Com investidores mais cautelosos, healthtechs miram breakeven para se tornarem rentáveis

Com investidores mais cautelosos, healthtechs miram breakeven para se tornarem rentáveis

Vittude, Sami e Pipo Saúde estão entre as healthtechs brasileiras que miram o breakeven em 2025, buscando estabilidade e receita

By Published On: 05/02/2025
Healthtechs se movimentam para atingir o breakeven.

Foto: Adobe Stock

O mercado brasileiros de healthtechs passa por um novo momento, em que empresas buscam alcançar o breakeven, um ponto de equilíbrio entre despesas e receitas, deixando de ter prejuízos. Após um período em que receberam grandes montantes de investimentos para acelerar o crescimento, é hora de mostrar ao mercado que suas teses foram comprovadas e que podem caminhar naturalmente.

Entre 2020 e 2022, recursos provenientes de venture capital estavam disponíveis e foram injetados. Isso porque a pandemia de covid-19 trouxe juros baixos, favorecendo investimentos mais arriscados. No entanto, os cenários econômico e financeiro mundial fizeram os investidores mudarem a rota, buscando investimentos mais seguros e controlados: com juros altos, o apetite por tomar riscos diminuiu.

Além de entender o novo momento do mercado, o movimento em busca do breakeven é um passo em direção à autonomia das empresas. A partir dele, elas podem seguir com investimentos em momentos específicos para ter uma onda de crescimento ou investir em produtos inovadores. 

Em janeiro, a startup de saúde mental Vittude anunciou que atingiu o breakeven, tendo recebido R$ 40 milhões em investimentos ao longo da sua história. Já Sami, healthtech de planos de saúde, e Pipo Saúde, corretora com soluções de saúde para empresas, miram atingir a marca ao longo de 2025.

Dados da Liga Ventures mostram que o Brasil possui atualmente 593 healthtechs ativas. Sendo um setor com uma cadeia longa e que demorou para realizar sua transformação digital, ainda há espaço para inovação, para além do boom de soluções dos últimos anos. Com a popularização da inteligência artificial, novas possibilidades surgem no segmento.

“É normal que o controle financeiro, eficiência e governança ocupem um foco maior dos gestores se agora estão buscando a rentabilidade, após o breakeven. Isso significa que, necessariamente, vai ter um foco menor no crescimento acelerado, porque está direcionando a energia de uma coisa para a outra”, afirma Daniel Grossi, cofundador e diretor da Liga Ventures.

Cenário de investimentos e healthtechs mirando breakeven

Por serem empresas criadas para trazer tecnologia e inovação em diferentes setores, as startups carregam graus de incerteza sobre a viabilidade dos produtos e suas teses. Por isso, em um primeiro momento, investimentos externos são importantes para começar os trabalhos e ganhar mercado, em busca de validar suas propostas.

“As startups querem transformar algum mercado em que já existem players estabelecidos, com mais capital, com mais acesso ao mercado, com uma marca mais conhecida. E sua grande vantagem é conseguir se mexer mais rápido. Elas podem correr mais riscos, porque têm menos a perder”, explica Grossi. 

Dados da Liga Ventures apontam que, apesar de o número de rodadas de investimentos estar estável entre 2021 e 2023, último ano com dados completos da série histórica, o montante financeiro diminuiu drasticamente. Em 2023, R$ 993 milhões foram aportados em healthtechs brasileiras, enquanto em 2021 cerca de R$3,4 bilhões foram investidos. Já 2024 contava com R$299 milhões de investimentos em rodadas de negócios até julho, indicando uma continuidade da tendência de queda.

“Tivemos um período de oferta de capital muito abundante, do final de 2020 até o início de 2022. Teve uma corrida muito grande pela digitalização, pela transformação digital, em um momento em que, globalmente, o mercado estava recuperando um otimismo após um período de susto da pandemia, juros baixos e inflação baixa nas principais economias. Nesse cenário, os investidores vão buscar investimentos que deem maior retorno”, explica o diretor.

Empresas optaram por trabalhar com margens baixas ou até negativas em busca de crescimento acelerado e marketshare, já que havia recursos disponíveis. Com a mudança do cenário, investidores mudaram a estratégia e voltaram a escolher investimentos menos arriscados, mesmo que trouxessem ganhos mais baixos.

Por outro lado, Grossi explica que atualmente há um ecossistema consolidado de startups, com lacunas preenchidas ao longo dos últimos anos. Apesar de haver áreas que ainda carecem de soluções e inovação, o setor é muito diferente daquele de outrora. Assim, as estratégias das healthtechs mudaram.

“Não necessariamente uma startup está mirando o breakeven porque ficou muito grande. Tem muito mais a ver com os objetivos dos fundadores, as oportunidades que enxergam dentro daquele mercado e a necessidade de capital que existe para fazer aquele negócio acontecer. Tem startups que no primeiro dia começam já mirando o breakeven. E talvez elas tenham menos risco, mas andem um pouco mais devagar também”, avalia Daniel.

Por outro lado, ele explica que, para o investidor, o ideal é ter menos riscos — mesmo para aqueles que optam por investimentos nesse segmento. Apesar do retorno ser atrativo, realizar aportes em empresas mais consolidadas, como as que já atingiram o breakeven, por exemplo, traz mais segurança e confiança ao mercado. Muitas vezes, esse é o recado que as healthtechs buscam passar, além de caminhar de maneira mais independente com seu próprio caixa.

Vittude

A startup de saúde mental Vittude anunciou em janeiro que alcançou o breakeven. Com 3 milhões de vidas cobertas através de contratos com empresas como Grupo Boticário, Vivo, Ambev, Itaú, Bradesco, SAP e Microsoft, a plataforma mira dar novos passos em 2025, mantendo a expansão do negócio.

“Nosso objetivo central é transformar a Vittude em uma empresa lucrativa e preparada para oportunidades de M&A. Queremos não apenas consolidar nosso crescimento orgânico, mas também estar prontos para atuar no lado comprador, expandindo nossa presença e impacto no mercado. Essa visão reflete nosso compromisso com a sustentabilidade do negócio e nossa missão de democratizar o acesso à saúde mental nas empresas brasileiras”, afirma Tatiana Pimenta, CEO e cofundadora da Vittude.

Fundada em 2016, a healthtech acompanhou o boom de discussões sobre saúde mental na sociedade. Com a chegada da covid-19, em 2020, ocorreu uma busca maior por serviços de teleatendimento na área. Naquele ano, a empresa observou o número de pessoas cadastradas saltando de 22 mil para 130 mil, com 47 novos clientes empresariais aderindo aos seus serviços nos primeiros três meses de pandemia. Atualmente, são mais de 200 empresas que contratam os serviços da healthtech.

Pimenta explica que alcançar o breakeven representa uma virada de chave, tornando o negócio sustentável e validando o modelo de negócio. Com caixa, a empresa pretende continuar investindo em inteligência de dados e expandindo a atuação. Segundo a CEO, a regulamentação da Lei 14.831/24, que cria o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, tem potencial para aumentar o número de clientes.

“Atingir o equilíbrio financeiro significa que conseguimos escalar nossas soluções com eficiência, mantendo um impacto positivo nas empresas e na vida de milhões de pessoas, sem depender exclusivamente de capital externo para continuar crescendo. Além da sustentabilidade financeira, o breakeven nos dá maior autonomia para tomar decisões estratégicas de longo prazo”, explica a executiva.

Da mesma forma, a CEO aponta que a atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que obriga as empresas a avaliar e gerenciar os riscos psicossociais no trabalho, trouxe um aumento da demanda de soluções oferecidas pela Vittude que apoiam empresas no mapeamento de fatores psicossociais.

Ao longo dos anos, Pimenta aponta que R$ 40 milhões foram captados junto a fundos de investimentos, considerados essenciais para aportes em inovação em serviços e produtos, atrair talentos, estruturar processos internos e garantir eficiência. Agora, novas rodadas de investimentos podem ocorrer com outros objetivos.

“Diferente das captações anteriores, focadas no crescimento e estruturação da empresa, eventuais novas rodadas serão mais pontuais e estratégicas, com objetivos específicos que possam acelerar a expansão e consolidar nossa liderança no mercado. Entre as possibilidades, consideramos investimentos para crescimento via M&A, ampliação da nossa atuação no mercado de tecnologia aplicada à saúde mental e desenvolvimento de novas soluções baseadas em inteligência artificial e análise preditiva de dados”, observa Tatiana.

Pipo Saúde

Para atingir o breakeven, a corretora Pipo Saúde tem como meta crescer sua receita em 50% em 2025, repetindo o feito do ano anterior, quando alcançou R$ 40 milhões. Com 156 mil vidas sob gestão, a expectativa é ter um crescimento de 70% neste ano, de acordo com Manoela Ribas Mitchell, cofundadora e CEO da healthtech.

“Apesar de ser nossa estrela guia de 2025, temos feito uma trajetória para chegar nesse breakeven há cerca de dois anos. Focamos em melhorar a eficiência operacional do time, ganhar margem na Pipo, automatizar e simplificar processos. Fizemos uma decisão super importante em 2023 em focar em um perfil de cliente: médios e grandes. Estamos olhando para a empresa de 200 funcionários para cima, mas a média dos nossos clientes tem por volta de mil funcionários”, explica a executiva.

Parte da estratégia para ampliar a receita é mostrar ao mercado o impacto das soluções oferecidas às empresas, como o time de saúde com médicos e enfermeiros que realizam teleatendimento, o que reduz o uso do pronto-socorro disponível no plano de saúde contratado. Dessa forma, a Pipo consegue diminuir 10% da sinistralidade dos contratos.

A empresa também tem feito parcerias com corretoras que atendem outros segmentos para levar suas soluções, assim como com empresas de softwares voltados para recursos humanos e assessorias de investimentos. A ideia é conseguir captar outros clientes que não chegam diretamente até a Pipo.

“Criamos um produto que é muito diferente do que a corretagem tradicional oferece. Só que as corretoras tradicionais geralmente têm um relacionamento muito bem estabelecido com alguns clientes e as relações são muito fortes em outros ramos. Tem corretoras focadas em frota, em propriedades e em garantias, por exemplo. Estamos usando esses canais para levar a Pipo onde às vezes não conseguimos chegar”, observa Mitchell.

A decisão de atingir o breakeven em 2025 não é uma estratégia apenas para tornar a empresa rentável. Analisando o cenário de investimentos e de mercado, Manoela explica que se tornar menos dependente de rodadas de investimentos é um salto importante, já que há um menor índice de aportes em startups. 

“O contexto de mercado que estamos inseridos hoje é diferente de venture capital de três anos atrás. O capital está mais escasso para América Latina e ainda mais escasso para o setor de saúde. Precisamos nos virar com as próprias pernas e construir uma empresa que tenha uma trajetória sustentável pelos próximos 10 anos”, avalia a CEO. 

Em um cenário da saúde suplementar pressionada por custos, a executiva defende que há espaço para healthtechs atuarem, trazendo soluções inovadoras que colaborem com o setor. Ela diz que está acompanhando as mudanças regulatórias em discussão por parte da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), aguardando que os resultados sejam benéficos para o setor.

Questionada sobre o que muda no dia seguinte ao breakeven, a CEO afirma que a empresa seguirá com as estratégias desenhadas para o ano. Contudo, aponta que saber que a Pipo atingiu a meta trará mais tranquilidade. “A empresa vai existir, independente ou não de rodadas de investimentos subsequentes. Porque, no final do dia, ainda estamos inseridos nesse ambiente de tecnologia, de alto crescimento e de dobrar a empresa ano após ano. Construímos a empresa para o longo prazo”, afirma Manoela.

Sami

Fundada em 2020, a Sami é uma das healthtechs que busca o breakeven neste ano. Com 20 mil beneficiários, a operadora de planos de saúde tem a expectativa de fechar os próximos 12 meses com receita entre 140 e 160 milhões de reais. Para isso, a meta é ampliar o número de vidas na carteira em pelo menos 35%.

No entanto, Guilherme Berardo, CEO da Sami, explica que só crescimento não é suficiente para trazer receita, já que planos de saúde são pressionados constantemente pelas despesas assistenciais. É preciso desenvolver estratégias que controlem os custos e tragam mais sustentabilidade.

“Fizemos em 2024 muitos ajustes de produto em direção à nossa tese de saúde sustentável e qualidade em escala. A atenção primária gera valor no longo prazo, coordena cuidado e, consequentemente, tem mais pertinência clínica e menos desperdício. Fizemos movimentos nessa direção, que começaram a trazer resultados”, afirma o executivo.

Berardo também aponta que a incorporação constante de tecnologias é um desafio para o setor. Em 2024, 35 itens foram adicionados ao rol de procedimentos da ANS, entre procedimentos, exames e tratamentos, trazendo impacto na sinistralidade. O CEO explica que, como a saúde não é uma constante, há oscilações ao longo do ano, mas a meta para 2025 é estabelecer um patamar de 75%. Segundo ele, atualmente a Sami está com um índice de sinistralidade entre 78% e 80%, abaixo da média do mercado.

“Tem produto novo saindo do forno. Voltamos a fazer o que fazíamos no começo, que é ter redes eficientes, um produto de uso consciente, para quem quer um produto adequado, com preço adequado, com experiência digital. Lançamos o Sami Essencial Zona Leste e vamos fazer para todas as regiões. Esse foi o produto que teve a melhor venda de todas”, avalia Berardo, que aponta que apesar de venderem planos de saúde pela internet, atualmente 60% das vendas vêm através de corretores.

Questionado se a empresa pretende ampliar sua atuação para outros estados, o CEO é categórico: não há no planejamento da healthtech expandir seus serviços além de São Paulo neste ano, já que existem questões estratégicas, de custos e de relação com prestadores que tornam mais complexo entrar em outros mercados.

“É muito difícil coordenar uma rede nacional em que a operadora tem cinco pessoas em um hospital, três em outro, dois em outro e dez em outro. Em São Paulo, do ponto de vista de faturamento, temos 15% do volume total da companhia em um único prestador”, observa Berardo.

Atingir o breakeven neste momento, na visão da empresa, passa um sinal não só para o mercado e para investidores, mas também para a ANS. Neste caso, a sinalização é de que novos entrantes com teses alternativas, utilizando atenção primária, podem se tornar rentáveis e sólidos, trazendo segurança aos beneficiários sobre a garantia dos serviços.

A revisão da política de preços e reajustes em um primeiro momento não deve trazer impactos significativos para a Sami, já que a média de vidas por contratos é de 1,7 beneficiário, não sendo impactado pela ampliação do pool de risco. A companhia também não atua com planos individuais. No entanto, outros temas discutidos pela agência chamam a atenção da operadora.

“É importante estar de olho na agenda regulatória da ANS. Tem questões que estão trazendo bastantes coisas sobre judicialização e tem o sandbox regulatório, que é um ambiente regulatório importante com bastante impacto para as fintechs, ajudou muito o setor. A questão dos planos acessíveis [ambulatoriais] é um negócio que nos interessa muito”, observa Berardo.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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