofia hereditária da retina e outro atrofia muscular espinhal (AME), sendo esse o popular Zolgensma, da Novartis, que já foi considerado o medicamento mais caro do mundo e é o único incorporado ao rol.

Isto porque ele foi contemplado pela lei 14.307 de 2022, que obriga que tecnologias avaliadas e recomendadas pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), fossem incluídas no rol da ANS. Com a alteração, essa inclusão automática não ocorrerá para terapias avançadas que forem incluídas ao SUS.

Interfarma e Sindusfarma argumentam, no texto enviado à ANS, que “os medicamentos de terapias avançadas avaliados e incorporados pelo SUS seguem os mesmos critérios de qualquer outro medicamento submetido a esse processo, não havendo categorias diferentes de análise entre medicamentos. Portanto, carece de sustentação legal a criação de uma regra diferente para medicamentos de terapias avançadas que venham a ser diretamente incorporados pela agência”.

Ex-diretor da Anvisa, Renato Porto questiona a ausência da Avaliação de Impacto Regulatório (AIR) por parte da ANS, já que é parte essencial do processo regulatório, assim como as discussões com a sociedade. Ainda, questiona o poder de alterar toda a regulamentação vigente através de uma nota técnica, que tem funções administrativas.

No ofício, as entidades apontam que a lei nº 13.848/2019, conhecida como Lei das Agências Reguladoras, preconiza que as propostas de alteração de atos normativos, que sejam de “interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestado” devem ser precedidas desta análise, trazendo informações e dados sobre os impactos. Da mesma forma, a realização de audiências e consultas públicas é indispensável.

Questionado se a Interfarma defende que todos os medicamentos passem pelo mesmo processo de avaliação de tecnologia em saúde, o executivo afirma que é exatamente a função da ANS responder essa pergunta, apresentando dados que corroborem a decisão. “Essas respostas que estamos buscando o processo regulatório deveria ter dado”, defende.

Altos custos

As terapias avançadas chamam a atenção do setor pelo seu alto custo, na casa dos milhões de reais. O Zolgensma, por exemplo, tem um valor de mercado em torno de R$ 6 milhões. Entidades ligadas aos planos de saúde afirmam que o impacto da inclusão de um tratamento deste tipo no rol pode provocar fechamento de operadoras.

Aproximadamente dois terços dos planos de saúde no país são de pequeno e médio porte, com média de 8 mil vidas. De acordo com a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), 62% das operadoras têm receita menor que esse valor, o que pode inviabilizar os serviços.

Por isso, existe uma tensão no mercado sobre o que será feito para que elas consigam custear as terapias avançadas. A ideia de criar um fundo único ou contratar um resseguro foi ventilada no decorrer do ano, mas não houve um avanço concreto para o tema. O mercado cobra soluções, inclusive, da ANS.

A Agência realizou, em agosto, o seminário Parâmetros de Avaliação Econômica no Processo de Atualização do Rol, que discutiu, dentre outros temas, a possibilidade de adotar limiares de custo-efetividade, com um valor teto para a incorporação de tecnologias ao rol. Contudo, o evento foi o pontapé para que a saúde suplementar discuta o tema. À época, a ANS afirmou em nota que “não há, neste momento, nenhuma tendência de decisão, o que só poderá ocorrer após amplos diálogos”.

Para Renato Porto, a adoção de limiares de custo-efetividade é uma ferramenta importante, mas não a única utilizada para avaliar procedimentos e tratamentos. Em relação às terapias avançadas, seria preciso definir os critérios necessários para a incorporação, com valores que não excluam tratamentos inovadores.

A Interfarma afirma que a indústria está aberta para negociação das terapias avançadas, com possíveis discussões sobre compartilhamento de risco e compra coletiva. Apesar de não haver mecanismos para que a ANS centralize as compras, o presidente executivo defende que é possível pensar em um modelo associativo, como foi feito pelas farmácias.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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