Gisela Bellinello, vice-presidente da Medtronic: “Discussão sobre tecnologia deve olhar resultados e benefícios para o sistema e jornada do paciente”

Gisela Bellinello, vice-presidente da Medtronic: “Discussão sobre tecnologia deve olhar resultados e benefícios para o sistema e jornada do paciente”

Em novo episódio de Futuro Talks, Gisela Bellinello fala sobre o papel das inovações tecnológicas para a sustentabilidade do setor da saúde

By Published On: 10/02/2025
Gisela Bellinello no Futuro Talks

 

A tecnologia exerce um impacto significativo no setor da saúde. Se, por um lado, implantar inovações pode elevar custos, por outro, ela pode otimizar a recuperação dos pacientes e, consequentemente, reduzir tempo e gastos com internações, por exemplo. Neste contexto, uma discussão ampliada deve abordar não apenas custos e preços, mas também resultados e benefícios das tecnologias. Essa é a perspectiva trazida por Gisela Bellinello, vice-presidente da Medtronic, no novo episódio de Futuro Talks.

Ao longo da entrevista, Bellinello conta como empresas de dispositivos médicos como a Medtronic tem aumentado seu papel no ecossistema de saúde para além da venda de produtos para cirurgia. Ao trabalhar em parceria com seus clientes para pensar em soluções inovadoras, ela conta que é possível reduzir custos e impactar no desfecho clínico do paciente.

A importância do Brasil no mercado da saúde e as inovações em robótica e inteligência artificial também foram assunto da conversa. Para ela, a robótica vai continuar tendo um papel de destaque dentre as tecnologias da medicina nos próximos anos, e exige uma formação contínua das equipes médicas para lidar com novas técnicas e aparelhos.

Durante a conversa, a vice-presidente também falou sobre o debate em torno da regulação da IA, que deve movimentar o setor da tecnologia nos próximos meses. Na sua perspectiva, o assunto deve ser debatido por todos os agentes do setor da saúde, com um ponto crítico em relação à ética do seu uso.

Confira o episódio completo:

 

Eu quero começar te ouvindo um pouco sobre o momento atual da Medtronic. Onde estão os olhares nesse momento da Medtronic aqui no Brasil?

Gisela Bellinello – Vou começar falando um pouquinho da história da Medtronic mundial. A Medtronic é uma senhora de 75 anos e, no Brasil, nós estamos há 50 anos. Então é uma empresa que nasce numa garagem, como muitas outras, nos Estados Unidos, em Minneápolis, e que faz investimentos. Primeiro começa com a parte mais de manutenção e depois entra na parte de investimento de dispositivos médicos, em geral dispositivos médicos implantáveis. Então quando olhamos para o Brasil, dentro do contexto Medtronic, é um mercado bastante importante. Temos uma população bastante grande no Brasil e um sistema de saúde complexo, mas também bastante estruturado. Então isso torna o país um mercado que atrai os olhos da organização, não somente para investimento em ser fornecedor, mas também em ser parceiro de várias instituições aqui e fazer investimentos também em pesquisa clínica, que também fazemos localmente. Nós temos duas fábricas que também fornecem tanto no Brasil quanto fora dele. Diante de toda a complexidade, o mercado brasileiro representa a oportunidade de trazer novas tecnologias e continuar investindo em novas tecnologias aqui também.

Essa participação do Brasil tem crescido, pensando do ponto de vista de negócio? O Brasil está se tornando cada vez mais importante?

Gisela Bellinello – Sim, o mercado de saúde no Brasil se torna cada vez mais importante. Então à medida que temos crescimento econômico, temos mais pessoas participando desse sistema de saúde, mudança de governo com mais investimento no SUS, então por si só você tem um crescimento desse mercado e do olhar para a área de saúde. Então, sim, o mercado vem crescendo e vem atraindo mais atenção.

Gostaria agora de falar um pouco sobre as fábricas da Medtronic. O que é fabricado no Brasil, o que dentro disso é aproveitado aqui e o que é exportado?

Gisela Bellinello – Temos um grande volume de produção local que é para o mercado brasileiro e uma pequena exportação. Então as nossas fábricas atuam na parte cirúrgica. Tem a parte de suturas e também alguns equipamentos que são usados na parte de cirurgia, tanto geral quanto plástica. Trabalhamos com esses equipamentos e produtos de fios de estruturas que são produzidos para o mercado local. Nós temos duas fábricas, uma em São Paulo e uma no sul de Minas. E recentemente houve essa decisão de fazer a expansão da fábrica pela importância desse mercado local.

E ainda no assunto de fábrica, com a mudança de governo, tivemos um olhar muito específico para o fortalecimento do SUS, inclusive com incentivo para a criação de um complexo econômico industrial da saúde no país. E algumas companhias estão sendo provocadas a participar mais ativamente disso, para ter essa produção nacional. Como que você vê isso? Isso de alguma forma interferiu na tomada de decisão da expansão da fábrica local? É um assunto separado, mas também importante?

Gisela Bellinello – Eu acho que é super importante que continuemos fortalecendo e incentivando o crescimento da produção local no Brasil. Então eu sou uma grande proponente do país e da necessidade de ter esses investimentos. Com relação à Medtronic, sim, nós avaliamos junto às associações como se fortalece esse sistema de saúde através desses incentivos a investimentos. Essa decisão que nós tomamos de expansão da fábrica não está ligada com esse potencial de investimento. Ela foi uma decisão separada, já vinha encaminhada, então não teve uma ligação.

Vamos falar agora sobre a dinâmica de negócios. Nesse contexto de dispositivos médicos, uma mudança tem acontecido de uma forma gradual, de cada vez mais as empresas entrando na discussão, junto com operadoras, com hospitais, trabalhando mais em parceria. Você tem visto e participado desse movimento?

Gisela Bellinello – Sem dúvida nenhuma. Se você olha os desafios de saúde, eles não são só do país, são do mundo. Quando você vê o número de pessoas que precisam ser tratadas, como o acesso é muito difícil, e quando falamos de tecnologia, falamos de tecnologia que pode aumentar o custo. Nessa discussão de aumento de custo, você também tem que fazer uma avaliação mais de longo prazo para dizer como a tecnologia impacta o desfecho, o resultado, e talvez traga benefícios de custos, não somente no preço em si do produto, mas no longo prazo.

“Quando olhamos esses dois pilares, que é o desafio de custos que todas as operações de saúde têm, e como inserimos tecnologias novas nessa discussão, não tem outra forma a não ser você sentar para fazer uma discussão que seja ampliada, que não pode simplesmente falar sobre custo ou preço, mas que fala sobre desfecho, resultado e benefícios”.

Então, estamos participando disso ativamente. Em 2021, nós decidimos fazer um investimento de R$ 5 milhões em uma área específica de serviço de valor agregado. Nós temos a ideia de ter, primeiro, um grupo de pessoas com este foco. É um foco de sentar para discutir os desafios, como a nossa tecnologia pode ajudar, mas como ampliar isso para outras áreas que sejam importantes. E eu vou te dar um exemplo. Dentro dessa área de serviço de valor agregado, nós temos uma associação com uma instituição internacional que nos ajuda a certificar instituições para a recuperação rápida depois de cirurgia. Nós atuamos fortemente em cirurgia e recuperação rápida pós-cirurgia significa redução de custos e benefício para o paciente. Então, com essa certificação, nós auxiliamos os nossos provedores, que são nossos clientes, a revisarem os seus processos, para chegar no resultado final melhor, ajudamos todo o sistema de saúde com um foco completamente diferente de pura e simplesmente vender um produto para a cirurgia. Então, hoje nós temos um trabalho junto com o Hospital Oswaldo Cruz e outros parceiros também muito interessados nessa certificação. E esse é um dos exemplos de muitos outros que nós temos. Vou te dar mais um, que eu acho que esse é um tema necessário de uma responsabilidade de uma empresa, como a Medtronic, que é uma das maiores empresas ou a maior empresa do mundo de medical devices, que vai muito além do fornecimento da tecnologia. Hoje temos um acordo de risco compartilhado com a Unimed Campinas, que está ligado ao stent. Caso tenha algum problema com paciente que obrigue uma nova implantação em um determinado período de tempo, nós não vamos cobrar por um novo produto. E para chegar num contrato como esse, passamos por várias etapas de discussão para ver o que é relevante para este cliente. Porque não dá para você dizer que você vai trazer o mesmo contexto para qualquer cliente. Então, esse serviço de valor agregado é muito customizado e vai sendo construído em conjunto com os nossos clientes para aquilo que é relevante também para a estratégia deles.

Muito sob medida, então, não é?  Pelo o que você trouxe, foi uma iniciativa Medtronic em 2021. Como o ecossistema reage a isso? Em um primeiro momento vocês batiam, olha aqui, temos isso, e agora eles também provocam, assim, o que vocês podem trazer para a gente? Isso acontece?

Gisela Bellinello – Acontece muito. Eu acho que o mercado foi percebendo a necessidade de falar de forma mais ampliada, vendo exemplos também que estão acontecendo, que estão sendo veiculados. Então, a provocação acontece. Por isso que eu disse que é muito caso a caso. Nós temos várias oportunidades de discussão para os mais diversos players. E temos um grupo que é como se fosse mesmo uma consultoria, não é? Então, muitas vezes sentamos para conversar e também identificamos oportunidades que já estão desenvolvidas dentro das instituições, dos hospitais, oportunidades interessantíssimas. E vamos identificando como que podemos agregar para aquelas oportunidades. Então, sim, hoje temos sido provocados a participar.

E o grau de maturidade para essas negociações tem melhorado? A conversa tem fluído de uma forma mais fácil?

Gisela Bellinello – É, eu acho que a conversa, sim, flui. Eu não sei o mais fácil, porque eu acho que tem uma série de questões relacionadas à parte financeira e econômica hoje que fazem com que nós tenhamos várias etapas para chegar em um resultado final. Mas acho que isso faz parte de construção de modelos de negócios inovadores. Você tem que estar preparado e ser flexível para essas discussões. Elas tomam mais tempo, mas certamente fortalecem o relacionamento, a possibilidade de que nós identifiquemos o melhor impacto que vamos trazer e que vamos efetivamente impactar o nosso cliente muito além de só as tecnologias, que são tecnologias fantásticas, mas você tem uma expansão aí da discussão.

Outro dia eu estava num evento e tinha uma discussão sobre essa importância do valor em saúde, de você trazer o resultado que faz diferença para todo mundo, inclusive se preocupando com essa questão do desfecho, do resultado e também da economia. E aí o debate estava muito em torno de sentirmos falta de ter mais cases. E aí eu queria te ouvir sobre isso. Qual é a importância de ter mais e divulgar mais cases dentro da área da saúde?

Gisela Bellinello – É super importante. Não é um produto que você tira da prateleira. Então essas construções são importantes e a divulgação, a discussão, entender o resultado que nós estamos atingindo, como que vamos chegar. Temos feito isso também. Nós fizemos um trabalho anteriormente na parte de obesidade, da jornada do paciente e identificação de impacto. Desde a entrada para uma clínica de metabolismo e cirurgia bariátrica, identificação de qual seria o melhor tratamento, até o direcionamento para a cirurgia bariátrica, se era necessário ou não, e qual foi o resultado final. Então fizemos todo o mapeamento disso e a dois anos atrás nós fizemos a apresentação durante um evento da Anahp, junto com os médicos para discutir aquele tema e trouxemos outros parceiros que não participaram, mas que estavam ali para desafiar. Desafiar o que foi feito, desafiar os resultados, identificar questões que talvez para aquela instituição não tivessem tanta relevância. Então eu acho que esse ponto: precisamos sentar para conversar, porque o desafio é de todos nós.

“Esse desafio relacionado à parte econômica e da sustentabilidade do setor é coletivo. Então sim, os exemplos, a oportunidade de discutir dentro e, mesmo depois de finalizado, provocar essa discussão com vários players da comunidade de saúde faz parte do trabalho que temos feito.”

Bom saber disso, eu acho que esse é o caminho que a gente vai ver cada vez mais, cada vez mais resultados, aí uma pessoa vê um case, ela vai te procurar e as coisas vão crescendo dessa forma.

Gisela Bellinello – Exato.

Agora vamos falar sobre tecnologia. Estamos numa crescente do papel da tecnologia na saúde, desde o desenvolvimento de novas moléculas, de tratamentos oncológicos, doenças raras, mas também dispositivos médicos, com cada vez mais tecnologia embarcada e agora a IA permeando todo esse universo. Queria te ouvir sobre a sua perspectiva do que você tem visto e do que vocês têm na Medtronic e como que essa tecnologia está ajudando a revolucionar a saúde.

Gisela Bellinello – Sim, Medtronic é uma empresa de inovação e investe 2,7 bilhões de dólares no mundo em novas tecnologias. Há três anos, a empresa tomou a decisão de trazer um chief information officer, com foco exclusivamente na parte de informação, inteligência artificial, machine learning, embarcado nos nossos produtos. Hoje, já aparecem produtos nossos no mercado com inteligência artificial embarcada. Eu vou te dar alguns exemplos do que a tecnologia tem trazido de benefícios. Dois anos atrás, nós trouxemos um equipamento Mazor, de robótica, para a cirurgia de coluna ao Brasil. Com ele, há a possibilidade do médico importar as imagens da coluna do paciente para o sistema. Então, aqui você já tem um pouco de importação de informação que vem talvez de uma área diagnóstica e tudo mais, você traz para esse sistema e você prepara toda a operação, a cirurgia, através desse software e você tem a precisão de onde colocar os implantes, que são os parafusos, na coluna desse paciente. Essa precisão é de 98%. Essa tecnologia traz o benefício da preparação da cirurgia e da previsibilidade. Então, o próprio médico tem mais confiança no momento da cirurgia em cada um dos detalhes da implantação dos parafusos, porque ele está sendo guiado por um software. Quando o paciente finaliza essa cirurgia, ele vai ter uma recuperação mais rápida, um risco de problemas pós-cirúrgicos muito reduzido e aí você tem uma recuperação e um tempo de internação muito menor. Então, essa é uma das tecnologias mais jovens que trouxemos, que está aqui no mercado.

E onde está essa tecnologia?

Gisela Bellinello – Nós temos dois desses robôs aqui no Brasil: um no Hospital Albert Einstein e outro no SUS, no Hospital de Clínicas de Ribeirão Preto, o que para nós é um grande orgulho. Obviamente, temos uma fila ainda grande. Então, quando falamos em tecnologia, em investimentos, em embarcar em inteligência artificial, é um olhar da Medtronic não somente a tecnologia pela tecnologia, pelo desfecho, mas também como que isso ajuda na sustentabilidade do setor. Como você faz essas reduções, que são custos que vão se adicionando. Então, reinternação porque não deu certo ou a pessoa não consegue voltar ao trabalho. Não é um custo do sistema de saúde, mas acaba sendo um custo para o governo, por exemplo, se essa pessoa tem que ser aposentada. Se você olha todos esses custos associados, você começa a identificar como a tecnologia tem um impacto importante dentro de todo o sistema de saúde. Esse é um exemplo. Quando a gente olha para futuro, nós continuamos investindo na robótica. A robótica é futuro para a área cirúrgica, tanto em cirurgia geral quanto a cirurgia de coluna. Nós temos outros que virão, que entrarão no mercado brasileiro. Quando a gente fala de inteligência artificial, aí eu tenho dois exemplos para te dar. Nós temos um sistema de inteligência artificial que se chama Touch Surgery, que tem o objetivo de capturar imagens reais de cirurgia em andamento e usar essas informações para treinamento pós-cirurgia. Então, usar a informação de tudo o que está acontecendo ali…

É tipo uma caixa preta, assim.

Gisela Bellinello – É como se fosse isso. Ele captura informações e vai treinando o médico após, usando essa informação para dizer quais são as melhorias que poderiam acontecer. Além disso, isso ajuda muito a expandir o treinamento para médicos em outros lugares. Com esse repositório de informações que você vai criando, você pode acelerar o treinamento de médicos nessa área cirúrgica. E um outro que estamos trazendo para o Brasil se chama G.I. Genius. Ele é um sistema também de software associado à parte endoscópica, endoscopia, que auxilia e expande a identificação de pólipos, que antes estavam sendo identificados pelo médico a olho nu. Eles auxiliam na identificação, mesmo de formações muito pequenas. Então, vão dando as dicas ali para o médico do que está acontecendo.

E esse último, ele vai chegar no Brasil esse ano?

Gisela Bellinello – Ele deve chegar em 2025.

Pensando nesse contexto de cenário de tecnologia e acesso, acho que esse é um ponto que vale destrincharmos um pouco mais. Quando vem uma nova tecnologia, obviamente, o paciente quer ter acesso, o médico que está na linha de frente, que estuda e que sabe o poder que a inovação tem, também quer ter acesso, temos esse dilema da questão do financiamento, do SUS. Você falou sobre os desfechos associados, por exemplo, você faz uma cirurgia, então tem menos reinternação e tal. O SUS está preparado para essa discussão? Hoje em dia, há mais espaço para se debater? Ninguém mais olha só o preço do robô, o preço da máquina, mas o que ela traz junto com ela?

Gisela Bellinello – É um tema bem interessante. Eu estive recentemente participando de um evento da Anvisa, e a pessoa da Conitec estava lá, e nós tivemos uma breve discussão sobre isso. Eu acho que todo mundo identifica claramente, dentro deste grupo, a necessidade de fazer uma avaliação mais a longo prazo e mais ampliada. Dependendo da tecnologia, você vai ter um lado ou outro, às vezes os dois. E o que eu quero dizer a longo prazo é que são esses outros impactos que nós temos. Vou te dar um exemplo de AVC. Ele é uma causa de morte importante no Brasil, e não só de morte, mas também de pessoas que ficam fora da sociedade em relação à produtividade, porque tem sequelas do AVC. A trombectomia mecânica é uma tecnologia que foi aprovada no SUS no ano passado. Nós tivemos essa aprovação, existem dez, acho que agora estamos indo para onze centros no Brasil que estão preparados para fazer a trombectomia mecânica. E ali você tem um benefício, claro, que é um benefício expandido dessa tecnologia. Então, foi aprovado, a gente participou, inclusive, de todo o processo de aprovação. A Conitec fez uma avaliação, que era uma avaliação ampliada, não somente da tecnologia, mas uma avaliação ampliada de quais são as sequelas. Então, vou te dar um exemplo em relação a custos.

“Um ano de uma pessoa que tem sequelas de um AVC, de um tratamento, custa R$123 mil para o sistema, e aí 70% disso às vezes coberto pela família. Fora os impactos da própria pessoa às vezes não poder retornar a ter uma vida produtiva, os impactos para a família. Então, o preço em si da tecnologia tem que ser avaliado também com esses âmbitos”.

Bem, existe um desafio? Não tenha dúvida. Sabemos que budget, muitas vezes, são feitos para o ano, não são feitos para daqui a cinco anos. Então, esses desafios vão continuar acontecendo, e essas são discussões que temos que continuar provocando dentro do sistema, não digo a Medtronic, todos nós que trabalhamos no sistema de saúde. Então, acho que voltando ao meu comentário da Conitec, essa discussão e a posição foi essa, que a gente tem que continuar avaliando de forma expandida, mas a gente vai ter sempre que equilibrar com a disponibilidade de orçamento.

E no caso da trombectomia que você trouxe como exemplo, hoje ela está presente nesses onze centros?

Gisela Bellinello – Sim. Tenho um outro comentário a fazer sobre isso, que mostra para a gente a importância de uma continuidade. O ano passado nós recebemos o Jeff Mata, que é o CEO mundial da Medtronic. Ele veio para o Brasil, e tivemos uma mesa redonda com médicos que trabalham nesses centros para avaliar como podemos ajudar a expandir a utilização, porque você tem uma série de outros aspectos. Uma questão é você apoiar que a tecnologia seja aprovada, só que depois você tem a implementação, e esse processo passa por várias fases. Então, no caso da trombectomia mecânica, você tem o seguinte, a identificação do diagnóstico do paciente prematura, que seja o mais rápido possível, é essencial, porque você tem uma janela para conseguir tratar esse paciente. Quem está atendendo na parte primária tem que saber identificar e direcionar esse paciente para um desses centros. No tamanho do Brasil, 11 centros ainda são poucos, têm oportunidade de crescer, mas o que nós identificamos ali naquela discussão é uma necessidade de trabalhar ali no começo, nessa parte do diagnóstico e do encaminhamento para os centros. Então, veja, é muito mais do que só a aprovação da tecnologia.

O trabalho não acaba ali só com a aprovação, né?

Gisela Bellinello – Não. Ali é só o começo. O trabalho envolve treinamento dos profissionais que vão usar a trombectomia, mas também nessa avaliação de toda a jornada do paciente para ser tratado.

Quando se fala de robótica, por exemplo, eu lembro os primeiros robôs que surgiram e a empolgação por trás disso e como a gente tinha poucos médicos capacitados e isso de alguma forma foi se ampliando. Como você vê esse movimento? Os médicos estão mais interessados em robótica? Essa tecnologia tem se tornado mais acessível?

Gisela Bellinello – Sim, os médicos estão mais interessados. É óbvio que você tem interesses diferentes, como em qualquer nova tecnologia, mas claramente você tem aí uma curva de adoção que está se acelerando. Existe sim um investimento na parte de treinamento e educação médica, tanto localmente quanto fora do Brasil. No caso da Medtronic, temos as duas oportunidades e trabalhamos cada vez mais em focar a acessibilidade para que não tenha uma necessidade de sair do Brasil para fazer o treinamento, então como que a gente transforma essa oportunidade de ter um treinamento também realizado no país de tal forma que seja mais acessível.

“Temos visto cada vez mais que os médicos têm interesse em ampliar a utilização da robótica e que as instituições de saúde, os provedores têm interesse em ampliar o número de médicos treinados para poder utilizar a tecnologia. Então esse movimento tem acontecido, com certeza”.

Agora vamos falar sobre diversidade, inclusão, equidade e sustentabilidade. Essas pautas estão em baixa se pensarmos no que está acontecendo nos Estados Unidos com a aposta do novo presidente, Donald Trump, mas eu sei que a sustentabilidade especificamente, e as outras pautas, são bem importantes para a Medtronic. Você acredita que ela vai continuar sendo importante? Como que você vê o cenário diante dessa influência global?

Gisela Bellinello – Sim, a pauta de sustentabilidade, falando tanto da parte social, diversidade e inclusão, quanto da parte ambiental é muito importante para a Medtronic.

“Em 1964, nosso fundador fala uma frase que se mantém até hoje como um pilar importante para a nossa organização, que é: “eu sonho com um mundo onde mais mulheres são líderes”. Então isso demonstra o quanto a parte de diversidade e inclusão já era importante para a empresa independente de uma pressão política ou governamental. Isso acontece dentro da organização. Nós temos hoje no Brasil 56% de mulheres na organização e na nossa liderança são 50% de mulheres”.

A pauta ambiental também super importante. Então somos signatários de vários acordos com o objetivo de redução de resíduos. No final do ano passado, nos lançamos nosso relatório de impactos. Tivemos 32% de redução de resíduos, através de diversas mudanças de materiais, de tipo de embalagem nas nossas fábricas e também um foco na parte de energia. Hoje nós temos 42% de energia renovável e com o objetivo de chegar nos próximos dois anos a 50% em algumas das nossas fábricas, principalmente com foco nas fábricas da Irlanda. Então isso faz parte do nosso DNA. O que a gente tem sentido é também uma provocação dos nossos parceiros e clientes em trazer a Medtronic para uma discussão para dizer como vocês nos auxiliam a chegar nos nossos objetivos. Ou seja, as empresas têm provocado a Medtronic para “como a gente faz isso juntos?” No ano passado nós fomos premiados pelo Hospital Sírio-Libanês numa pauta exatamente relacionada à parte ambiental. A discussão era como nós podemos melhorar a parte tanto de resíduos com as caixas que vão com os nossos produtos. Nós começamos a trabalhar caixas renováveis e retornáveis. Então a gente fez esse trabalho com o pessoal do Sírio-Libanês e também na roteirização das entregas com o objetivo de reduzir o uso de combustível. Foi uma provocação, nós sentamos para discutir quais eram as áreas que a gente poderia explorar. E, a partir disso, fizemos a implementação. Nós temos outros hospitais que têm provocado a Medtronic. E, de novo, acho que aqui também temos esse empreendedorismo, que é sentar para discutir o que é relevante para cada um dos parceiros e como a gente trabalha em conjunto para ver o que vai ser impactante. Na parte ambiental, a gente está muito ligado nessa parte de energia renovável, redução de resíduos, redução de consumo de água. Então todo esse é o contexto com o qual a gente trabalha. Mas não para por aí. Eu vou te dizer, na parte social, e trabalhar em ações sociais com parcerias com os hospitais e ações das fundações dos hospitais também é uma pauta que temos levado e que nos dá muito orgulho porque está muito alinhada com a nossa estratégia e visão de negócios, que vai muito além de simplesmente ser um fornecedor.

E isso não deve enfraquecer daqui para frente, não é?

Gisela Bellinello – Olha, eu não acredito. Nós já tivemos, inclusive, essa discussão abertamente com o nosso CEO e eu volto à nossa história. Nós nunca precisamos de uma parte externa para trazer essa obrigação para dentro da Medtronic. A Medtronic nasce com essa visão da parte de diversidade.

Quero te ouvir um pouco sobre próximos passos. Para onde estão os olhares da Medtronic? Quais são as novas tecnologias que vão vir por aí? O que está no pipeline? Dá para falar de futuro um pouco longe, mas eu também queria um futuro próximo ali em 2025.

Gisela Bellinello – Bom, a gente falou de GI-Genius, que é algo que é próximo, que vai acontecer na parte de endoscopia. Quando a gente fala de diabetes, que é um negócio um pouco diferente, que não está tanto ligado à parte hospitalar, é uma área de foco que nós temos na Medtronic mundialmente. Hoje, o nosso foco é na parte de bombas de diabetes que são usadas para a inserção de insulina, sistemas inteligentes que utilizam a informação do próprio paciente para identificar a necessidade exata de insulina que vai ser injetada. Então, essa é uma das linhas que vamos continuar investindo. Hoje, o nosso foco é em diabetes tipo 1, mas nós temos produtos que vão expandir para a parte de diabetes tipo 2, que vem crescendo, obviamente, junto com a obesidade, com o estilo de vida no mundo todo. E que tem impactos importantíssimos e severos para os pacientes no longo prazo. A tecnologia é uma tecnologia que exige investimento e que quando você olha nos custos, e a gente vinha falando sobre isso, como avaliar o benefício e tudo mais, a gente tem que olhar isso em longo prazo. Vou te dar dois exemplos. Quando você tem um caso de hipoglicemia e que exige uma internação, um pronto-socorro, ele custa para o sistema R$ 12 mil. Então, você imagina com um número crescente de pessoas que têm diabetes, quanto que isso pode adicionar de custos. 42% dos pacientes que têm diabetes vão ter uma nefropatologia, um número altíssimo. Esse é uma das complicações. Quando você usa a tecnologia de dar bomba, com esse controle do nível de glicemia muito mais próximo do que seria o real e o aceitável, você reduz esse risco em 45%. O custo de uma insuficiência renal para o sistema, para uma pessoa, é de R$ 120 mil por ano. Então, essas tecnologias novas têm um impacto muito grande pelo tamanho da população que está sendo afetada e esse impacto potencial na redução de custos, além na redução de problemas para os próprios pacientes. Quando a gente fala que um controle como esse pode melhorar demais a qualidade de vida, a longevidade e garantir que essas pessoas não vão ter complicações. Então, diabetes é uma das áreas. A parte de robótica continua sendo extremamente importante. Então, a expansão do uso de robótica em diversas áreas. Hoje está em quais áreas a robótica? Temos o trabalho em ginecologia, urologia, expandindo para a cirurgia geral e cirurgia de coluna. Mas tem expansão prevista para a cirurgia de cérebro.

Tem mais?

Gisela Bellinello – Temos outras expansões que estão previstas. Então, a parte de robótica e essa inserção da inteligência artificial, com a possibilidade do touch surgery, que eu falei anteriormente, também traz aqui uma oportunidade que associa não somente o uso da robótica, mas o treinamento constante, que vai ser sempre muito importante diante da complexidade dessas tecnologias. Então, para que você tenha acesso e que o uso seja bem realizado pelos próprios médicos, esse constante treinamento é super importante. Uma outra área que vai ser sempre relevante para a gente é a área de neurostimulação, neuromodulação. São áreas que representam oportunidade em diversas áreas. Então, dor, tratamento de Parkinson. E o tratamento, por exemplo, a gente tem a neurostimulação pélvica, que ajuda em continência urinária, em continência fecal. E é interessante a gente olhar que algumas dessas enfermidades não são hoje tratadas, porque existe até uma dificuldade de falar sobre o assunto, em incontinência urinária, por exemplo. Quando você começa a falar mais sobre esse assunto, discutir mais sobre a possibilidade de ter um tratamento, que muda completamente a vida da pessoa, faz uma diferença muito grande. E a última é denervação renal. Hoje, temos um número muito grande de pacientes no mundo todo com hipertensão. E esse tratamento de denervação renal foi aprovado recentemente nos Estados Unidos, no Brasil também. Ele é um tratamento que faz uma cura na parte de hipertensão. E a hipertensão tem consequências mais diversas. Então, esse tratamento pode trazer uma possibilidade também de redução importante de sequelas e problemas para o ambiente de saúde. É uma das áreas que está sendo bastante estimulada em desenvolvimento e utilização fora do Brasil. E aqui também é uma tecnologia nova que nós trouxemos.

Uma das frentes que está, de alguma forma, embarcada dentro da Medtronic é a inteligência artificial. E a gente sabe que o mundo inteiro está debatendo a regulação dessa tecnologia. Aqui no Brasil, esse debate está acontecendo agora. E muito provavelmente vamos ter desfechos daqui para frente. Como que você vê esse debate? Quais são os temas que são talvez mais tensos e que precisam de mais discussão? E como isso pode afetar ou não o negócio da Medtronic?

Gisela Bellinello – Eu acho o debate é absolutamente necessário na comunidade como um todo. Você tem que trazer muitos players para discutir. Acho que o que é mais tenso é a parte ética. Na minha visão, a regulamentação vai ser uma e depois vai evoluir ao longo do tempo. Porque à medida que forem acontecendo desenvolvimentos, você tem as mais diversas áreas que estão sendo utilizadas e fica muito difícil de controlar tudo para fazer uma única regulamentação. É óbvio que vai afetar o nosso negócio. Mas na Medtronic, já temos uma visão médica de muitos anos da utilização de componentes médicos, de devices. Então, essa discussão ética já está dentro do nosso desenvolvimento de produtos. Eu acho que vamos participar, como em várias outras ocasiões, da discussão de como essa regulamentação pode beneficiar a sociedade. As associações têm que participar. Não é uma discussão de um grupo somente. E eu acho que é uma evolução constante onde a gente vai ver também o que se desenvolve em outros países e como isso vai afetar o que pode ser desenvolvido no Brasil.

E agora a última pergunta, que eu faço para todos os convidados: quais são as pautas que nós, do Futuro da Saúde, temos que prestar atenção na sua visão.

Gisela Bellinello – Eu acho que você trouxe muitas delas. Eu acho que tem uma questão de interoperabilidade. É uma pauta que passa por vários aspectos, até culturais, do ambiente de saúde, mas que pode desenvolver o ambiente de saúde e acelerar uma série de processos, de diagnóstico, de tomada de decisão e de facilitação dentro do ambiente. Não é uma pauta fácil. É complexa. Ela depende também da confiança entre os diversos players. Então, acho que essa é uma pauta importantíssima. Eu acho que tem uma outra pauta também, que é como esse fluxo, essa jornada do paciente, é afetada hoje por várias inovações tecnológicas que não são exclusivamente de uma das indústrias. Então, a gente tem hoje várias discussões a respeito de como o projeto Genoma Humano trouxe desenvolvimentos diferenciados e está trazendo cada vez mais áreas de terapias que transcendem o que é a indústria farma e o que é a indústria de médicos e devices. Eu acho que, em alguns casos, a gente tem até uma conexão entre essas duas indústrias. Então, esse desenvolvimento tecnológico, que talvez a palavra não seja certa, mas que é interseccionado entre uma indústria e outra, acho que a gente vai ver cada vez mais acontecendo e está ali, está na terapia dos hospitais. Temos visto hospitais investindo nessa parte de genômica. Os medicamentos oncológicos  estão cada vez mais voltados para a parte de biotecnologia. Dentro de médicos e devices, também essa visão de como que nós trabalhamos junto com a indústria farma com o objetivo final de impactar positivamente os pacientes.

Natalia Cuminale

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, com as reportagens, na newsletter, com uma curadoria semanal, e nas nossas redes sociais, com conteúdos no YouTube.

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