INPI: celeridade no registro de patentes depende de mais recursos e pessoas
INPI: celeridade no registro de patentes depende de mais recursos e pessoas
A demora no processo de registro de patentes de medicamentos
A demora no processo de registro de patentes de medicamentos é um dos principais entraves para a pesquisa e desenvolvimento de novas moléculas, que podem se tornar tratamentos inovadores e modificar a saúde no Brasil. Isso porque o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), responsável pela avaliação de pedidos, não possui estrutura suficiente para suprir a demanda nacional.
Essa é a conclusão do próprio órgão e da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). São cerca de 312 examinadores para dar conta dos 27 mil pedidos anuais de registro de patentes, dos mais diferentes setores, além de um estoque de pedidos acumulados ao longo dos últimos anos.
No entanto, o tema ganhou um novo capítulo no início do ano, após indicações do vice-presidente Geraldo Alckmin, que também acumula o cargo de ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, de que pretende reduzir pela metade o prazo para o registro de patentes, que hoje gira em torno de 4 anos.
Apesar deste tempo médio, a indústria farmacêutica aponta que em alguns casos o prazo chega a 10 anos, o que acaba por impactar a exploração da molécula comercialmente, já que o tempo de validade de 20 anos é contado a partir do depósito para o registro, e não após a concessão, de acordo com a lei que rege o tema.
Porém, a discussão é considerada controversa, o que fez com que alguns laboratórios entrassem com uma ação no Superior Tribunal Federal (STF) para tentar ter uma compensação pela demora na concessão, como ocorre em outros países, como Chile, Estados Unidos e Japão. Contudo, a corte negou os pedidos, não estendendo os prazos para além do que está posto na lei.
Para sair desse quadro e tornar o processo mais célere, é preciso atuar em algumas principais frentes que tornem o órgão de avaliação mais estruturado e robusto. “O INPI precisa de um concurso liberado para a contratação de mais funcionários, recursos financeiros necessários para que possa trabalhar de maneira muito mais efetiva, e por fim, que ele tenha também uma independência financeira, porque ele é superavitário, arrecada muito mais do que gasta hoje”, defende o presidente da Interfarma, Eduardo Calderari.
Fortalecimento do INPI para registro de patentes
“O INPI precisa ter um orçamento que consiga garantir o funcionamento das suas atividades. Acreditamos que a efetivação da autonomia financeira do órgão poderia permitir o investimento contínuo em melhorias para o Instituto, o que vai refletir em uma melhor entrega dos nossos serviços”, explica Flávia Trigueiro, coordenadora-geral de Patentes I do Instituto.
Segundo ela, esse orçamento poderia ser destinado para a contratação de sistemas de automatização, que colaborariam com a celeridade da análise de pedidos de patentes. Apesar de ser um órgão que tem uma arrecadação maior que as despesas, recolhendo 450 milhões e gastando 336 milhões em 2022, de acordo com os dados do Portal da Transparência, o INPI não faz uso dessa verba, que é destinada a um fundo governamental e somente parte do valor retorna como orçamento previsto.
Em 2022, o Instituto passou por um corte de verbas de mais de 50% do seu orçamento, caindo de R$ 70 milhões para 33 milhões, o que fez com que 73 dos 179 funcionários terceirizados fossem demitidos. Após uma ação movida pela Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), a Justiça condenou a União a recompor o orçamento.
Além disso, Trigueiro aponta que o último concurso para a contratação de funcionários ocorreu em 2014, e que já há uma solicitação aberta junto ao Governo Federal pedindo novos editais para este ano. A coordenadora-geral explica ainda que é preciso que haja a criação de um plano de carreira atrativo para os servidores atuais: “Eles possuem alto nível de capacitação, com formação mínima de mestrado, e que em algumas áreas acabam tendo oportunidades mais atrativas no setor privado”.
Eduardo Calderari, presidente da Interfarma, corrobora as demandas do INPI, avaliando que a atividade do órgão é competente, séria e estruturada, mas que carece de recursos: “A capacidade máxima prevista é algo próximo a 800 funcionários, e hoje a gente tem 312 servidores trabalhando com análise de pedido de patente. Fica humanamente impossível com o número de funcionários que você tem e com os recursos disponíveis evitar esse atraso”.
Inovação
O investimento em pesquisa e desenvolvimento de terapias está diretamente ligado ao registro de patentes. É através dela que um pesquisador, laboratório ou indústria garante que a propriedade sobre aquele produto está resguardada e, caso uma molécula venha a se tornar eficaz no tratamento de doenças, ela será explorada comercialmente única e exclusivamente pelo detentor.
“Se o Brasil quer se tornar um país atrativo à inovação e fazer da inovação o seu dia a dia, estimule a invenção e o trabalho de desenvolvimento de projetos inovadores no mesmo nível de outros países, precisamos ter uma estrutura que avalie patentes de uma forma igual ou similar a esses países”, defende Calderari.
A validade de 20 anos da patente garante que o dono dela possa reaver os investimentos a longo prazo. Entretando, com uma possível demora no processo de registro o Brasil pode se tornar um local pouco atrativo para o desenvolvimento de novas tecnologias. Investidores e laboratórios favorecerão que esse trabalho seja feito em locais com mais celeridade e garantias jurídicas.
O mesmo vale para o desenvolvimento de pesquisa clínica com essas descobertas. É preciso agilidade no processo de aprovação de protocolos para a realização de estudos, assim como condições adequadas aos participantes e empresas. Há toda uma cadeia que, para funcionar, necessita de um trabalho ágil, mas que dê segurança para a indústria.
O presidente da Interfarma ainda aponta que “um ambiente estruturado faz com que as inovações cheguem mais rápido aqui e essas inovações chegando mais rápido vão garantir à população brasileira acesso a tecnologias que estavam disponíveis somente em outros mercados. Essas tecnologias também vão, em dado momento, fazer com que as indústrias locais possam desenvolver genéricos e medicamentos similares, que vai também expandir esse acesso”.
Genéricos
A validade do registro de patentes de 20 anos é fruto de um acordo junto a Organização Mundial do Comércio (OMC), onde todos os países signatários garantem a segurança de que o período será respeitado, dando a exclusividade ao detentor da patente. Contudo, após esse prazo é possível copiar os medicamentos, mantendo a mesma dose princípio-ativo e método de utilização, e colocando no mercado como medicamento genérico.
Por não ter o investimento de toda a pesquisa inicial para a produção da molécula, a ideia é que tenha menor custo, sendo mais acessível à população. Qualquer empresa que deseja explorar e produzir pode fazer, desde que matenha as mesmas características, não coloque nome comercial e mantenha a tarja amarela na embalagem. Por isso é possível ver diversas opções de genéricos de um mesmo princípio-ativo nas farmácias.
Contudo, só através do registro de patentes e das garantias para o criador da molécula é que podemos chegar aos genéricos. “A indústria de genéricos e biossimilares é a favor das patentes, pois elas são necessárias para estimular o investimento para o desenvolvimento de novos tipos de medicamentos para a população”, explica Thiago Meirelles, presidente-executivo da PróGenéricos – Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos e Biossimilares.
A entidade também reconhece a importância do INPI e afirma que enviou ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, através de sua equipe, uma carta com propostas em que solicita, dentre outros pontos, o fortalecimento do instituto, através do aumento do número de servidores e melhores condições de trabalho. Com isso, espera-se que o prazo para a concessão de patentes seja reduzido, favorecendo o mercado de inovação.
Ajuste no prazo de patente
No passado, a questão da celeridade do registro também influenciava a indústria dos genéricos. Até 2021, havia na lei de patentes um trecho que garantia um período mínimo de 10 anos para usufruto da patente caso a avaliação do INPI demorasse mais de 10 anos. Para o detentor da patente era uma maneira justa de conseguir retorno dos investimentos. No entanto, o STF julgou a medida inconstitucional, o que gerou incomodo na indústria farmacêutica.
“Era uma ferramenta fundamental para quem trabalha com inovação. Na verdade, isso seria uma compensação para esse atraso na concessão da patente. Se você for pegar por exemplo países como Estados Unidos, Chile, Coreia do Sul, China e Singapura, eles têm algo muito similar que é um modelo de proporcionalidade compensado por prazo final da patente (Patent Term Adjustment, no original)”, explica Eduardo Caldeirari, presidente da Interfarma.
É inclusive com base no antigo trecho da lei que as empresas solicitavam, através de ação judicial, a extensão da validade das patentes. Thiago Meirelles, da PróGenéricos, entende que em algumas situações o pedido é uma “tentativa abusiva de alguns laboratórios para driblar a decisão do STF”, apontando que em alguns casos as patentes chegavam a ter validade de 30 anos ou mais. “Somos contra esse tipo de pressão, que prejudica principalmente a população mais carente, que precisa dos medicamentos genéricos e biossimilares, por serem mais acessíveis”, afirma o presidente da entidade.
Backlog e avanços no INPI
Apesar de todo o cenário, o INPI tem trabalhado para acelerar, dentro das suas possibilidades, o pedido de registro de patentes e com a redução do estoque de análises acumuladas, o chamado backlog. De acordo com dados do Instituto, o tempo médio para a avaliação de pedidos caiu de 5 anos em 2021 para 3,92 anos em 2022.
Já o número de pedidos acumulados caiu de 149 mil, em agosto de 2019, para pouco mais de 11 mil em 2022, por ação de um Plano de Combate ao Backlog, desenvolvido pelo INPI. A coordenadora-geral de Patentes I, Flávia Trigueiro, explica que “a premissa do Plano foi somente uma otimização do processo por meio da redução no esforço do examinador. Veio a partir do aproveitamento das buscas de autoridades disponibilizadas por outros escritórios de patentes”.
A meta operacional do Instituto é chegar ao prazo máximo de 2 anos para a análise, em consonância com o que foi apontado pelo vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin. Esse período é factível para Trigueiro, desde que haja concurso para novos examinadores e atenção a outras demandas. Ela reforça ainda que em alguns casos excepcionais, como para câncer, doenças raras ou negligenciadas, a indústria farmacêutica pode solicitar análise prioritária, com um tempo médio de 8 meses para a avaliação.
Para a indústria farmacêutica, 2 anos é um período considerado bom para se trabalhar no país. Eduardo Calderari, da Interfarma, aponta que “o ideal seria você ter um pedido de patente avaliado o mais rapidamente possível, para que possa usufruir dos 20 anos que estão acordados internacionalmente. Mas entendemos que a complexidade das tecnologias dentro da área da saúde é diferente de outros segmentos, então demanda mais tempo para que se possa fazer toda uma pesquisa e atestar que efetivamente aquele produto é inovador e vai ser concedido patente.”
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.