O impacto da Inteligência Artificial no diagnóstico de doenças raras

O impacto da Inteligência Artificial no diagnóstico de doenças raras

Em artigo para Futuro da Saúde, Karina Fontão, da AstraZeneca, e João Guerra, do Einstein, exploram o impacto da inteligência artificial nas doenças raras e trazem cases

By Published On: 16/10/2024
Inteligência artificial e doenças raras

Foto: Adobe Stock Image

A Inteligência Artificial (IA) vem tomando uma proporção tão grande em nossas vidas que, atualmente, é impossível passar um dia sequer sem ser impactado por ela, seja navegando pela internet, no dia a dia do trabalho, nas interações com diferentes instituições etc. Ainda em plena evolução, a tecnologia já transforma com bastante relevância as mais variadas áreas, mas poucas delas geram tanta expectativa como a da saúde.

Com a promessa de, entre outras possibilidades, contribuir para a melhoria e sustentabilidade dos sistemas de saúde, hoje já é possível encontrar aplicações de IA no auxílio de exames de sangue, no cruzamento de dados de bancos de pesquisas e até no rastreio precoce de doenças do campo oncológico. Em abril deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou uma IA para promoção de informações sobre saúde fundamentadas em evidências científicas e com normas éticas: a S.A.R.A.H¹.

Trazendo essa conversa para o âmbito das doenças raras, a tecnologia também pode ser de grande valor – principalmente para o apoio na identificação de doenças de difícil diagnóstico, aquelas com sintomas comuns a outras patologias e que se diferenciam por detalhes sutis e não tão visíveis em um primeiro olhar humano, como ocorre com as Microangiopatias Trombóticas (MATs). MATs são um grupo de distúrbios raros, graves e potencialmente fatais, que causam coágulos sanguíneos e danos às paredes de vasos capilares e pequenas artérias, podendo bloquear o fluxo do sangue para órgãos vitais, como cérebro, coração e rins. Esses coágulos podem causar lesões e obstrução, podendo gerar quadros de falência nas estruturas, além de apresentarem alto risco de complicações², ³.

A Síndrome Hemolítica Urêmica (SHUa) aparece como uma das principais manifestações ligadas às MATs. Considerada uma doença ultrarrara, a SHUa é caracterizada pela ocorrência aguda, de forma não esperada e evolução rápida, de três principais sintomas: a anemia hemolítica, ou seja, a ruptura das células vermelhas do sangue, responsáveis pelo carregamento de oxigênio para os tecidos do corpo; queda dos níveis de plaquetas; e disfunção de órgão-alvo, como insuficiência renal4.

Relação tecnologia X doenças raras

Por meio de plataformas de inteligência artificial, um algoritmo bem treinado, e a criação de um banco de dados de pacientes que apresentem sintomas suspeitos para MATs, será possível não só diagnosticar precocemente microangiopatias, mas também doenças correlacionadas a elas, como SHUa e outras, além de estabelecer um protocolo que ajude a ampliar o acesso ao tratamento de maneira ágil e eficaz, podendo ser replicado em emergências. Um exemplo disso é o modelo que está sendo desenvolvido pelo Hospital Israelita Albert Einstein. Em maio de 2024, a instituição anunciou a criação de um Centro de Excelência para o diagnóstico e tratamento de Microangiopatias Trombóticas (MAT), em parceria com a AstraZeneca. O projeto visa a contribuição e agilidade na avaliação de pacientes críticos.

Muitos pacientes de MAT e SHUa chegam na emergência já em estado grave, e com necessidade de hemodiálise. E isso ocorre pois, em sua jornada, passam semanas sem o diagnóstico adequado para o quadro, que, em geral, pode se manifestar principalmente por inchaço dos membros inferiores, fortes dores abdominais, pressão alta e alteração da função renal4,5. Com a criação do Centro, a expectativa é mudar essa realidade, fazendo com que esses pacientes tenham acesso a um diagnóstico precoce, com melhores chances de controle dos quadros.

Há ainda a expectativa de expansão do modelo do Centro de Excelência, levando seus achados também para o sistema público, para ampliar o alcance da tecnologia e melhorar o cenário de desfechos clínicos de doenças raras no país.

Hoje, o Brasil dispõe de mais de 12 Centros de Referência em Doenças Raras, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). E, para um primeiro momento, existe a expectativa de replicar o sistema do Centro para duas instituições geridas pelo Einstein, sendo uma em Goiânia e a outra na Bahia. O hospital atua na gestão de diversas unidades públicas espalhadas pelo país, por meio de contratos de gestão. Entre elas há AMAs, UBSs, UPAs e hospitais municipais.

Capacitar cada vez mais profissionais da saúde no diagnóstico de MATs e doenças correlacionadas, e estabelecer um protocolo de triagem e identificação, com apoio do uso de IA, também será fundamental para o direcionamento correto das doenças e o encaminhamento para especialidades como hematologia e nefrologia, que, em conjunto, tratam as condições.

Como profissionais da área, seguimos acompanhando com altas e positivas expectativas de que essa realidade seja ampliada para novos centros.

*Karina Fontão é diretora médica da AstraZeneca Brasil e João Guerra é médico hematologista e patologista clínico do Hospital Israelita Albert Einstein. 

Referências

  1. World Health Organization. S.A.R.A.H, a Smart AI Resource Assistant for Health. https://www.who.int/campaigns/s-a-r-a-h. Acesso em agosto/2024.
  2. Arnold D, Patriquin C, Nazy I. Thrombotic microangiopathies: a general approach to diagnosis and management. Canadian Medical Association Journal. 2017. 189 (4):153-159
  3. Blasco M, Guillèn E, et. al. Thrombotic microangiopathies assessment: mind the complement. Clinical Kidney Journal. 2020. 14(4):1055-1066.
  4. Brambilla, M, Ardissino, G, Paglialonga, F, et al. Haemoglobinuria for the early identification of aHUS relapse: data from the ItalKId-HUS Network. J Nephrol. 2022. 35, 279–284.
  5. Jokiranta, TS. HUS and atypical HUS. Clinical Platelet Disorders. 2017. 129(21).
  6. Ministério da Saúde. Centro de Referência em Doenças Raras. https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/sgtes/educomunicacao-em-doencas-raras/centros-habilitados-para-tratamento-de-doencas-raras/informacoescentrosdereferencia.pdf. Acesso em agosto/2024.
Karina Fontão e João Guerra

João Carlos de Campos Guerra, MD, MBA, PhD é médico hematologista, onco-hematologista e patologista clínico. Professor assistente do programa de pós-graduação stricto sensu em Ciências da Saúde da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein. Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Atua como coordenador médico do Setor de Hematologia e Coagulação do Departamento de Patologia Clínica e é responsável pelo Setor de Hemostasia e Trombose do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE). Possui MBA em Gestão de Saúde e Governança Corporativa pelo Insper. É vice-presidente do Conselho de Administração do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (SindHosp). Karina Fontão é diretora médica executiva da AstraZeneca Brasil. Com mais de 20 anos de experiência no setor farmacêutico, Karina já atuou na gestão médica de produtos maduros no ambiente de Atenção Primária, de produtos avançados e complexos no campo da Oncologia, Reumatologia, Gastroenterologia e Cardiologia, além de medicamentos designados órfãos e tecnologias médicas. Karina é formada em medicina pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, com especialização em Pediatria e Pneumologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e MBA pela FIA Business School. Sua experiência inclui passagens por mercados nacionais e internacionais em empresas como Roche, Amgen, Abbvie, Edwards Lifesciences, entre outras.

João Carlos de Campos Guerra, MD, MBA, PhD é médico hematologista, onco-hematologista e patologista clínico. Professor assistente do programa de pós-graduação stricto sensu em Ciências da Saúde da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein. Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Atua como coordenador médico do Setor de Hematologia e Coagulação do Departamento de Patologia Clínica e é responsável pelo Setor de Hemostasia e Trombose do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE). Possui MBA em Gestão de Saúde e Governança Corporativa pelo Insper. É vice-presidente do Conselho de Administração do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (SindHosp). Karina Fontão é diretora médica executiva da AstraZeneca Brasil. Com mais de 20 anos de experiência no setor farmacêutico, Karina já atuou na gestão médica de produtos maduros no ambiente de Atenção Primária, de produtos avançados e complexos no campo da Oncologia, Reumatologia, Gastroenterologia e Cardiologia, além de medicamentos designados órfãos e tecnologias médicas. Karina é formada em medicina pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, com especialização em Pediatria e Pneumologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e MBA pela FIA Business School. Sua experiência inclui passagens por mercados nacionais e internacionais em empresas como Roche, Amgen, Abbvie, Edwards Lifesciences, entre outras.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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