O impacto da Inteligência Artificial no diagnóstico de doenças raras
O impacto da Inteligência Artificial no diagnóstico de doenças raras
Em artigo para Futuro da Saúde, Karina Fontão, da AstraZeneca, e João Guerra, do Einstein, exploram o impacto da inteligência artificial nas doenças raras e trazem cases
A Inteligência Artificial (IA) vem tomando uma proporção tão grande em nossas vidas que, atualmente, é impossível passar um dia sequer sem ser impactado por ela, seja navegando pela internet, no dia a dia do trabalho, nas interações com diferentes instituições etc. Ainda em plena evolução, a tecnologia já transforma com bastante relevância as mais variadas áreas, mas poucas delas geram tanta expectativa como a da saúde.
Com a promessa de, entre outras possibilidades, contribuir para a melhoria e sustentabilidade dos sistemas de saúde, hoje já é possível encontrar aplicações de IA no auxílio de exames de sangue, no cruzamento de dados de bancos de pesquisas e até no rastreio precoce de doenças do campo oncológico. Em abril deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou uma IA para promoção de informações sobre saúde fundamentadas em evidências científicas e com normas éticas: a S.A.R.A.H¹.
Trazendo essa conversa para o âmbito das doenças raras, a tecnologia também pode ser de grande valor – principalmente para o apoio na identificação de doenças de difícil diagnóstico, aquelas com sintomas comuns a outras patologias e que se diferenciam por detalhes sutis e não tão visíveis em um primeiro olhar humano, como ocorre com as Microangiopatias Trombóticas (MATs). MATs são um grupo de distúrbios raros, graves e potencialmente fatais, que causam coágulos sanguíneos e danos às paredes de vasos capilares e pequenas artérias, podendo bloquear o fluxo do sangue para órgãos vitais, como cérebro, coração e rins. Esses coágulos podem causar lesões e obstrução, podendo gerar quadros de falência nas estruturas, além de apresentarem alto risco de complicações², ³.
A Síndrome Hemolítica Urêmica (SHUa) aparece como uma das principais manifestações ligadas às MATs. Considerada uma doença ultrarrara, a SHUa é caracterizada pela ocorrência aguda, de forma não esperada e evolução rápida, de três principais sintomas: a anemia hemolítica, ou seja, a ruptura das células vermelhas do sangue, responsáveis pelo carregamento de oxigênio para os tecidos do corpo; queda dos níveis de plaquetas; e disfunção de órgão-alvo, como insuficiência renal4.
Relação tecnologia X doenças raras
Por meio de plataformas de inteligência artificial, um algoritmo bem treinado, e a criação de um banco de dados de pacientes que apresentem sintomas suspeitos para MATs, será possível não só diagnosticar precocemente microangiopatias, mas também doenças correlacionadas a elas, como SHUa e outras, além de estabelecer um protocolo que ajude a ampliar o acesso ao tratamento de maneira ágil e eficaz, podendo ser replicado em emergências. Um exemplo disso é o modelo que está sendo desenvolvido pelo Hospital Israelita Albert Einstein. Em maio de 2024, a instituição anunciou a criação de um Centro de Excelência para o diagnóstico e tratamento de Microangiopatias Trombóticas (MAT), em parceria com a AstraZeneca. O projeto visa a contribuição e agilidade na avaliação de pacientes críticos.
Muitos pacientes de MAT e SHUa chegam na emergência já em estado grave, e com necessidade de hemodiálise. E isso ocorre pois, em sua jornada, passam semanas sem o diagnóstico adequado para o quadro, que, em geral, pode se manifestar principalmente por inchaço dos membros inferiores, fortes dores abdominais, pressão alta e alteração da função renal4,5. Com a criação do Centro, a expectativa é mudar essa realidade, fazendo com que esses pacientes tenham acesso a um diagnóstico precoce, com melhores chances de controle dos quadros.
Há ainda a expectativa de expansão do modelo do Centro de Excelência, levando seus achados também para o sistema público, para ampliar o alcance da tecnologia e melhorar o cenário de desfechos clínicos de doenças raras no país.
Hoje, o Brasil dispõe de mais de 12 Centros de Referência em Doenças Raras, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). E, para um primeiro momento, existe a expectativa de replicar o sistema do Centro para duas instituições geridas pelo Einstein, sendo uma em Goiânia e a outra na Bahia. O hospital atua na gestão de diversas unidades públicas espalhadas pelo país, por meio de contratos de gestão. Entre elas há AMAs, UBSs, UPAs e hospitais municipais.
Capacitar cada vez mais profissionais da saúde no diagnóstico de MATs e doenças correlacionadas, e estabelecer um protocolo de triagem e identificação, com apoio do uso de IA, também será fundamental para o direcionamento correto das doenças e o encaminhamento para especialidades como hematologia e nefrologia, que, em conjunto, tratam as condições.
Como profissionais da área, seguimos acompanhando com altas e positivas expectativas de que essa realidade seja ampliada para novos centros.
*Karina Fontão é diretora médica da AstraZeneca Brasil e João Guerra é médico hematologista e patologista clínico do Hospital Israelita Albert Einstein.
Referências
- World Health Organization. S.A.R.A.H, a Smart AI Resource Assistant for Health. https://www.who.int/campaigns/s-a-r-a-h. Acesso em agosto/2024.
- Arnold D, Patriquin C, Nazy I. Thrombotic microangiopathies: a general approach to diagnosis and management. Canadian Medical Association Journal. 2017. 189 (4):153-159
- Blasco M, Guillèn E, et. al. Thrombotic microangiopathies assessment: mind the complement. Clinical Kidney Journal. 2020. 14(4):1055-1066.
- Brambilla, M, Ardissino, G, Paglialonga, F, et al. Haemoglobinuria for the early identification of aHUS relapse: data from the ItalKId-HUS Network. J Nephrol. 2022. 35, 279–284.
- Jokiranta, TS. HUS and atypical HUS. Clinical Platelet Disorders. 2017. 129(21).
- Ministério da Saúde. Centro de Referência em Doenças Raras. https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/sgtes/educomunicacao-em-doencas-raras/centros-habilitados-para-tratamento-de-doencas-raras/informacoescentrosdereferencia.pdf. Acesso em agosto/2024.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.