A Inteligência Artificial no mercado de trabalho da radiologia – e seus surpreendentes aprendizados

A Inteligência Artificial no mercado de trabalho da radiologia – e seus surpreendentes aprendizados

Em seu novo artigo para Futuro da Saúde, Fabricio Campolina faz uma reflexão sobre a expectativa do impacto de IA na área de radiologia, os resultados efetivos e a projeção para profissionais de outras áreas

By Published On: 17/07/2024
IA na radiologia - Artigo de Fabricio Campolina

Foto: Adobe Stock Image

Em 2017, economistas projetavam um forte impacto no mercado de trabalho na área de radiologia pela automação de laudos de exames com Inteligência Artificial.1 O pensamento, na época, era de que a IA seria utilizada para realizar a triagem dos exames, encaminhando os de baixa complexidade e maior volume para profissionais com menos experiência e, por isto, com menor remuneração. Os exames de maior complexidade, por sua vez, seriam enviados para os radiologistas mais experientes e bem remunerados, mas com menor demanda por seus serviços.

Esta triagem inicial também automatizaria parte das atividades e, como consequência, diminuiria a demanda total por estes serviços no mercado. Por fim, haveria uma queda nos trabalhos disponíveis e na remuneração por hora. Desta forma, os profissionais dessa especialidade teriam um futuro com dificuldades pela frente – expectativa que fez com que caísse o interesse de médicos recém-formados em se especializar em radiologia.2

Mas vale lembrar que o pai da gestão moderna, Peter Drucker, ensinava que para melhorar nossa capacidade de projetar o futuro devemos anotar o que achamos que vai acontecer e depois ver o que de fato aconteceu. Desta forma, podemos ajustar nossos modelos mentais e sermos melhores em definir os caminhos a seguir.

Pois bem, aqui estamos, sete anos depois – e a realidade é que dados dos Estados Unidos apontam que não só a demanda por radiologistas cresceu nos últimos anos, como também a remuneração média aumentou.³

E como ficou a Inteligência Artificial nessa história? Ela tem sido utilizada como uma aliada para aumentar a produtividade destes profissionais por meio do gerenciamento de fluxos de trabalho, de modo que determinados exames cheguem ao radiologista certo, por exemplo. Além disto, tem permitido a automatização de laudos e a redução de trabalho burocrático.

Lições aprendidas com a radiologia

Ainda que a IA possa automatizar certas tarefas, o aprendizado é que o trabalho do radiologista é muito mais complexo e amplo. Além disto, uma vez que o setor da saúde tem como foco a segurança do paciente, o papel do radiologista em promover justamente esta segurança e se responsabilizar pelo diagnóstico não pode ser terceirizado.

Por um lado, não devemos nos esquecer de que o ganho de produtividade de uma pessoa normalmente tem uma correlação com ganhos em remuneração. E a IA tem potencial para aumentar a produtividade em todas as áreas, incluindo a da saúde, fazendo que profissionais se concentrem em tarefas mais complexas e de alto valor, e priorizando a conexão emocional com o paciente.

Por outro, a demanda por serviços profissionais deve ser afetada de forma desproporcionalmente maior por macrotendências – por exemplo, envelhecimento da população e aumento da prevalência de doenças crônicas – do que por automatização de certas tarefas por sistemas de IA.

Na prática, o que isto significa?

Os profissionais de áreas com tarefas complexas, atuação em múltiplas dimensões e cujo impacto na segurança dos pacientes exija que sejam responsabilizados por seus atos provavelmente verão a IA Generativa aumentar sua produtividade e, como consequência, terão sua hora de trabalho valorizada. Já as áreas que envolvam tarefas simples e repetitivas, que se concentram em uma dimensão de atuação e que não incluam riscos aos pacientes deverão ter mais automatizações promovidas pela Inteligência Artificial.4

O foco em identificar as áreas de alta demanda por serviços profissionais no futuro deveria ser, a meu ver, mais baseado nas grandes necessidades da população do que no percentual do trabalho que será automatizado. Por exemplo, linhas de cuidado digitalizadas com IA não devem diminuir a demanda por enfermeiras navegadoras. Nesses casos, ela vai permitir a democratização deste serviço que antes estaria restrito a um nicho. Ao mesmo tempo, ao aumentar a sua custo-efetividade, será ampliada significativamente a demanda. Isso sem falar que a utilização da tecnologia para reduzir filas de espera por atendimento e promovendo diagnósticos precoces deve gerar demanda adicional por serviços médicos.

Enfim, o que fazer?

Profissionais que trabalham em áreas com grande risco de automatização devem buscar se capacitar para atuar em áreas de maior complexidade. Profissionais experientes, que atuam em áreas promissoras, devem abraçar estas inovações para se tornarem ainda mais produtivos e, assim, serem mais bem remunerados.

Se estes são bons conselhos? Em dez anos, saberemos…

Referências:

  1. https://www.economist.com/free-exchange/2017/11/29/why-scan-reading-artificial-intelligence-is-bad-news-for-radiologists
  2. https://radiologybusiness.com/topics/healthcare-management/leadership/ai-medical-students-radiology-medical-imaging
  3. https://hackernoon.com/radiologists-wont-be-losing-their-jobs-to-ai-anytime-soon
  4. https://www.fastcompany.com/91087265/ai-will-shrink-workforce-next-5-years-according-survey
Fabricio Campolina

Fabricio Campolina é referência no setor quando o assunto é tecnologia, inovação e transformação digital e, atualmente, é presidente da Johnson & Johnson MedTech Brasil. Graduado em ciência da computação pela UFMG, possui ainda especialização em gestão de negócios pelo Ibmec e MBA em administração de negócios pela Duke University, onde se graduou entre os top 10% de sua classe. Foi também presidente do conselho da ABIMED, onde liderou o processo de reposicionamento estratégico da associação, e é membro-fundador do Instituto Coalização Saúde.

About the Author: Fabricio Campolina

Fabricio Campolina é referência no setor quando o assunto é tecnologia, inovação e transformação digital e, atualmente, é presidente da Johnson & Johnson MedTech Brasil. Graduado em ciência da computação pela UFMG, possui ainda especialização em gestão de negócios pelo Ibmec e MBA em administração de negócios pela Duke University, onde se graduou entre os top 10% de sua classe. Foi também presidente do conselho da ABIMED, onde liderou o processo de reposicionamento estratégico da associação, e é membro-fundador do Instituto Coalização Saúde.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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  • Sidney Klajner

    Cirurgião do Aparelho Digestivo e Presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. Possui graduação, residência e mestrado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, além de ser fellow of American College of Surgeons. É coordenador da pós-graduação em Coloproctologia e professor do MBA Executivo em Gestão de Saúde no Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa do Einstein. É membro do Conselho Superior de Gestão em Saúde, da Secretaria de Saúde do Estado de S. aulo e coautor do livro “A Revolução Digital na Saúde” (Editora dos Editores, 2019).

  • Isabella Marin Silva
    Isabella Marin

    Jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes da USP, passou pela área de Comunicação da Braskem e atuou com Jornalismo de Dados na empresa Lagom Data. Integra o time como repórter do Futuro da Saúde, onde atua desde março de 2024.

  • Isabella Marin Silva
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    Jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes da USP, passou pela área de Comunicação da Braskem e atuou com Jornalismo de Dados na empresa Lagom Data. Integra o time como repórter do Futuro da Saúde, onde atua desde março de 2024.

Fabricio Campolina

Fabricio Campolina é referência no setor quando o assunto é tecnologia, inovação e transformação digital e, atualmente, é presidente da Johnson & Johnson MedTech Brasil. Graduado em ciência da computação pela UFMG, possui ainda especialização em gestão de negócios pelo Ibmec e MBA em administração de negócios pela Duke University, onde se graduou entre os top 10% de sua classe. Foi também presidente do conselho da ABIMED, onde liderou o processo de reposicionamento estratégico da associação, e é membro-fundador do Instituto Coalização Saúde.