“Caminho do cannabis no Brasil é o de registro como medicamento”, afirma Gustavo Palhares, CEO da Ease Labs
“Caminho do cannabis no Brasil é o de registro como medicamento”, afirma Gustavo Palhares, CEO da Ease Labs
Ease Labs recebeu 27 milhões de reais em investimentos para ampliar mercado de tratamentos com canabinóides e psicodélicos.
A indicação de produtos derivados de cannabis para o tratamento de doenças e condições de saúde esbarra, na maioria dos casos, na falta de comprovação científica robusta. Apesar de universidades realizarem pesquisas iniciais, que indicam potencial terapêutico para uma gama de sintomas, ainda são poucos os exemplos de estudos que seguiram as fases de desenvolvimento tradicional de um medicamento. Com tanto potencial de mercado, há empresas, como a Ease Labs, se preparando para seguir o caminho necessário no futuro.
Até porque o cenário vai mudar, já que a atual regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) obriga que as farmacêuticas desenvolvam, no prazo de 5 anos a partir da autorização de produtos, pesquisas clínicas que comprovem a eficácia e segurança dos canabinóides. Expirado o prazo, a indústria precisará registrar os derivados de cannabis como medicamentos.
Em entrevista ao Futuro da Saúde, Gustavo Palhares, CEO e fundador da Ease Labs, fala sobre as estratégias da indústria para reduzir o preço e aumentar o acesso, os planos para fornecer Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) para a região e a busca por novos produtos: os medicamentos psicodélicos. “Construímos nosso negócio para ser um veículo de lançamento de inovação. Estamos construindo um case com a cannabis, mas existem outras soluções que a gente pretende explorar”, afirma.
A farmacêutica tem focado em aquisições para controlar toda a cadeia produtiva, a partir das genéticas da planta. Atualmente, já conta com um produto de canabidiol (CBD) disponível nas farmácias e outros na fila da avaliação da Anvisa.
Leia os principais trechos da entrevista abaixo:
Como você analisa o mercado de cannabis hoje no Brasil?
Gustavo Palhares – O mercado da cannabis está em um momento muito interessante. A Anvisa criou uma regulamentação que teve dois estágios, o primeiro foi a regulamentação da RDC 17/2015, que passou a permitir a importação direta por pacientes de produtos não registrados. Depois, no começo de 2020, publicou a RDC 327, prevendo regras de registro na Anvisa para vendas em farmácia. Essa primeira regulamentação de importação direta criou um mercado relativamente grande, mas começou a criar alguns outros desafios e desconfortos ao regulador, porque começaram a entrar produtos que não têm qualidade. Apesar de ter um mercado interessante criado aqui, tem muito produto fora de qualidade, porque são produtos não registrados onde a Anvisa não consegue garantir a segurança. Por outro lado, ela entrou com a RDC 327 que prevê a necessidade de ter qualidade para ganhar registro, as empresas se prepararam e estão entrando nesse mercado, que está crescendo. A nossa visão é que assim que esse mercado da farmácia conseguir apresentar preço e capilaridade, a gente vai ver uma transição muito forte do mercado de importados para as farmácias. É um movimento natural e nós, como empresa, estamos atuando justamente na questão preço. Capilaridade a gente já tem, 1500 pontos de venda da Raia Drogasil, e vamos aumentar ainda mais, podendo chegar a 4 mil pontos. Preço sempre foi uma preocupação nossa. Nas próximas semanas vamos começar a lançar programas de desconto bastante agressivos, para dar acesso, que no final das contas é o ponto principal de todo mundo do mercado, e dar um produto com mais segurança disponível nas farmácias aos pacientes. E aí, a gente vê uma possibilidade muito grande de crescimento do mercado nas farmácias.
Vocês já possuem um produto disponível nas farmácias e existe outro em processo de avaliação pela Anvisa. Qual a expectativa da chegada dele e como pode aumentar o mercado da Ease Labs?
Gustavo Palhares – O nosso produto é o primeiro da fila da Anvisa. Infelizmente é um tempo que a gente não consegue estimar, mas temos uma confiança muito grande de que será rápido. A gente sabe que a Anvisa estava muito dedicada na revisão da RDC 327 e por conta disso a fila de análise perdeu velocidade. Com a finalização da revisão, existe a expectativa de acelerar a análise e lançarmos esse produto o quanto antes. Nossa maior aposta é que neste ano sai. Esse produto vai ser o primeiro extrato com THC formulado no Brasil. Vai ter um custo muito interessante e com um foco principal em fibromialgia, demências, inflamações pós-prática esportiva e dor inflamatória.
A regulamentação da Anvisa prevê que após 5 anos de autorização, os produtos com cannabis medicinal precisam ser registrados como medicamentos, com comprovação de eficácia e segurança. Para quais tratamentos vocês estão realizando pesquisas clínicas e em que fases os estudos estão?
Gustavo Palhares – Estamos iniciando os nossos estudos, em fase preparatória do nosso protocolo clínico. Infelizmente eu não posso te dar a indicação que estamos trabalhando. Nosso registro é recente, saiu em dezembro de 2022, temos tempo.
O que mais podemos esperar de lançamentos da Ease Labs?
Gustavo Palhares – Temos mais outros dois produtos na fila da Anvisa e mais quatro em desenvolvimento internamente que vamos protocolar. Nossa área de P&D atua em três linhas. Produtos de cannabis, onde estamos desenvolvendo diversas outras apresentações farmacêuticas com muita inovação já vindo nas próximas formulações, principalmente com o aumento da biodisponibilidade desses produtos, que faz com que o custo do tratamento reduza porque irá ser mais potente. Uma linha de medicamentos fitoterápicos, que pretendemos lançar 2 produtos no 1º trimestre de 2024. E uma linha dos próximos blockbusters. Sabemos que a cannabis tem um campo de exploração para os próximos 10 anos, mas já trabalhamos no que vai vir depois. Tem vários ativos ao redor do mundo que estão sendo altamente pesquisados e chamando muita atenção, e queremos ser pioneiros nesses outros mercados também. Tudo no campo natural, na linha dos psicodélicos.
Hoje, quais as estratégias de crescimento da empresa e quais as expectativas de faturamento para 2023?
Gustavo Palhares – Nossas expectativas de crescimento são acelerar as vendas do produto próprio, realizar parcerias com outras indústrias farmacêuticas que já estão bem consolidadas no mercado e a gente consegue entrar trazendo velocidade a elas, entrar também na linha de fornecimento ao governo, principalmente via licitações, a gente sabe dos movimentos do Estado de São Paulo e outros, e também na linha de fornecimento do insumo botânico e de cannabis. Nossa expectativa é crescer 4 vezes neste ano em relação ao faturamento de 2022
Vocês irão fornecer IFAs a outras indústrias farmacêuticas?
Gustavo Palhares – Exatamente. O que acontece é que na área de medicamentos sintéticos existe essa dependência do fornecedor de insumo de fora, mas o mercado sintético já é um mercado super evoluído. Então, você consegue ter um fluxo que funciona. O mercado da cannabis é um mercado muito novo, mesmo ao redor do mundo. O primeiro país que regulamentou de verdade foi o Uruguai em 2013, tem 10 anos no mercado. Então, não tem maturidade suficiente para garantir o supply internacional. Por isso, a nossa estratégia.
Vocês captaram R$ 12 milhões com a MadFish e agora R$ 15 milhões com o Itaú BBA. Quais os objetivos?
Gustavo Palhares – Com a Madfish inicialmente a captação era mais voltada a desenvolvimento de portfólio e estratégia de verticalização, Capex para a gente terminar a verticalização da cadeia. Já o capital do BBA e outros investimentos que eventualmente a gente traga tem o foco em destravar as nossas linhas de geração de receita.
O mercado financeiro está mais aberto para investir em cannabis?
Gustavo Palhares – Estados Unidos e Canadá foram os mercados que trouxeram um fluxo de capital, tiveram uma abertura de mercado muito rápida e com barreiras de mercado pequenas, com poucos pré-requisitos de qualidade. Entrou muita empresa no mercado, teve muita oferta, mas muitos produtos sem qualidade e sem uma regulamentação robusta. Isso fez com que apesar do crescimento da demanda o valor do mercado despencasse. Hoje, eles têm um problema grave para poder tentar reverter essa situação. Nos Estados Unidos, o FDA está tentando regular agora, mas talvez seja tarde demais. O Brasil escolheu um caminho que na nossa visão é mais assertivo. Colocou os canabinóides dentro do mercado farmacêutico, que é um mercado com altas barreiras de entrada e uma geração de valor de longo prazo maior. A estratégia da Anvisa foi muito assertiva para a valorização do mercado em longo prazo. Cada vez mais que as empresas percebem que o mercado financeiro começa a entender isso, gera uma boa oportunidade de investimento. Além disso, como a Anvisa fez a exigência de precisar entregar estudos clínicos nos próximos 5 anos, o Brasil vai ser líder de pesquisa clínica com canabinóide no mundo. É um grande valor ao nosso país, que o mercado brasileiro está começando a entender agora e o mercado internacional não entendeu.
Está nos planos da Ease Labs desenvolver produtos de cannabis fitoterápicos e como suplementos? É possível que o Brasil tenha uma regulamentação nesse sentido, similar ao que ocorre nos EUA?
Gustavo Palhares – A gente acredita que o caminho é de registro de medicamentos realmente. O caminho dos EUA foi errado, entrou empresa demais, suplemento não tem qualidade nem segurança suficiente para gerar um resultado positivo no corpo da pessoa, e estamos falando de ativos como o THC que tem que ter um controle especial. Se você quer ter um resultado, não adianta você ficar comendo gummies ou liberar vape onde não se consegue medir a dosagem. A indústria farmacêutica traz a ciência para esse campo natural para garantir que o resultado vai ser positivo. O interessante é que o que a Anvisa mais quer é que tenha preço. Vai ter e é possível.
Como a aquisição da Colômbia Cannabis Company (CCC) pode alavancar o trabalho de vocês?
Gustavo Palhares – Principalmente na ponta da genética da planta. Isso faz uma diferença quando a gente fala dos produtos que têm mais de um canabinóide, que são os extratos, que é esse segundo produto que a gente vai lançar. A formulação deste produto tem origem na genética da planta, então é importante deter esse valor prioritário para criar essa cadeia única. Quando a gente tem o controle da genética, a cadeia toda produtiva e o estudo clínico, comprovamos que aquele produto, que foi fabricado com aquele processo, daquela cadeia, tem o resultado desejado. Isso tem um valor gigantesco. Quando é de origem natural é outra história, você não pode fazer bioequivalência como nos sintéticos.
E a aquisição da Catedral, qual o papel dela nos negócios da Ease Labs?
Gustavo Palhares – Fizemos um rebranding e hoje ela se chama Semeya. São três objetivos estratégicos. Garantir uma expansão de portfólio, produzindo insumos diferentes que vão gerar produtos diferentes na ponta da indústria farmacêutica, inclusive de produtos acabados na Ease Labs. Além disso, traz mais margem para nossa cadeia que permite que a gente dê mais descontos agressivos e permita o acesso. E também dá uma linha de receita diversificada para a venda de insumos. Você pode produzir o IFA de canabinóides a partir do material de partida que vem do processo de extração. A gente não pode extrair aqui, não é permitido lidar com matéria-prima vegetal, mas podemos comprar o extrato na forma mais bruta e fazer o processo de purificação e padronização até chegar nos IFAs que a gente deseja. Entre a CCC e a Semeya, o processo vai continuar terceirizado sob a gestão da CCC.
Qual o caminho que a Ease Labs vê para conseguir reduzir os custos dos produtos e aumentar o acesso? É possível concorrer com os produtos importados?
Gustavo Palhares – É possível sim e vamos vir com uma novidade nas próximas semanas comprovando isso. Hoje já temos margem para chegar nesses preços, mas queremos fazer isso de uma maneira bem estruturada utilizando nosso PBM (Programa de Benefício em Medicamentos). Assim, conseguimos ter acesso a dados de mercado também. E com a integração da cadeia ganhamos mais margem ainda.
A entrada gradual de cannabis no SUS, atualmente em diversos estados, pode ser um caminho para os negócios? Já possuem algum acordo nesse sentido?
Gustavo Palhares – A gente atua nessa comunicação via as associações de classe que a gente participa, mas como indústria não fazemos essa comunicação direta. Mas sabemos que estamos prontos para apoiar o Estado como eles precisarem, seja com fornecimento de produto ou de tecnologia.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.