Infectologia em 2024: o que aconteceu e o que esperar para 2025?

Infectologia em 2024: o que aconteceu e o que esperar para 2025?

Em seu novo artigo, a infectologista Rosana Richtmann traz um panorama das doenças infecciosas em 2024 e comenta, também, o que se pode esperar sobre esse assunto no próximo ano

By Published On: 18/12/2024
infectologia em 2024

Foto: Freepik

Em 2024, as doenças infecciosas continuaram a ser um tema central em saúde pública. Alguns dos principais fatos e tendências observados na infectologia em 2024:

1. COVID-19: e a história continua…

· Vacinação e novas variantes: Embora a pandemia de COVID-19 tenha diminuído, a vigilância continua com a monitoração de novas variantes do SARS-CoV-2. Em 2024, as vacinas continuam a ser atualizadas para combater variantes emergentes, direcionada para grupos específicos, mas infelizmente com baixa cobertura vacinal e procura da vacinação além da dificuldade de abastecimento da rede pública. Assim, 2024 não foi um bom ano de vacinação em termos de COVID 19.

· Long COVID: A síndrome pós-viral, conhecida como “Long COVID”, segue afetando uma parte significativa da população, com impactos prolongados na saúde mental e física. Ainda não sabemos direito qual o mecanismo fisiopatológico da “ long COVID”, mas temos cada vez mais dados preocupantes relacionados a suas consequências a curto, médio e longo prazo.

2. Infecções Respiratórias Virais

· Influenza e VSR: O controle da influenza e do Vírus Sincicial Respiratório (VSR) se manteve importante, com surtos sazonais ocorrendo em várias partes do mundo. Em alguns locais, houve um aumento de casos simultâneos dessas infecções com COVID-19 e com vírus influenza.

· Vacinas para VSR e anticorpo monoclonal: a boa novidade de 2024 foi o licenciamento de duas novas vacinas contra o VSR, uma com indicação para todos acima de 60 anos de idade e outra com indicação para as gestantes a partir de 24 semanas de gestação ate 36 sem, e também indicação para idosos maiores de 60 anos. Além das novas vacinas, temos também a disponibilidade de um novo anticorpo monoclonal (Nirsevimabe) de longa duração, em dose única para uso UNIVERSAL para todos os recém-nascidos. Países como Espanha e Chile já introduziram o Nirsevimabe na rotina UNIVERSAL com resultados surpreendentes de redução de hospitalização de lactentes por VSR! Temos que seguir estes exemplos por aqui!

· Aumento de infecções respiratórias: O ano de 2024 viu um aumento em infecções respiratórias devido a fatores como a retomada de viagens e aglomerações pós-pandemia.

3. Arboviroses

· Dengue, Zika e Chikungunya: Em 2024, surtos de dengue continuaram a ser uma preocupação em várias regiões tropicais, com a circulação de diferentes sorotipos do vírus aumentando o risco de complicações graves. O monitoramento dessas doenças foi intensificado, especialmente no Brasil e em outros países da América Latina. Por aqui, fomos os campeões mundiais em números de casos de dengue e também em número de mortes por dengue! A vacina chegou, em duas doses com três meses de intervalo, na rede pública para as crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, e na rede privada (que não esta fácil de achar…) dos 4 aos 60 anos, segundo licenciamento da Anvisa. Precisamos de mais vacinas, de outros fabricantes!

· Febre do Oropouche: A febre do oropouche é uma doença viral transmitida por mosquitos, causada pelo vírus Oropouche, e seu vetor principal é o mosquito Culex, mosquito pólvora ou Marium (muito menor que o A.aegypti, 20 vezes menor, para ser mais precisa!) A febre do oropouche é caracterizada por febre, dor de cabeça, dores musculares, dor nas articulações, mal-estar, calafrios, e, em alguns casos, erupções cutâneas, ou seja muito semelhante a dengue e outras arboviroses. O vírus é transmitido principalmente por mosquitos Culex, que se infectam ao picar animais como aves ou roedores infectados. A doença não é transmitida de pessoa para pessoa. Vivendo por aqui desde 1950, a princípio na Amazônia, hoje estamos assistindo a disseminação do vírus da febre do oropouche para outras regiões, especialmente no estado do Espírito Santo, e fechando o ano de 2024 com quase 10 mil casos da doença…

· Malária: Embora tenha havido progressos no controle da malária, surtos pontuais continuam a ocorrer em áreas endêmicas, principalmente na África e no sudeste asiático.

4. Antibióticos e Resistência Antimicrobiana

· Aumento da resistência a antibióticos: Em 2024, o combate à resistência antimicrobiana (RAM) continuou sendo uma das grandes preocupações. O uso indiscriminado de antibióticos em animais e humanos é um dos fatores que contribuem para o aumento da resistência.

· Iniciativas globais: Organizações como a OMS intensificaram as campanhas para reduzir o uso inadequado de antibióticos e promover alternativas terapêuticas. Segundo estudo publicado na revista “The Lancet” em 2024, até 2050, o número de mortes anuais atribuídas diretamente à resistência a antibióticos chegará a 1,91 milhão, e o de mortes associadas a ela, a 8,22 milhões, se não forem adotadas medidas para reverter essa tendência, afirmou a equipe internacional responsável pela pesquisa.

5. Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs)

· AIDS e Hepatites: A luta contra as infecções sexualmente transmissíveis continua em 2024, com foco em aumentar a conscientização sobre a prevenção do HIV e o uso de tratamento antirretroviral (TAR). Além disso, hepatites virais como a Hepatite C continuam a ser uma preocupação de saúde pública, com avanços nos tratamentos, mas ainda com dificuldades no alcance da cobertura universal.

6. Zoonoses

· Mpox (varíola dos macacos): A Mpox, que teve uma disseminação significativa nos anos anteriores, segue sendo monitorada, com campanhas de vacinação em alguns países, embora os casos tenham diminuído substancialmente em 2024.

7. Avanços no Diagnóstico e Tratamento

· Tecnologias de diagnóstico rápido: A utilização de testes rápidos, como PCR e anticorpos, ganhou popularidade. Inovações, como testes de diagnóstico mais baratos e rápidos para doenças tropicais e respiratórias, foram mais acessíveis em 2024. Excelente esperança de que por aqui tenhamos cada vez mais o acesso a testes diagnósticos mais específicos, sensíveis e rápidos!

· Terapias antivirais e vacinas: O desenvolvimento de novas terapias antivirais e vacinas, incluindo as para doenças como a malária, dengue e HIV, também foi um ponto de destaque. O avanço em vacinas de mRNA para várias infecções virais foi uma área importante de pesquisa. Estamos vivenciando um momento único na vacinologia, com a real perspectiva de novas vacinas, com tecnologias que permitem mais produção e equidade na distribuição.

· PreP (Profilaxia pre-exposição): Desde que o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) foi descoberto, em 1983, pesquisas buscam por uma vacina capaz de gerar imunidade contra esse patógeno. Por enquanto, isso ainda não foi alcançado, mas os métodos de profilaxia têm atingido resultados surpreendentes: um deles, recém testado em estudos clínicos, se mostrou 100% capaz de prevenir a infecção com apenas duas doses por ano. Chamado de lenacapavir, o medicamento antirretroviral já é aprovado em outros países com excelente eficácia no uso da PreP. Hoje, esse tipo de prevenção já ocorre em boa parte do mundo, inclusive no Brasil, baseado na administração de um comprimido por dia, composto por uma combinação de tenofovir e entricitabina. Este esquema funciona muito bem, porém pode haver falha pelo fato de ser de uso diário e ter menor adesão. Com novos medicamentos com apenas duas injeções ao ano, o cenário poderá mudar de forma significativa!

O que esperar para 2025?

Minha maior preocupação para 2025 continua sendo a possibilidade de uma nova epidemia de H5N1, vírus da gripe aviária, que em 2024 já observamos um expressivo aumento do número de casos em humanos (fora do Brasil) e também em mamíferos. A boa notícia é que é possível a fabricação de vacina para este vírus em curto espaço de tempo, se assim for necessário!

Espero para 2025 mantermos nossas coberturas vacinais mais elevadas e a volta da confiança na vacinação cada vez mais palpável!

Assim, desejo um excelente 2025 para todos, e que os aprendizados e tropeços de 2024 nos sirvam para enxergarmos 2025 com mais maturidade infecciosa!

Rosana Richtmann

Infectologista do Instituto Emílio Ribas, Chefe do Departamento de Infectologia do Grupo Santa Joana e Membro dos Comitês de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia, de Calendários da Sociedade Brasileira de Imunização e do Comitê Permanente em Assessoramento de Imunização da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. É graduada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos e possui Doutorado em Medicina pela Universidade de Freiburg, na Alemanha

About the Author: Rosana Richtmann

Infectologista do Instituto Emílio Ribas, Chefe do Departamento de Infectologia do Grupo Santa Joana e Membro dos Comitês de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia, de Calendários da Sociedade Brasileira de Imunização e do Comitê Permanente em Assessoramento de Imunização da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. É graduada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos e possui Doutorado em Medicina pela Universidade de Freiburg, na Alemanha

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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  • Rebeca Kroll
    Rebeca Kroll

    Jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Maria. Foi trainee do programa "Jornalismo na Prática" do Correio Braziliense, voltado para a cobertura de saúde. Premiada na categoria de reportagem em texto na 2ª edição do Prêmio de Comunicação de Saúde na Primeira Infância da Fundação José Luiz Egydio Setúbal.

  • Vivian Lee

    Vivian Kiran Lee é diretora executiva de medical affairs da Takeda. Assumiu a posição no início de maio de 2022 e faz parte do Brazil Leadership Team da Takeda. Sua última experiência foi em Bogotá, na Colômbia, onde atuou como Diretora Médica dos países Andinos e Centro América, para São Paulo. Vivian traz sólida expertise na prática clínica, em assuntos médicos, Marketing, Pesquisa e Desenvolvimento, Programa de Suporte ao Paciente, Informações Médicas e Code Compliance. Com mais de 25 anos de experiência na indústria farmacêutica, ela passou por empresas como MSD, Novartis, Schering-Plough e Bayer com atuação em diversas áreas terapêuticas como Cardiologia, Pneumologia, Oncologia, Reumatologia, Hematologia, Vacinas, Oftalmologia, Saúde Feminina e Diabetes. Antes de ingressar no mercado farmacêutico, Vivian atuou por sete anos como pediatra e pneumologista pediátrica no Instituto da Criança da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). A executiva é formada em Medicina pela Universidade Federal do Espírito Santo, mestre em Pediatria e Pneumologia Pediátrica pela FMUSP, especialista em Acupuntura Médica pela CEIMEC- Associação Médica Brasileira. Vivian iniciou sua carreira na indústria em Serviços Médicos e posteriormente como Gerente de Produto.

  • Rosana Richtmann

    Infectologista do Instituto Emílio Ribas, Chefe do Departamento de Infectologia do Grupo Santa Joana e Membro dos Comitês de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia, de Calendários da Sociedade Brasileira de Imunização e do Comitê Permanente em Assessoramento de Imunização da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. É graduada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos e possui Doutorado em Medicina pela Universidade de Freiburg, na Alemanha

Rosana Richtmann

Infectologista do Instituto Emílio Ribas, Chefe do Departamento de Infectologia do Grupo Santa Joana e Membro dos Comitês de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia, de Calendários da Sociedade Brasileira de Imunização e do Comitê Permanente em Assessoramento de Imunização da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. É graduada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos e possui Doutorado em Medicina pela Universidade de Freiburg, na Alemanha