Tecnologia pode acelerar equidade e produtividade no setor, mas estruturação de dados precisa avançar

Tecnologia pode acelerar equidade e produtividade no setor, mas estruturação de dados precisa avançar

A tecnologia tem o potencial de resolver desafios tanto clínicos

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By Published On: 03/05/2023
Estruturação de dados

A tecnologia tem o potencial de resolver desafios tanto clínicos quanto administrativos da saúde e as novas soluções, como a inteligência artificial (IA), podem acelerar ainda mais questões como a estruturação de dados, interoperabilidade, equidade e até mesmo a sustentabilidade do setor. O grande desafio, porém, é colocar a teoria em prática. Essas foram algumas das principais mensagens da última edição do HIMSS Global Health Conference & Exhibition (HIMSS 2023), um dos principais eventos de saúde digital no mundo

As palestras e os debates promovidos no HIMSS indicam um futuro cada vez mais tecnológico, com menos gargalos e mais possibilidades de melhorias nos âmbitos público e privado. E, como já era de se esperar, a IA foi o tema que permeou muitas das discussões no evento, que ocorreu entre 17 e 21 de abril, em Chicago, nos Estados Unidos, e reuniu mais de 35 mil pessoas.

Para Claudio Giulliano, médico, especialista em Informática da Saúde e fundador da FOLKS, consultoria especializada em transformação digital de instituições de saúde e parceira oficial da HIMSS na América Latina, a implementação das tecnologias precisa ser encarada como uma jornada, para não trazer um efeito contrário ao esperado:

“Hoje, o mundo tem a capacidade de desenvolver as tecnologias, mas colocá-las para rodar requer muito mais trabalho e cuidado, para que criem soluções e não problemas. A grande discussão nos Estados Unidos, e na conferência, é como implementar todas essas ferramentas dentro das instituições de saúde. E esse é um processo que leva tempo, investimento e análises minuciosas”.

Uma jornada de implementação de tecnologias

Um levantamento do RBC Capital Market apontou que, hoje, aproximadamente 30% do volume de dados do mundo está sendo gerado pelo setor de saúde. Até 2025, de acordo com o mesmo estudo, a taxa de crescimento anual de dados para assistência médica chegará a 36% – o que representa um índice 6 pontos percentuais mais rápido que no setor de manufatura, 10 p.p. mais rápido que os serviços financeiros e 11 p.p. mais rápido do que o setor de mídia e entretenimento.

Trata-se de uma oportunidade de organizar essa enorme quantidade de informações para promover novas descobertas e melhorias na área. Contudo, de acordo com Giulliano, “não basta apenas implementar uma tecnologia ‘porque é o que todo mundo está fazendo ou porque é a última tendência, mas que nem sei se serve para o meu hospital’”. Para ele, alguns princípios precisam ser adotados antes da implementação, como as validações técnica e clínica, e ter a garantia de que a tecnologia seja utilizável na ponta, confiável e que gere benefícios reais para o sistema de saúde.

Por isso, o começo dessa jornada consiste em uma boa base de dados, que é também, possivelmente, o passo mais desafiador de todo esse processo. Segundo Vanessa Teich, diretora de Economia da Saúde no Einstein, ainda que os dados existam, eles são trabalhados em silos dentro das instituições e não conversam entre si. De acordo com ela, no HIMSS 2023 muitos fornecedores de sistemas mostraram como estruturar e interoperar esses dados, mas, ainda assim, o desafio está em encontrar um sistema intermediário que interligue as ferramentas já utilizadas hoje.

“Se pensarmos na infraestrutura complexa dos hospitais, é inviável mudar todos os sistemas para implementar um sistema único que integre todas as áreas. Hoje, nós temos diversas ferramentas e sistemas, e eles funcionam muito bem, cada um com sua finalidade, mas eles precisam conversar entre si. O mundo ideal é utilizar uma plataforma de interoperabilidade capaz de traduzir os dados de cada sistema em uma linguagem universal, transformando-os em um padrão único que seja facilmente acessado por todas as áreas”, aponta. “Se eu tivesse que escolher apenas uma tecnologia a ser implementada, seria essa”.

Estruturação de dados é peça-chave

Segundo Teich, nas discussões sobre como facilitar ainda mais a vida dos profissionais e melhorar o atendimento em saúde por meio do uso de dados, a conclusão é de que que cada vez mais serão necessários sistemas que ofereçam dados de qualidade e que facilitem a tomada de decisão:

“Hoje ainda há muita dificuldade no levantamento de informações precisas. Quando passamos pela terceira onda da pandemia, começamos a internar novamente um grande volume de pacientes com Covid. Mas queríamos entender, por exemplo, se os pacientes estavam internados por Covid ou com Covid, e se estavam vacinados ou não. Mas faltaram dados para que conseguíssemos avaliar em tempo real o que estava de fato acontecendo com aqueles pacientes que ainda se encontravam internados. Os dados existiam, mas não estavam estruturados para serem analisados. Tivemos que nos dedicar a organizar o processo de sistematização destes dados para que a informação passasse a existir em tempo real e pudesse subsidiar as análises de complexidade e projeções de casos futuros”.

Ela completa: “Outro exemplo é a avaliação de resultados de pacientes após a alta hospitalar. É necessário ter informações sobre um número relevante de pacientes que seja representativo no universo de pacientes tratados e possa ser utilizado para tomar decisões. Se eu tratei mil pacientes em um mês e só tenho informações de 50 deles, não vai resolver. Mesmo que esses dados sejam bons, eles não refletem o todo”.

Trazendo essa realidade para o Sistema Único de Saúde (SUS), o cenário é o mesmo, pois também há dificuldade de estruturação e integração dos dados: “Se um paciente é atendida na atenção primária em uma Unidade Básica de Saúde, tem uma intercorrência, é admitido em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e depois é internado em um hospital, as informações são documentadas nos sistemas de cada instituição, mas não migram entre os sistemas ao longo da jornada de cuidado dos pacientes”.

Tecnologias para a equidade no HIMSS

Esses avanços também têm o potencial de ajudar a questão da equidade em saúde, tema que foi muito comentado no congresso, como conta Giulliano: “Me impressionou a abordagem extensa do tema no evento. As tecnologias e as mudanças podem tornar o sistema de saúde mais equânime, que é um dos princípios do SUS, principalmente pelo amplo uso das tecnologias de forma adequada”.

A equidade no acesso a cuidados adequados em saúde passa também pela inclusão nas análises de dados sobre determinantes sociais de saúde, como educação e moradia, para avaliar o impacto destas características sobre os desfechos em saúde. “Quando comparamos desfechos de Covid na rede Einstein, por exemplo, vemos resultados diferentes nas unidades privadas e públicas, mesmo sabendo que todas compartilham os mesmos protocolos e equipes. Isso prova que os determinantes sociais fazem diferença e, se não tivermos acesso a esses dados, vamos avaliar de forma injusta a performance dos prestadores, penalizando aqueles que tratam os pacientes mais vulneráveis. Essa questão foi bastante discutida no HIMSS 2023”, comenta Teich.

O uso de dados estruturados e interligados ainda pode apontar e evitar excessos, como repetições de exames ou atraso em altas, que, em larga escala, liberam recursos e espaço no sistema para que contemple mais pessoas. “O conceito de hospital at home também foi discutido como uma tendência importante para desafogar os espaços hospitalares, diminuindo filas e oferecendo cuidados intra-hospitalares para quem realmente precisa deles”, diz Teich. “Para isso, precisaremos de dispositivos realmente confiáveis, acessíveis e integrados. Por enquanto, o avanço da telemedicina vai fazendo o papel de inclusão e expansão do cuidado, e deve crescer cada vez mais”.

Potencial a curto, médio e longo prazo

Para ambos os especialistas, ficou claro que a IA não é a resposta para tudo, mas que tem um potencial enorme de melhorar o sistema de saúde, principalmente fazendo aquilo que os humanos não são capazes de fazer ou auxiliando em atividades corriqueiras que diminuem a produtividade dos profissionais.

Alguns exemplos são ferramentas capazes de capturar a voz e transformá-la em texto, o que pode diminuir o volume de trabalho na hora de preencher relatórios e prontuários – principalmente considerando que essa informação captada automaticamente viraria um dado padronizado capaz de ser analisado posteriormente.

“Não é aquela velha questão de a máquina substituir o homem, mas de ajudar a suprir demandas e funcionar como um apoio. Hoje não temos uma tecnologia avançada o suficiente para trabalhar sozinha. Ou seja, tudo o que for feito em termos de análise diagnóstica, e até mesmo a transcrição do sumário do paciente, precisa ser validado por um profissional. Mas só isso já aumenta a produtividade, porque otimiza o tempo gasto com trabalhos administrativos, fazendo com que os profissionais fiquem mais disponíveis para os pacientes, além de ser uma garantia de que aquele dado será imputado no sistema”, analisa Vanessa.

Com a velocidade com que os avanços tecnológicos estão ocorrendo, a previsão, na HIMSS 2023, foi de um desenvolvimento robusto e aplicação dessas tecnologias para os próximos três anos, considerando o mercado americano. Mas outra boa notícia é que há uma expectativa de que, pela primeira vez, mercados de países emergentes, como o Brasil, não tenham um atraso tão grande na chegada de novas ferramentas.

“O Brasil sempre está um pouco atrás no desenvolvimento tecnológico, porque as tecnologias demoram mais para chegar por aqui. Mas a velocidade de adoção está aumentando de forma nunca antes vista e acredito que, principalmente falando em tecnologias que são digitais, esse gargalo deve ser ainda mais encurtado”, diz Claudio.

Na opinião de Teich, a alta concorrência e a quantidade de novas ferramentas apresentadas, somadas a um maior uso dessas tecnologias, também devem baratear as inovações de forma mais acelerada: “Sem contar que existem muitos sistemas que nem temos como importar hoje porque não contemplam o nosso idioma. Mas, agora, com a utilização da IA generativa, essas barreiras são quebradas. O ChatGPT, por exemplo, faz conversões para praticamente todas as línguas e de forma padronizada, então o poder de escala muda drasticamente”.

Enquanto isso não acontece, a recomendação é que cada instituição faça uma análise do que já é possível implementar na realidade atual e onde se quer chegar no futuro, para que a jornada possa, ao menos, começar a ser traçada. “Há muito trabalho a ser feito, mas as evoluções indicam um futuro bastante promissor, com certeza”, conclui a especialista do Einstein.

Ana Carolina Pereira

Jornalista formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ao longo de sua carreira, passou por veículos como TV Globo, Editora Globo, Exame, Veja, Veja Saúde e Superinteressante. Email: ana@futurodasaude.com.br.

About the Author: Ana Carolina Pereira

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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