Hospitais privados levam experiência e credibilidade ao assumir gestão de hospitais públicos
Hospitais privados levam experiência e credibilidade ao assumir gestão de hospitais públicos
O Instituto de Responsabilidade Social Sírio-Libanês (IRSSL) assumiu a gestão do
O Instituto de Responsabilidade Social Sírio-Libanês (IRSSL) assumiu a gestão do Hospital Regional de Registro, unidade de média e alta complexidade localizada no interior de São Paulo, a 188 quilômetros da capital paulista, no último mês de abril. O anúncio segue uma tendência dos hospitais privados de renome em atuar na gestão de hospitais públicos, emprestando sua credibilidade e levando toda a experiência adquirida ao longo de suas histórias para aprimorar a eficiência das instituições.
Apesar de não ser um movimento recente, com cases desde o início dos anos 2000, essas instituições têm buscado solidificar o seu trabalho, renovando as parcerias firmadas ao longo das décadas, e ampliado a atuação. O Sírio-Libanês, por exemplo, chega ao marco de 11 unidades geridas, entre atuação no poder público e instituições filantrópicas, e segue com planos de expandir.
Por meio da construção de organizações sociais de saúde (OSS), esses hospitais têm atuado sem fins lucrativos em unidades estaduais e municipais, seja na atenção primária, nos cuidados com a saúde mental, em ambulatórios de especialidades ou hospitais, através de chamamentos públicos de governos e prefeituras. Somente na cidade de São Paulo existem 54 organizações credenciadas, entre elas o Instituto de Responsabilidade Social do Hospital Israelita Albert Einstein e o Instituto Social Hospital Alemão Oswaldo Cruz (ISHAOC), além do próprio Sírio.
Apesar de haver outras OSS atuando no sistema público, a participação desses hospitais traz confiança para gestores e para a população, já que esse modelo de parceria é cercado de polêmicas, com casos de corrupção e críticas que apontam uma possível “privatização do SUS”. Contudo, a entrada de hospitais como o Sírio-Libanês, o Albert Einstein e o Oswaldo Cruz mostram que é possível desenvolver um trabalho sério, eficaz e que traga benefícios aos usuários do sistema.
“A parceria público-privada é um caminho. Se tivermos parcerias sólidas e sérias, tanto as instituições de saúde quanto o governo, teremos ótimos frutos. Você coloca o governo naquilo que ele realmente não pode abrir mão de executar, que é seu papel fiscalizador e regulador, com parceiros sérios para fazer a melhor entrega”, defende Ana Paula Pinho, diretora-executiva de Sustentabilidade e Responsabilidade Social do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Facilidades de contrato
Os hospitais geridos por OSS não custam menos ao estado ou município. No entanto, o ganha está na eficiência do serviço prestado. De acordo com uma análise comparativa pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, realizado em 2019, os hospitais estaduais geridos por organizações sociais de saúde são 46,1% mais eficientes do que aqueles com administração direta.
“O modelo de organização social de saúde é um modelo privado, então isso remove algumas amarras que a gestão pública acaba tendo que seguir. Isso faz com que a gente tenha mais agilidade nos processos, consiga tomar decisões muito mais rápidas, desde a contratação de colaborador porque eles precisam de concurso público e a gente não, até a compra de um material, porque eu tenho que seguir uma regra, obviamente, extremamente documentada e seguindo a lei de organização social de saúde, mas que também me traz uma agilidade muito maior”, explica Carolina Lastra, diretora executiva do Instituto de Responsabilidade Social Sírio-Libanês.
É nesse sentido da eficiência que o IRSSL começou o seu trabalho junto ao serviço público na gestão do Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, em 2008, levando a experiência junto ao poder privado. Com 92 leitos, a unidade é referência no cuidado de crianças e adolescentes e a atuação do Sírio junto a ele foi importante para abrir novos caminhos.
De lá para cá a instituição passou a trabalhar com outros hospitais de São Paulo. É o caso do Hospital Geral do Grajaú, que o Instituto assumiu a gestão em 2012. Sendo a maior unidade gerida pelo Sírio, com 260 leitos e atendendo uma população de 1 milhão de pessoas da região, o hospital é visto como uma importante referência de saúde pela comunidade, a qual tem grande atuação. Entendendo isso, o Sírio busca amplo diálogo e realiza reuniões mensais para entender a demanda e buscar melhorias junto à população.
Ainda, buscando uma integração do cuidado com os pacientes, o IRSSL passou a administrar também o Ambulatório Médico de Especialidades (AME) Dra. Maria Cristina Cury, próximo do Hospital Geral do Grajaú e que referencia os pacientes da unidade para atendimento de complexidades. Por outro lado, o hospital faz o caminho inverso, contra-referenciando quando a população precisa de atendimento especializado. Integração semelhante ocorre no Hospital Regional de Jundiaí e a AME Dona Maria Lopes.
Com o sucesso junto ao poder público, o Sírio-Libanês passou a gerir instituições filantrópicas também, como o Ambulatório Multiassistencial (AMAS), da Umane em São Paulo, e o Núcleo de Saúde da Fundação Lia Maria Aguiar, em Campos do Jordão. O objetivo do Instituto para 2023 é ampliar as parcerias desse tipo, mas não descarta a possibilidade de aumentar a atuação junto ao SUS.
Ao todo, são 11 instituições geridas pelo Sírio-Libanês, que atendem 6 milhões de pessoas e já realizaram 2 milhões de consultas de urgência, 160 mil internações e 120 mil procedimentos cirúrgicos. Além da possibilidade de contratos e compras mais flexíveis, os contratos via OSS também permitem, de acordo com a diretora executiva, a realização de treinamentos, capacitação e compartilhamento de conhecimento de forma mais rápida. Todos equipamentos de saúde geridos pela entidade são acreditados, exceto as que foram incluídas recentemente, como o Hospital Regional de Registro.
“São 150 milhões de brasileiros que dependem do Sistema Único de Saúde. Se a gente não tiver esse olhar complementar e não suplementar, vai ter um momento em que as instituições e os equipamentos existentes não vão ser suficientes. Então, acho que é nosso papel tentar transformar e fazer com que esse modelo seja replicado cada vez mais”, afirma Carolina Lastra.
Ampliação gradual da gestão de hospitais públicos
Já o Instituto Social Hospital Alemão Oswaldo Cruz (ISHAOC) escolheu a cidade de Santos, no litoral paulista, para começar a sua jornada junto ao poder público. Fundada em 2014, a entidade atua junto ao Complexo Hospitalar dos Estivadores e a Ambulatório Médico de Especialidades Dr. Nelson Teixeira (AMBESP-NT), que busca uma integração do cuidado, mas vem analisando e estudando novas propostas.
“Com os resultados que foram alavancados para a sociedade — por exemplo, Santos pela primeira vez na história alcançou a mortalidade infantil de um dígito, fortemente atrelado ao nosso trabalho –, o conselho olhou e quer dar um passo adiante. Estamos monitorando algumas possibilidades de edital para entrar no processo de concorrência e ampliar a atuação do Instituto Social”, afirma Ana Paula Pinho, diretora-executiva de Sustentabilidade e Responsabilidade Social.
Pinho explica que a atuação como OSS permite que os hospitais identifiquem com mais rapidez a mudança na demanda e façam alterações para adequar os serviços, o que pode acontecer com uma diminuição na fila de exames e procedimentos, por exemplo. Da mesma forma é possível trocar quadros de funcionários que não se adaptaram e realizar compras de equipamentos sem tantas burocracias.
No final de 2022, o Oswaldo Cruz renovou o contrato com a prefeitura de Santos por mais 5 anos para atuação no Complexo, o que inclui a ampliação de 150 para 190 leitos, o aumento de 4 vezes a oferta de angioplastia e 25% da capacidade para a realização de procedimentos cirúrgicos de endometriose. A atuação da maternidade é vista como um dos principais destaques do Complexo, que já ultrapassou 73 mil atendimentos de pronto atendimento obstétrico e 16 mil partos, sendo 60% parto normal.
A parceria com hospitais de renome, através de organizações sociais de saúde, é bem recebida pela população local. De acordo com a diretora executiva, “quando a gente fala de saúde e da discussão dos serviços de saúde, e ter uma instituição que tem uma história de 125 anos e que tem essa credibilidade, o setor público e esse paciente vão observar que não é uma parceria qualquer. É uma parceria com alguém que tem credibilidade e uma reputação de marca, que preza realmente pelo cuidado de cada um desses pacientes”.
Para Pinho, que também é vice-presidente do Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (IBROSS), é possível avançar ainda mais na construção dessas parcerias, melhorando o arcabouço jurídico, trazendo mais segurança para estados, municípios e organizações. A ideia é diminuir o risco de que instituições que não sejam sérias, como aquelas que cometem desvios de verbas públicas, atuem na saúde pública. “Infelizmente no mundo das organizações sociais como em outros setores a gente tem o que eu chamo de aventureiros. Ter uma instituição por trás e que tem a preocupação com a marca e com a credibilidade, traz uma segurança para todos os envolvidos”, conclui ela.
Relação de ganha-ganha
Há 22 anos atuando junto ao SUS, o Hospital Israelita Albert Einstein atua em 29 unidades de saúde entre Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços de Residência Terapêutica (SRT), Assistência Médica Ambulatorial (AMA), Assistência Médica Ambulatorial de Especialidades (AMA-E), Unidades de Pronto-Atendimento (UPA), Unidades Básicas de Saúde (UBS) e hospitais. Com grande parte da sua atuação em São Paulo, recentemente a instituição expandiu sua atuação e, desde junho de 2022, faz a gestão do Hospital Municipal de Aparecida de Goiânia (HMAP), em Goiás. Até 2020, o hospital realizou 22,3 milhões de atendimentos via SUS.
“O Einstein hoje é mais conhecido pela atuação na saúde privada, mas a nossa atuação junto ao sistema público de saúde é maior que a atuação na saúde suplementar. Hoje nós temos mais leitos na saúde pública que nos 2 hospitais privados, em número de partos, atendimentos em unidades de pronto-atendimentos e consultas. Isso consolida o posicionamento do Einstein de atuar no sistema de saúde, independente da esfera”, analisa Guilherme Schettino, diretor-superintendente de Responsabilidade Social do Einstein.
Na visão do hospital, essa atuação junto ao poder público é uma relação de ganha-ganha: o estado ou município ganha com eficiência, compartilhamento de protocolos e qualidade da saúde suplementar, enquanto o Einstein ganha com a experiência em equipamentos públicos de saúde, que atuam com especialidades que não eram da expertise do hospital, como atenção primária e saúde mental.
Vendo algumas dificuldades do sistema público através da sua atuação, o hospital realizou em 2022 uma doação de um robô de cirurgia robótica para o Hospital Vila Santa Catarina, uma das principais unidades geridas, avaliado em 7 milhões de reais. Com isso, os profissionais conseguiram realizar cirurgias oncológicas utilizando o equipamento no Centro de Alta Tecnologia de Diagnóstico e Intervenção Oncológica Bruno Covas.
“Não existe nenhuma limitação de atuar em praças onde o Einstein não atua nesse momento. A gente busca oportunidades e temos uma avaliação crítica sobre quanto a nossa atuação vai poder impactar a população atendida, e a gente sempre pensa em uma atuação integrada. Sempre que possível tentamos levar o hospital em todos os pilares de atuação quando pensamos em um novo contrato”, explica Schettino.
A experiência junto ao serviço público possibilitou a criação do MBA “Executivo em Liderança e Gestão Pública em Saúde” da instituição, que será lançado em junho. Também há a disponibilidade de vagas em residência e estágio para alunos do Centro de Ensino e Pesquisa junto às unidades de saúde do SUS, em especial na atenção primária.
Para o diretor-superintendente, é possível melhorar as parcerias público-privadas desse tipo através da análises baseadas em valor e da possibilidade de firmar parcerias de infraestrutura, não apenas de gestão. “Existe a oportunidade de aprimorar os modelos de contratação, com métricas melhores de avaliação do resultado das parcerias. Hoje são muito baseadas em produção, cumprindo metas de consultas, cirurgias e internações, mas a forma de avaliar a qualidade do atendimento, a satisfação do usuário e a melhoria dos indicadores de saúde daquela população atendida ainda tem muita oportunidade de evoluir. Isso vai ser um passo importante como forma de aperfeiçoamento”, explica ele.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.