Healthtechs de inteligência artificial enfrentam desafios e investidores estão de olho
Healthtechs de inteligência artificial enfrentam desafios e investidores estão de olho
A aproximação entre a inteligência artificial e o setor de […]
A aproximação entre a inteligência artificial e o setor de saúde não é novidade, como Futuro da Saúde tem reportado frequentemente. Ao mesmo tempo que o tema é apontado como tendência por profissionais de saúde e executivos do setor, a inserção de novas tecnologias na saúde não é tão simples e envolve desafios. Mas no mundo de hoje, se há um problema a ser resolvido, há startups trabalhando nele, como é o caso das healthtechs de inteligência artificial.
Para Cristian Rocha, co-fundador e CEO do Robô Laura, “o desafio para implementar tecnologias de inteligência artificial já é muito grande; agora, você implementar isso em saúde é um desafio ainda maior; e o desafio fica ainda maior quando você quer implementar isso em saúde no Brasil”. A startup possui um software que é implantado nos hospitais para auxiliar na rotina, tanto em relação ao monitoramento dos dados dos pacientes para detectar com antecedência a sepse, quanto para ajudar nos processos organizacionais do hospital, evitando falhas operacionais e também monitorando recursos para proporcionar uma gestão mais assertiva.
Com base nas experiências vivenciadas no setor, ele explica que demorou um tempo para entender a dificuldade na prática e hoje compreende que algumas restrições se dão por fatores culturais e tecnológicos:
“A grande dificuldade, em primeiro lugar, é que os médicos não entendiam o que é um modelo de inteligência artificial e sempre pediam para que eu, de alguma forma, configurasse regras no modelo, e eu sempre comentava ‘olha, o modelo de inteligência artificial não tem regras, ele aprende com os dados’. O principal desafio de implementação prática dos algoritmos é a ‘interpretabilidade’, porque se um médico ou se um enfermeiro não entendem o porquê aquele alerta está sendo dado, não entendem o que fazer com aquele alerta, e isso traz uma grande dificuldade para a adesão”.
Outro desafio indicado diz respeito à necessidade de bases de dados de qualidade para execução desses algoritmos, o que deve ser avaliado pelas healthtechs de inteligência artificial que querem crescer nesse meio. Cristian relata que “uma da grandes lições foi que não adianta a gente conversar sobre modelos de inteligência artificial com hospitais e operadoras […] se a gente não tem uma estratégia de dados muito clara”.
Anthony Eigier, CEO da healthtech de inteligência artificial NeuralMed, enxerga um movimento grande de aproximação das empresas de tecnologia no mercado da saúde carregada da ideia de “fail fast” — conceito que preconiza errar rápido para aprender com o erro e propor uma solução melhor –, o que é incompatível com um setor que lida com vidas. Ele avalia que essas empresas não traçam um diálogo com a equipe médica para a construção e inserção da inteligência artificial, o que também se torna um ponto de dificuldade:
“Eu acho que o que mais falta é a conversa com usuários finais. Existem muitas ideias ótimas vindo de pessoas 100% técnicas, mas os médicos, enfermeiros, toda a equipe precisar participar mais disso […] a gente faz parcerias com faculdades de medicina porque é uma co-construção, os médicos precisam participar dessa evolução […] esse diálogo é o que mais vai faltar para o sistema como um todo”.
A empresa utiliza IA para analisar textos e imagens que auxiliam médicos e equipes a organizar o fluxo de pacientes por criticidade, otimizando o atendimento e mapeando pacientes de alto risco a partir de seus dados, inclusive para identificar patologias.
Robô Laura
O CEO da Robô Laura foi um dos participantes da terceira edição do Summit Internacional promovido pela Americas, empresa do grupo UnitedHealth. Durante o evento, Rocha explicou que a empresa surgiu a partir da constatação de falhas cruciais no sistema de saúde. Ele apresentou dados da Fundação Bill e Melinda Gates que mostram que 8 milhões de pessoas morrem todos os anos por falhas, que acarretam ainda em 250 bilhões de gastos anualmente. Nesse sentido, a startup se originou como um projeto para auxiliar médicos e enfermeiros a conectarem seus pacientes a um melhor atendimento de saúde e identificarem aqueles que estivessem inseridos em uma curva de risco.
“Começamos a implementação de um sistema que usava todos os dados do paciente dentro de um prontuário eletrônico e, a partir desses dados, a gente conseguia ter uma visão dos sinais vitais, do estado clínico dos pacientes, dos exames, e assim poderíamos identificar quais eram aqueles pacientes em uma trajetória de risco, quais eram os pacientes com maior chance de transferência, de mortalidade, etc. E foi aí que começamos a Laura. Tivemos muito sucesso na implementação do nosso primeiro MVP e foi aí que a gente percebeu ‘poxa, isso pode ser um negócio’, e começamos a escalar isso para vários hospitais do Brasil”, explica o CEO.
Cristian aponta o caminho tomado por sua startup para resolver parte dos desafios: “Quando vamos conversar com hospitais ou operadoras, a gente já traz um portfólio de como podemos ajudar a instituição a começar a construir o seu data lake, para que aqueles dados possam ser utilizados não só para aplicação da Laura, mas também para outras aplicações que possam utilizar o potencial de machine learning e de inteligência artificial.”
Hoje, a Robô Laura atua em 60 instituições no Brasil e possui mais de 12 milhões de atendimentos médicos na base de dados, além de apresentar também o primeiro e único algoritmo auditado de piora clínica na América Latina.
Venture Capital e as healthtechs de inteligência artificial
Dentro desse contexto de soluções de inovação no setor de saúde, o mercado de investimentos também tem se voltado para as healthtechs. Uma pesquisa realizada neste ano pela KPMG e pela Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP) demonstrou que, entre os setores com mais empresas investidas por VCs, as healthtechs representavam 11%.
André Tioda, Venture Capital Associate na ACE Startups, lembrou que o venture capital “é uma aplicação de recursos com uma expectativa de um benefício futuro” e destaca que “às vezes você pode ter um bom business na mão, mas ele não se traduzir em um bom investimento”. Tioda e Pedro Carneiro, também da ACE, explicaram que, para que o investimento ocorra, existem fatores que vão além da capacidade tecnológica, do modelo de negócio e da solução inovadora que é oferecida pela startup. Para eles, que participaram de outra mesa de debate no Summit Internacional, dois pontos cruciais são o momento do mercado e adaptação da sociedade.
“Outra variável que é algo que a gente precisa avaliar ao longo do processo de investimento é como será a adaptação e o quanto que a sociedade vai abraçar as novas soluções como padrão para que isso realmente consiga transformar o mundo. O próprio Uber tem um software hoje muito parecido com o que ele tinha há 10 anos, a proposta de valor é muito parecida, mas dá para entender que o que fez eles mudarem o mundo foi a adesão e a mudança no comportamento das pessoas”, explica Carneiro.
No âmbito do mercado da saúde e as healthtechs de inteligência artificial, eles apontaram que se deparam com a mesma questão e explicaram como buscam olhar para esses movimentos de inovação no mercado: “Quando a gente fala de negócios de saúde […] acho que uma dor ao longo da jornada é: ‘como que eu consigo encontrar o melhor caminho para adesão massiva do meu negócio que pode salvar vidas e impactar de tantas formas?’ E é uma das coisas que a gente considera muito e isso ajuda a gente a entender como vai ser a transformação do mercado, […] comparamos com outros mercados do mundo inteiro e conseguimos ver que em cada mercado você vai ter uma curva de adesão baseado em alguns fatores macroeconômicos, nos critérios de educação, de renda per capita, etc”, afirmou Carneiro.
Ainda que o momento de mercado, segundo Pedro, seja parte de “uma das grandes dúvidas e receios de quem investe em saúde” e que alguns setores sejam mais complexos por serem muito protegidos culturalmente e regulamentados, “ao mesmo tempo eles têm mais recompensa para quando esse comportamento virar”, o que torna o setor atraente para os investimentos.
Além disso, eles destacaram que o Brasil possui um dos povos mais inovadores e mais ávidos por mudança do mundo, sendo um país muito interessante quando se fala em negócios que envolvam tecnologia, como as healthtechs de inteligência artificial têm feito. André Tioda pontuou que os investidores buscam por mercados grandes e “venture capital é um jogo em que a gente está apostando muito mais no jockey do que no cavalo em si”, o que chama atenção para a saúde e também gera expectativas quanto as possibilidades de inserção de novas tecnologias no setor.
NeuralMed
A startup NeuralMed nasceu em 2018 e está entre as healthtechs de inteligência artificial que vem tentando revolucionar os diagnósticos médicos no Brasil, atuando com o intuito de auxiliar a equipe médica e melhorar o fluxo atual.
“Começamos sempre com esse viés de estarmos voltados para as dores do sistema. Eu e meu co-founder, que é médico radiologista e tem um doutorado em IA, estávamos trabalhando em uma empresa de saúde e ouvíamos uma reclamação muito grande das equipes assistenciais focalizada no raio X de tórax em pronto socorro e havia muitos problemas quanto à ausência de um especialista à disposição ou o enfermeiro precisava de mais informações para fazer uma triagem inteligente […] então, se as equipes tinham essa necessidade de ajuda, pensamos ‘como é que nós poderíamos ajudar?'”, relata o CEO Anthony Eigier.
Nesse sentido, o primeiro produto da NeuralMed foi um raio X de tórax em triagem de pronto socorro, não como uma ferramenta para substituir o radiologista, mas sim para auxiliar a enfermagem no fluxo e o médico no pronto socorro como uma retaguarda. Contudo, a decisão final continua sendo do médico. Anthony expõe que o produto foi lançado em 2019 e gerou ganho de eficiência no pronto socorro.
Ainda, em 2020, com a pandemia, Eigier relata que “o mundo inteiro começou a fazer inteligência artificial olhando exames que tinham o pulmão no centro, e nós fomos para outro lado”. A NeuralMed, escutando as dores das equipes médicas, percebeu que os médicos não precisavam de mais soluções de raio X de tórax nos hospitais, mas sim que havia uma necessidade de compreensão sobre a saúde do paciente como um todo.
“O que os médicos nos diziam era: ‘neste momento todo mundo aqui já está com covid-19, então o que eu preciso saber é se o paciente tem alguma outra doença, como está a oxigenação, qual o histórico, peso… todas as demais informações para conseguir organizar meus recursos’ […] nós entendemos que o problema do médico era olhar as informações dos pacientes em várias bases de dados diferentes, então ele precisava ter acesso às informações de uma forma rápida e eficiente […] assim nasceu o Atlas que foi lançado no início deste ano[…] vamos fechar o ano com cinco milhões de pacientes sendo monitorados”.
A inteligência artificial foi aprimorada e o algoritmo consegue extrair, junto com a informação sobre o paciente, os exames e o laudo médico, tudo que é importante compreender sobre cada caso, indicando, a partir das características levantadas, se existe um risco maior para esse paciente ou se ele pode ter alguma doença crônica ou oncológica, por exemplo.
Assim como indicado por Cristian Rocha, CEO do Robô Laura, Anthony concorda que a maioria dos locais não possui uma base de dados organizada e estruturada, e por isso “faz parte da proposta de valor da NeuralMed centralizar esses dados e tirar uma fonte única de informação real, de onde sai o nosso produto”. Hoje a healthtech conta com uma base dados que possui de 3 a 4 milhões de imagens médicas e 50 milhões de laudos.
Por fim, Anthony ressalta como um desafio chave para esse processo de construção e implementação da inteligência artificial o diálogo e cooperação com os médicos. Contudo, o CEO também afirma, a partir da sua experiência, que “quando começamos em 2018 a resistência era enorme, hoje ela é muito menor – o ponto central é ensinar o que o algoritmo faz e como ele funciona”.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.