Como a venda da Amil pode impactar a saúde suplementar

Como a venda da Amil pode impactar a saúde suplementar

UnitedHeath Group quer vender negócios no Brasil sem desmembrar plano de saúde e hospitais. Amil é avaliada entre 10 e 15 bilhões de reais.

By Published On: 13/09/2023

No início de setembro, a UnitedHealth Group (UHG), empresa americana de saúde, retomou as negociações para a venda da Amil, operadora de planos de saúde semi-verticalizada. Após uma tentativa frustrada de vender apenas a carteira de beneficiários de planos individuais e familiares, com 340 mil vidas, a empresa agora muda a estratégia e pretende vender toda a sua estrutura no Brasil, que conta com 31 hospitais e 28 centros médicos.

Avaliada pelo Bank of America em um valor que varia entre 10 e 15 bilhões de reais, a Amil possui ao todo 2,6 milhões de beneficiários em planos médicos assistenciais, a grande maioria em São Paulo e Rio de Janeiro. É uma das 5 maiores operadoras do país, contando ainda com 2,2 milhões de vidas em planos exclusivamente odontológicos. 

De acordo com especialistas ouvidos pelo Futuro da Saúde, desde que a empresa foi comprada em 2012, por R$ 9,92 bilhões, não atingiu as expectativas da UnitedHealth. Ainda, houve uma dificuldade em adaptar a cultura da operadora e uma grande rotação de executivos, principalmente após o falecimento do fundador da Amil, Edson Bueno, em 2017.

Com a nova tentativa de venda, a possível negociação acende um alerta no setor. De um lado, as grandes operadoras tradicionais precisam observar e encontrar caminhos para melhorar as contas em meio a um cenário de crise na saúde suplementar. No ano passado, a Amil fechou o ano com um prejuízo de R$ 2,6 bilhões, situação que não melhorou ao longo de 2023 e reflete o que outras operadoras têm enfrentado.

De outro, é preciso observar quem pode ser o possível comprador, podendo ser uma negociação importante para aumentar a fatia de mercado de algum plano já no mercado, a oportunidade de um novo player ou, ainda, a entrada de novo capital estrangeiro no país. Bradesco e Dasa são consideradas possíveis compradoras, assim como o empresário Nelson Tanure, controlador da Aliança (ex-Alliar), e José Seripieri Filho, o Júnior, fundador da Qualicorp e QSaúde.

“Tem um impacto importante em termos de como o mercado entende essa tomada de decisão e como os entes reguladores entendem isso. Será que não é um ponto de inflexão em que temos que repensar os modelos e fazer alguns tipos de concessão? Será que não é um momento de olhar onde serão feitos os investimentos para eficiência, que eventualmente não são feitos por alguma questão de priorização, regulamentação ou de foco estratégico?”, observa Rita Ragazzi, líder do segmento Healthcare & LifeSciences da KPMG.

Dificuldades

O cenário da saúde suplementar no Brasil passa por diversos problemas. O aumento da sinistralidade, o prejuízo acumulado ao longo dos últimos 2 anos, o aumento de custos com medicamentos, a judicialização e a forte regulamentação são considerados alguns dos principais desafios do setor.

De acordo com dados da Sala de Situação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a sinistralidade da Amil está em 101%. O prejuízo operacional acumulado no 1º semestre chega a R$ 1,6 bilhão. Sem grandes alterações no modelo de negócio e na regulamentação, analistas não veem uma saída simples para a situação.

“A United é uma gigante mundial. A Amil, dentro do portfólio de negócios deles, é uma gota em um oceano. Em contrapartida, eles fizeram uma certa reconstrução do time de gestão, contrataram o Ricardo Bottas, que é um executivo bem reputado no mercado brasileiro. Começaram um processo de turn around, mas em paralelo veio a confirmação sobre a venda”, explica Harold Takahashi, sócio da Fortezza Partners e que atuou com fusões e aquisições no Grupo Fleury por 8 anos.

Em 2022, o lucro líquido da UnitedHealth foi de US$ 20,1 bilhões, 16,4% maior que no ano anterior. Dessa forma, manter um negócio como a Amil, com prejuízos recorrentes, não parece vantajoso para a empresa americana. Takahashi aponta que, desde o começo, o mercado analisava que a companhia dos EUA não seguiria com os negócios no Brasil – seria questão de tempo para que ela fosse posta à venda.

Patricia Narciso, CEO da Cash+, empresa que atua na gestão de custos de saúde para operadoras e prestadores de serviços, tem uma opinião semelhante. Para ela, não houve uma adequação entre a empresa e o mercado brasileiro. “A Amil era uma empresa que tinha uma cultura muito forte, por conta do Edson Bueno e do seu posicionamento, tinha um storytelling muito forte. Era uma família. Quando vem a United, traz com ela a cultura americana, do executivo, do vamos fazer de tal forma. Você percebe a troca de executivos repetidas vezes, não dá resultado sai. Não consegue formar um time”.

Antes de Bottas, pelo menos outros três CEOs passaram pela UnitedHealth Group e pela Amil. Em junho de 2023, também houve demissões na Americas, rede de hospitais da UHG no Brasil. O CEO, CFO e COO foram desligados. Bottas assumiu interinamente o comando da rede. 

Quem compra a Amil?

“Existe essa possibilidade de entrada de capital estrangeiro, mas o fato é: qual é o modelo que faz sentido para alguém entrar, considerando o histórico? Por que uma empresa de fora entraria simplesmente substituindo uma outra empresa de fora que tem a expertise, sendo uma das maiores no mundo? O que ela tem de proposta que faria diferente? Que tipo de modelo seria proposto, que não fosse apenas uma perpetuação do modelo?”, questiona Ragazzi, da KPMG.

Ela avalia que é possível que um grande grupo brasileiro compre a Amil, mas em sua análise, seria uma movimentação estratégica e extremamente arriscada. Além do capital necessário, Ragazzi aponta que é preciso uma visão estratégica não só mercadológica, mas de como a consolidação pode ser estruturada também. Pode levar até 10 anos para completar a sinergia entre ambas empresas.

Na visão de Harold Takahashi, da Fortezza Partners, essa ainda é uma negociação que pode levar algum tempo para vermos a conclusão. Apesar da intenção da UnitedHealth Group em vender a Amil, ele explica que não há um motivo catalisador que alavanque, e que os diálogos com possíveis compradores podem se arrastar até os valores serem reduzidos.

“O desafio é o valuation. O Bank of America disse que a Amil poderia valer entre 10 e 15 bilhões de reais, mas não sai nesse preço. A própria United é avaliada em 0,5 vezes a receita. Se você fizer esse cálculo com a receita de 2022 da Amil, dá 9 bilhões de reais. No meio do ano passado, o Bradesco estava avaliando em 1 bilhão de dólares, equivalente a 5 bilhões de reais”, explica ele.

Patricia Narciso, da Cash+, compartilha desta visão, mas acredita que a situação tende a se agravar se não haver um acordo. “Ninguém vai comprar caro. Se a empresa está ruim, o mercado é predatório. Vão deixar entrar em endividamento, recuperação judicial e comprar ativo. Não acredito que a Amil vai conseguir se livrar dessa situação tão cedo. A UnitedHealth também não vai colocar mais dinheiro”, afirma.

Até o momento, a empresa americana não avalia fatiar os negócios e vendê-los separadamente, mas à medida que as conversas caminham, caso não haja uma proposta interessante para ambos os lados, os analistas não descartam a possibilidade de uma mudança de estratégia.

Impacto

Segundo os especialistas, a venda da Amil não traz grandes impactos para o mercado brasileiro de saúde suplementar neste momento. Os planos de saúde seguem atuando normalmente. Contudo, eles avaliam que seria interessante aproveitar a movimentação para refletir sobre o setor, principalmente as dificuldades que vem enfrentando ao longo dos últimos anos. 

“Uma questão é a dificuldade de uma empresa grande, com poder de investimento, de recursos, de lutar contra um um modelo de falta de sustentabilidade que ocorre em todo o setor. Mesmo uma empresa com uma capacidade importante de investimentos e de tecnologia tem dificuldade de vencer os desafios que são colocados hoje pelo mercado, como o aumento da sinistralidade, da utilização e dos custos, logística, mão de obra, falta de treinamento e a má utilização, o que inclui desperdícios”, afirma Rita Ragazzi, da KPMG.

A compra por outra gigante do setor pode acirrar os ânimos pela competição entre os primeiros postos de maiores operadoras do Brasil. Para o beneficiário da Amil, até o momento não há impacto direto. É possível que haja uma movimentação de portabilidade, já que pode haver receio sobre os futuros da operadora no país. É preciso aguardar para ver quem será o comprador e como será feita essa movimentação.

Na visão de Harold Takahashi, da Fortezza Partners, “o mercado ainda continua disperso o suficiente para ter uma boa competição de preço entre os planos. Dependendo da praça pode ter uma concentração maior em algumas regiões, mas pensando em termos nacionais, não vejo nenhuma transação grande o suficiente para gerar algum tipo de dano ao consumidor final”.

Em 2022, quando a Amil vendeu sua carteira de planos individuais e familiares para a APS, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) barrou a transferência por avaliar que ela “não seria capaz de administrar de maneira autônoma a carteira adquirida colocando em risco a continuidade e qualidade da assistência à saúde dos consumidores vinculados”. Caso a nova venda se concretize, a agência e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) farão a avaliação necessária para garantir que não haja excessos por parte dos envolvidos.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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3 Comments

  1. Jorge Luiz 14/09/2023 at 08:44 - Reply

    A Amil não se fortificou no cenário Brasileiro por impor aos prestadores a operacionalizar da forma “AMIL de ser”, onde a Operadora fixa os valores (Muito abaixo do Mercado) e a forma do prestador realizar o tratamento. E ainda solicita performance atrelado ao valor oferecido. Tanto é que, movimentos de prestadores até com a ajuda de Sindicatos da área, barraram os atendimentos a Amil por receio de não subsidiar os custos e levar o estabelecimento ao risco da manutenção aos demais pacientes. A Amil tem potencial, porém, é necessário trocar o modus operandis da Gestão.

  2. Carmen Ximenes 15/09/2023 at 09:22 - Reply

    Muito se falou sobre impacto económico, mas os clientes ficam como?

  3. João Reis 15/09/2023 at 19:27 - Reply

    Excelente matéria Rafael.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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