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Gestão e liderança devem ser baseadas na ciência, mas o que é ciência?

A gestão em saúde com base na ciência garante que os recursos financeiros escassos disponíveis para saúde não sejam usados de forma ineficiente e protege as pessoas de riscos desnecessários.

               
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Dados

A ciência nunca foi tão valorizada como agora. Com o surgimento da pandemia pelo novo coronavírus e com todas as dificuldades encontradas no seu enfrentamento, ficou claro que a ciência é o melhor e talvez o único caminho para vencer esse desafio. Existe um debate intenso entre dois supostos blocos, aqueles que são contra e aqueles que são a favor da ciência, mas o que é ciência exatamente?

Por mais incrível que pareça, esse conceito talvez não seja claro e igual para todas as pessoas. Existem algumas palavras e conceitos que são muito fortes, mas que muitas vezes são tratados de uma forma superficial e inespecífica. A primeira coisa a fazer em situações como essa é alinhar o conceito com todos aqueles envolvidos. Existem outros termos que atualmente representam algo semelhante na saúde, um deles é valor, outro conceito que é teoricamente forte, mas que na verdade é vago, já que diferentes participantes dão definições diferentes para o termo e para o conceito.

Em geral meu nome é associado e percebido como alguém que tem na ciência o seu norte, e eu concordo com isso, mas antes de chegar a essa conclusão, tive que parar para pensar o que isso quer dizer na prática.

Definição de ciência

Se formos buscar definições sobre ciência, elas são vagas. O dicionário Aurélio define da seguinte forma: “Conhecimento ou saber excessivo conseguido pela prática, raciocínio ou reflexão. Reunião dos saberes organizados obtidos por observação, pesquisa ou pela demonstração de certos acontecimentos, fatos, fenômenos, sendo sistematizados por métodos ou de maneira racional”.

Já o dicionário Oxford define da seguinte forma: “The intellectual and practical activity encompassing the systematic study of the structure and behaviour of the physical and natural world through observation and experiment” (A atividade intelectual e prática que abrange o estudo sistemático da estrutura e do comportamento do mundo físico e natural através da observação e experimentação, em tradução livre).

Se pesquisarmos no Google, vamos encontrar outras definições do termo ciência, mas o que chama a atenção é que de uma certa forma, todas essas definições são vagas. Em uma sequência natural nesse processo de tentar entender o que é ciência, a pergunta que me fiz foi, o que ciência significa para mim como gestor? Como eu descreveria essa ciência que eu digo ser o meu norte? Essa pergunta é fundamental, porque quando termos e conceitos fortes são tratados de forma diferente por interessados em um determinado assunto, na prática temos uma discussão que acaba sendo ideológica, que é algo que certamente não aceitamos como ciência.

Depois de trabalhar o pensamento por um tempo e levando em consideração aquilo que considero ser o objetivo de um gestor, consegui chegar a uma definição que acredito ser aquela que deveria nortear o dia a dia de um gestor e que hoje é aquela que eu sigo: “Ciência é informação sobre algum assunto relevante, gerada a partir de dados confiáveis, com um mínimo de complexidade, que permita construir e executar uma ação ou política, que melhora a saúde e o bem estar das pessoas e da sociedade”.

Metodologia adequada

Essa definição de ciência deixa implícito que uma metodologia de qualidade é fundamental, porque se não for esse o caso, a informação deixa de ser confiável e, não sendo confiável, deixa de ser ciência. Poderíamos caracterizar essa situação da metodologia ruim como pseudociência ou falsa ciência, mas acredito ser melhor a primeira opção para excluir qualquer menção de ciência para aquelas informações cuja metodologia é inadequada.

Isso leva a um segundo problema, que é como caracterizar e definir uma metodologia como adequada. Isso vai demandar a definição de todos os pontos e processos que precisam ser seguidos para que a metodologia seja considerada correta e válida e quais as instituições e pesquisadores que trabalham por essas regras e que, por consequência, serão aqueles e aquelas que vão ser a fonte de informações consideradas de qualidade e confiáveis.

A gestão em saúde com base na ciência garante que os recursos financeiros escassos disponíveis para saúde não sejam usados de forma ineficiente e protege as pessoas de riscos desnecessários.

Informação de qualidade é um dos pilares para uma gestão eficiente. Um grande problema é que o volume de informação produzido a cada ano cresce de forma intensa e sem qualquer controle de qualidade. O volume de informação em saúde produzido em 2020 foi aproximadamente 15 vezes maior do que aquele produzido em 2013, de acordo com relato do site Statista.com e o volume é tão grande que é medido em uma unidade que não faz parte do nosso dia a dia e foge da nossa capacidade de dimensionar e avaliar. É medido em exabytes. Um exabyte corresponde a 1.000.000.000.000.000.000 de bytes. A projeção para 2020 foi de 2.314 exabytes. Essa evolução torna cada vez mais importante a criação de critérios e políticas que consigam orientar pessoas e sociedade sobre fontes confiáveis de informação. Metodologia adequada para avaliar a informação vai ser cada vez mais fundamental daqui para frente.

Covid-19: importância de analisar dados

A Covid-19 mostra a importância e a necessidade da informação de qualidade e em tempo real. Um desafio é que essa informação vai ficando cada vez mais complexa a cada dia. Nesse momento temos que avaliar a evolução da doença nas fases aguda e crônica, as variantes e sua prevalência nas diferentes cidades, as diferentes vacinas e suas efetividades, como elas funcionam em diferentes faixas etárias, naqueles com comorbidades, em diferentes desfechos clínicos, e isso tem que ser medido em tempo real porque todas essas variáveis vão mudando ao longo do tempo. Como exemplo, um estudo feito em 2020 sobre vacinas pode não ser útil atualmente se as variantes atuais e a distribuição delas são muito diferentes daquilo que existia em 2020. Vai ficando cada vez mais difícil acompanhar os avanços da inovação e da informação.

Mas uma coisa é certa: se não desenvolvermos a capacidade de obter, avaliar e usar a informação na complexidade e na velocidade necessária, vai ser cada vez mais difícil entender o momento e planejar e implementar políticas e ações eficientes que vão melhorar o futuro. Estaremos cada vez mais voando às cegas.

Importante lembrar que informação é apenas um dos sete pilares da gestão. Restam ainda Estratégia, Planejamento, Liderança, Planejamento, Execução e Comunicação. Todos precisam ser trabalhados ao mesmo tempo e de forma intensa, mas uma característica importante da informação é que ela alimenta todos os outros seis.

Fica claro que ciência para acontecer e existir demanda um tipo complexo, detalhado, planejado, amplo e qualificado de informação. Outro ponto é que informação é uma ferramenta e não um objetivo nela mesma. O que faz diferença é como ela é usada.

Ciência é algo muito mais complexo e difícil do que se imagina.

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