Geração Z na medicina: como aprendem os futuros médicos?

Geração Z na medicina: como aprendem os futuros médicos?

Novo perfil geracional tem motivado faculdades de medicina a adotarem novas metodologias de ensino

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By Published On: 10/07/2024
Ensino Geração Z - Einstein

Foto: Adobe Stock Image

De tempos em tempos, mudanças sociais impulsionadas por avanços tecnológicos, contexto socioeconômico e tendências culturais vão moldando as gerações, que passam a ser classificadas por apresentarem características típicas de um tempo específico. Foi assim com a geração X, nascida entre 1960 e 1980 e que tende a priorizar o trabalho e a realização de desejos materiais; e com a geração Y – os famosos Millennials, nascidos entre 1980 até mais ou menos a metade da década de 1990, com indivíduos que cresceram durante uma época de economia próspera e que hoje querem mais autonomia para desempenhar atividades profissionais. A mais recente geração a entrar no mercado de trabalho é a geração Z, que engloba nascidos entre a segunda metade da década de 1990 e 2010 e já representa pouco mais de 20% da população brasileira, segundo o Censo do IBGE. É uma geração que já nasceu conectada, ou seja, com a internet estabelecida e que assimila conteúdos de maneira mais dinâmica, além de buscar protagonismo, flexibilidade e conexão com suas atividades profissionais.

No caso de quem ambiciona a carreira médica, por exemplo, alguns pontos que eram inquestionáveis são encarados de outra forma por essa geração. “Para muitos dos baby boomers, por exemplo, a geração nascida no pós-Segunda Guerra Mundial, o trabalho é o que dá sentido à vida. Para essa geração, não”, destaca Eduardo Troster, professor de Humanidades do curso de medicina da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein. “Eles têm um equilíbrio muito maior entre vida pessoal e profissional. Quando possível, por exemplo, evitam muitos plantões ou plantões aos fins de semana. As gerações anteriores nunca questionaram muito isso, porque era o jeito de ingressar na carreira médica. Isso vem mudando e é um movimento saudável”, acredita.

Outro ponto de diferenciação da geração Z é que, como nativos tecnológicos que são, eles consideram que os dispositivos não são apenas para entretenimento: são também aliados para a educação e o aprendizado. Isso, claro, tem impacto na maneira como esses jovens absorvem as informações e no processo de aprendizado de modo geral. “Ela quer ser protagonista do aprendizado, enquanto as gerações anteriores tinham uma postura mais passiva, de sentar e ouvir por horas o professor falar e escrever no quadro negro”, afirma Thaís Giuliani, doutora em Ciências da Informação com ênfase em Educação e autora do livro “A Geração Z e o Modelo de Aprendizagem Zímago”

Esse cenário tem feito com que escolas e universidades, incluindo aí as faculdades de medicina, adotem novas metodologias para formar seus profissionais. Nesse sentido, o ensino antes baseado apenas em aulas expositivas e na figura do professor como detentor único do conhecimento está dando lugar a uma atmosfera mais colaborativa, com o professor atuando como um facilitador. Isso porque, hoje, de acordo com Troster, o foco não é apenas transmitir informação – já que ela está a um clique de distância na internet – e sim estimular esses jovens, por meio de desafios, a desenvolver o pensamento crítico.

“Existe uma diferença grande entre informação e conhecimento”, afirma o especialista. “O conhecimento é uma avaliação crítica da informação. Temos um eixo nos cursos de saúde que tem como objetivo justamente ensinar e equipar os alunos para que eles saibam identificar o que é ou não uma boa evidência científica. Entender quais são os vieses que nos afastam da verdade, aprender a questionar e analisar as evidências disponíveis são habilidades importantes para os futuros profissionais.”

A visão do estudante da geração Z

Do ponto de vista de Lorenzo Lisboa, 21, estudante do oitavo semestre da faculdade de medicina do Einstein, a tecnologia disponível atualmente é um grande diferencial e uma aliada no ensino básico da medicina atual. “Nós usamos exames de imagem para estudar anatomia e realidade virtual para dissecar e ver diferentes partes do corpo humano”, conta. “Além disso, temos muito mais opções de fontes de informação que os conteúdos dos livros, podemos consumir conteúdo em outros canais e formatos. Tudo isso estimula diferentes áreas do cérebro, como a memória visual e motora, o que facilita a consolidação do aprendizado e torna o processo menos monótono e mais prazeroso”, afirma.

Mas a tecnologia por si só não é o único caminho. Durante a pesquisa para sua tese de doutorado, uma das perguntas feitas por Thaís Giuliani para os jovens participantes questionou sobre qual área ou característica eles observavam que tinha a necessidade de um desenvolvimento maior, ao que a maioria respondeu “comunicação e relacionamento”. Lisboa concorda e diz que essa é uma contradição da geração Z: ao mesmo tempo em que estão conectados o tempo inteiro, há grandes dificuldades de estabelecer vínculos mais profundos com outras pessoas.

“A nossa geração é estimulada a consumir muito conteúdo, a ter muitos contatos. Nunca antes conseguimos entrar em contato com tanta gente ao mesmo tempo. Somos uma geração muito capacitada para fazer amizades e contatos, mas de maneira superficial. Hoje, com as redes sociais, perdemos essa habilidade de criar conexões mais profundas”, aponta Lisboa.

Mas ele reconhece que, como futuro médico, entende que trabalhar a habilidade de se conectar com o outro e estabelecer vínculos é essencial para o bom exercício da profissão. “É muito importante investir em reconhecer nossas próprias emoções e as emoções dos outros, treinar a empatia e a capacidade de criar um vínculo real com o paciente, porque é uma relação de troca.”

Neste contexto, Elda Maria Stafuzza Gonçalves Pires, coordenadora acadêmica da graduação em medicina na Faculdade Albert Einstein, chama a atenção para os jovens que se formaram no Ensino Médio durante a pandemia, o que limitou ainda mais o desenvolvimento das habilidades socioemocionais. Ela destaca que, no Einstein, as chamadas soft skills já fazem parte da grade curricular. “Os alunos são separados em grupos e precisam trabalhar juntos ao longo do semestre. Adotamos no Einstein um ensino colaborativo, com uma dinâmica que fortalece também as soft skills”, pontua.

Reaprendendo a ensinar

Em uma realidade em que há estímulos de todos os lados, manter o foco em uma única atividade é desafiador. Além de tornar a aula mais dinâmica a partir das técnicas empregadas e da variedade de formatos de conteúdos, é preciso aprender a estabelecer uma conexão com esses alunos. “Essa é a pergunta de um milhão de dólares, porque é muito difícil competir com tantas telas, com as redes sociais. Você precisa estimular a interação”, pondera Troster.

Essa conexão se relaciona com a cultura de feedback, que consiste em uma visão de mentoria marcada por uma troca maior entre quem ensina e quem aprende, segundo Giuliani. “Essa geração preza muito por receber feedbacks mais frequentes, o que demanda mais atenção e tempo do educador. Isso não era visto como tão necessário antes, mas agora exige uma adaptação desse mentor.”

Em outras palavras, essa nova forma de aprender dos alunos também significa que os professores passam por um momento de reaprender a ensinar. Por mais que a bagagem e a experiência de décadas de sala de aula façam a diferença, há o desafio de se adaptar às metodologias mais modernas e manter a mente aberta para explorar novas rotas de ensino.

Troster pontua que o processo de aprendizado é uma tríade que envolve o aluno, o professor e a instituição de ensino, onde cada um tem o seu papel. Para ele, o professor de hoje deve reunir também competências específicas, como uma boa comunicação, a escuta empática e a autorreflexão. “Além de ouvir os alunos, o professor também deve se autoavaliar para ponderar o seu desempenho, e é interessante que a instituição ofereça recursos para a melhoria contínua. Porque para ensinar medicina não basta ser um bom médico, é preciso saber ensinar também”, finaliza o docente.

Isabelle Manzini

Graduada em jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. Atuou como jornalista na Band, RedeTV!, Portal Drauzio Varella e faz parte do time do Futuro da Saúde desde julho de 2023.

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One Comment

  1. José Édison da silva 11/07/2024 at 15:25 - Reply

    Gostei muito dessa matéria. Acho que a medicina está precisando muito de gente mais humanizada e que demonstre empatia para com o próximo. Infelizmente o que se vê em geral é a busca do lucro e a necessidade do enriquecimento rápido. Sou favorável à reutilização de projetos como Rondon, que levava profissionais para os rincões do Brasil e dava-lhes uma visão mais integrada da realidade.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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