IA generativa avança na saúde e desafios envolvem checagem de dados e regulamentação
IA generativa avança na saúde e desafios envolvem checagem de dados e regulamentação
Com a IA generativa, setor da saúde pode ganhar produtividade e qualidade, mas preocupações éticas e clínicas devem orientar evolução
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Os avanços da tecnologia e o surgimento da inteligência artificial (IA) foram inovadores em todos os setores. Na saúde, essas inovações têm mudado a forma de diagnosticar, tratar e monitorar os pacientes, oferecendo cuidados cada vez mais personalizados e assertivos. A bola da vez, na tecnologia, é a chamada IA generativa, uma junção de algoritmos capazes de criar informações a partir de conjuntos de dados pré-existentes. Ela pode, no futuro, representar uma revolução na saúde, mas uso prático ainda é visto com cautela e especialistas buscam formas de utilizá-la sem que represente riscos, tanto éticos quanto clínicos.
Um recente relatório da consultoria Accenture aponta que há consenso sobre o potencial impacto positivo dessa tecnologia na saúde: 98% dos profissionais de saúde concordam que os avanços na IA generativa estão inaugurando uma nova era de inteligência empresarial, por exemplo. O estudo mostra, ainda, que 40% de todas as horas de trabalho na saúde podem ser otimizadas pela IA e que metade das organizações de saúde planeja usar o ChatGPT – chatbot online que utiliza IA generativa para simular a linguagem humana, sendo capaz de gerar respostas assertivas e analisar grande quantidade de dados de forma rápida – para fins de aprendizado. Mais da metade, inclusive, está planejando casos-piloto ainda para 2023.
Para Fabrício Campolina, presidente da Johnson & Johnson MedTech, a IA generativa é um passo natural da transformação digital e ela deve seguir evoluindo até chegar a resultados realmente modificadores da saúde. No momento, entretanto, a sua usabilidade no setor é ainda incipiente:
“Estamos vivendo a era da IA generativa e ela vai continuar evoluindo dentro de seu próprio sistema até chegar ao que se chama de IA geral, que será potencialmente mais inteligente do que os seres humanos. Quando chegar nesse ponto, a IA vai permitir soluções ainda pouco alcançáveis. Ao demandar algo como ‘gostaria de ter a cura da diabetes’, o sistema, em teoria, analisará todo o processo do organismo e desenhará uma proteína para essa questão específica. Mas isso, é claro, em um futuro ainda distante”.
Aplicações possíveis da IA generativa na saúde hoje
Dados do Morgan Stanley mostram que a oportunidade de mercado da IA generativa é de mais de US$ 6 trilhões mundialmente, principalmente em setores como finanças e saúde. Outras estimativas sugerem que a tecnologia poderia aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) global em 7% até 2033 por conta de sua habilidade de lidar com vários tipos de dados, incluindo texto, imagens, áudio, vídeo, modelagem 3D e até codificação.
Edson Amaro, superintendente de Big Data e Analytics do Einstein, acredita que a jornada de saúde do paciente conta com algumas etapas nas quais essa tecnologia já pode ser usada e será ainda mais bem aproveitada quando as instituições de saúde contarem com um ChatGPT para chamar de seu: “Nesse começo, eu acredito que seja uma responsabilidade institucional testar essas inovações e entender como se encaixam na sua realidade. No Einstein, estamos há mais de um ano estudando nossas opções e estamos na fase de letramento para preparar a adoção de soluções de AI generativa”.
Uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra que até 50% de todos os erros médicos na atenção primária são devidos a razões administrativas. E que a escassez global de profissionais médicos agrava ainda mais esses problemas. As projeções do Fórum Econômico Mundial são, justamente, que a IA generativa apareça como parte da solução, ajudando na tomada de decisões clínicas, alertando para o risco de novas pandemias, personalizando ainda mais o cuidado médico e aprimorando descobertas e desenvolvimento de novas drogas.
Campolina vê, hoje, algumas grandes possibilidades de uso da IA generativa na saúde: como uma aliada para tarefas administrativas, como forma de digitalizar as linhas de cuidado, engajar o paciente e nivelar o conhecimento dos profissionais de saúde:
“O médico pode colocar o dispositivo em sua mesa e capturar toda a conversa com o paciente para, no fim da consulta, ter um prontuário pronto, já com as receitas de medicamento. Os processos de análise de exames de imagem podem ser agilizados também. O paciente pode ter acesso a um chatbot que conversa com ele como se fosse uma pessoa e que faz contato o tempo todo para garantir a ingestão correta dos medicamentos, além de ser um poderoso guia, que informa se há necessidade de procurar um hospital, por exemplo, a depender dos sintomas apresentados. Isso é possível de se fazer. Sem contar a parte de ensino, que se torna mais fluida e acelera a curva de aprendizado”.
Segundo ele, essas aplicações, inclusive, já existiam na prática, mas ainda eram limitadas porque necessitavam de alto investimento e da evolução tecnológica para uma melhor funcionalidade. “Agora, com a IA generativa mais democratizada, fica mais fácil ver a sua usabilidade em instituições de saúde. Esse é um aspecto fundamental para as inúmeras possibilidades que a tecnologia traz”, ressalta.
Como funciona a IA generativa (e o ChatGPT)
O melhor, e mais palpável, exemplo democratizado que se tem de IA generativa na prática, no momento, é o ChatGPT. Ele é apenas uma das tecnologias baseadas em modelo de linguagem, mas causou um alvoroço ao redor do mundo. Prova disso é que a ferramenta se tornou o aplicativo de consumo com crescimento mais rápido da história – com apenas dois meses de funcionamento, o ChatGPT já tinha conquistado 100 milhões de usuários e segue crescendo.
Amaro, do Einstein, reforça que esses índices podem ser considerados um fenômeno. Afinal, nenhum produto humano, incluindo livros, discos, carros e até mesmo download de aplicativos, foi capaz de chegar a um resultado como esse:
“Nada teve um sucesso desse tamanho até agora. Isso aconteceu porque é uma ferramenta oferecida sem custo e porque é muito interessante: parece um ser humano falando. O Open AI, startup por trás do ChatGPT, fez um estudo aprofundado, perguntando para humanos se as respostas geradas pelo chatbot eram plausíveis e identificando os melhores apontamentos. Na saúde, usuários médicos que analisaram respostas preferiram a tecnologia à informação humana”.
Seu funcionamento acontece por meio de um software que utiliza o aprendizado da máquina para identificar padrões e, assim, ser capaz de gerar conteúdos coerentes e interpretar a linguagem natural. As gerações anteriores da tecnologia, segundo Campolina, tinham um número muito limitado de parâmetros, que podem ser comparados com sinapses de neurônios biológicos, mas a capacidade computacional foi elevada e chega, agora, a centenas de milhões. “O ChatGPT 5 faz trilhões de sinapses e se aproxima da mente humana. É um salto muito alto da tecnologia no modelo de linguagem larga. Por isso acaba surpreendendo tanto sua capacidade de resposta”.
Os desafios do uso da IA generativa
Alexandre Ferreira da Rocha, executivo de contas em saúde da Microsoft Brasil, que participou do Einstein Frontiers, evento de inovação e novas tecnologias em saúde promovido pela organização de saúde, afirmou que a missão da Microsoft, em parceria com o OpenAI, é empoderar cada indivíduo e organização com o ChatGPT.
De acordo com ele, a própria plataforma traz um alerta de que o modelo ainda não atua em cuidados médicos e que seu uso deve ser evitado para diagnósticos clínicos, mas o executivo acredita que a informação que a tecnologia é capaz de gerar já pode se traduzir em mais produtividade para os profissionais de saúde.
“É preciso entender que a tecnologia ainda está em evolução. A versão 3.5, que é a gratuita, por exemplo, traz alucinações bem maiores, erros que já não são produzidos pelas versões mais atualizadas. Por questões éticas e de segurança, o uso na medicina ainda é limitado. Mas é como qualquer inovação: quando o carro foi inventado, foi uma revolução, mas era perigoso. Com o passar do tempo, itens de segurança, como cinto e airbag, passaram a ser essenciais em suas produções. É assim com a tecnologia também”, afirma.
Amaro lembra, ainda, que os resultados do ChatGPT guardam vieses e preconceitos humanos e podem gerar informações erradas não por uma falha no sistema, mas baseado em informações nem sempre comprometidas com a verdade que estão disponíveis pelas redes. Ou seja, o papel humano no uso da tecnologia é ainda – e provavelmente sempre será – fundamental. Outro ponto trazido por ele é a necessidade de saber usar a ferramenta de forma adequada:
“É preciso fazer as perguntas certas e verificar se a resposta condiz com a verdade. Certamente, conseguiremos chegar a mais eficiência com essa tecnologia, mas sem perder a responsabilidade sobre o seu uso, principalmente com o peso que tem a saúde. O ChatGPT acerta 99,99% das respostas e isso é fantástico. Mas o que significa o 0,01% quando falamos em vidas? No fim, vamos precisar nos adaptar, porque, se eu não uso a ferramenta, certamente prejudico o meu processo de inovação e a possibilidade de um melhor cuidado. Mas se uso de maneira inadequada, o ônus é ainda maior”.
Para Campolina, é por esses motivos que se torna fundamental ter algum controle sobre a tecnologia, por meio de comitês de ética e regulamentações: “Assim como temos regras bem definidas para as pesquisas clínicas, precisamos delimitar regras para o uso da IA generativa na saúde, analisar as aplicações possíveis e garantir que sejam feitas dentro de um padrão de ética, com treinamentos e fiscalização. Os benefícios da utilização dessas inovações superam os desafios, então precisamos aprender a forma correta de uso, para gerar valor para o paciente, que é quem mais precisa dos avanços”.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.