Gadelha: Ministério da Saúde vai atualizar processos da Conitec após decisão do STF sobre judicialização

Gadelha: Ministério da Saúde vai atualizar processos da Conitec após decisão do STF sobre judicialização

Secretário também afirmou que criação de Agência Única de avaliação de tecnologias de saúde não está na pauta atualmente

By Published On: 01/11/2024
Carlos Gadelha - Congresso da Rebrats

Carlos Gadelha discursa durante V Congresso da Rebrats. Foto: Ministério da Saúde.

Em entrevista exclusiva para Futuro da Saúde, o Secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, Carlos Gadelha, afirmou que o Ministério da Saúde está trabalhando na atualização dos prazos de incorporação de novas tecnologias pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). Ele também afirmou que, no momento, a agência única não está na pauta da pasta.

A conversa aconteceu durante o V Congresso da Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde (Rebrats), que aconteceu na sexta-feira, 1, em Brasília, DF. Durante o evento, o Ministério da Saúde defendeu a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a judicialização de medicamentos não incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS), destacando a importância da mudança para defesa e sustentabilidade do sistema. A pasta comemorou a aproximação com o judiciário e o fortalecimento da Conitec.

Atualmente, a Lei nº 12.401 determina que a partir da publicação da decisão de incorporar uma tecnologia em saúde, as áreas técnicas têm prazo de 180 dias para efetivar a oferta ao SUS. No entanto, essa regra não é respeitada amplamente e muitos tratamentos demoram a serem ofertados para a população. Nesse sentido, Gadelha destaca que é preciso rever a norma com prazos mais viáveis que respeitem tanto as necessidades dos usuários, quanto as da organização: “Temos o compromisso de acelerar esse processo, mas quando chega uma nova tecnologia é preciso organizar o sistema. Estamos trabalhando numa atualização do marco regulatório para que esses tempos requeridos sejam compatíveis com as diversas especificidades das diferentes tecnologias”.

A morosidade da Conitec é um dos pontos criticados por associações de pacientes. Entidades de doenças raras, negligenciadas e de câncer afirmam que a avaliação da comissão não ocorre de forma transparente e que não há diálogo suficiente com a sociedade. Conforme o secretário, todos os processos da Conitec podem ser acessados livremente e consultas públicas são realizadas de forma recorrente. “A Conitec é um canal que disponibiliza tudo o que faz de modo claro e transparente para a sociedade e estamos buscando que ela seja cada vez mais uma instância de escuta. Mas nós sempre estamos abertos às sugestões para melhorar ainda mais o nosso processo”, diz.

A decisão do STF fortalece a comissão na medida em que caso, um tratamento não seja aprovado por ela, ele não pode ser fornecido por via judicial, mesmo se estiver registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). As exceções só serão aceitas se comprovarem que houve ilegalidade no processo de incorporação, que o medicamento não foi submetido à avaliação da Conitec ou que houve demora para análise. O intuito é diminuir o impacto da judicialização da saúde no país. O Governo Federal gastou cerca de R$1,8 bilhão em 2022 e R$2,2 bilhões em 2023 com o tema.

Segundo Gadelha, o país caminha para gastar R$2,5 bilhões em 2024, o mesmo montante repassado pelo Ministério para a Atenção Primária em Saúde: “A decisão do Judiciário tem que ser baseada na ciência. Então é garantido, sim, o direito à saúde e a via judicial. Todas as cidadãs e cidadãos podem recorrer ao poder judiciário, mas agora tem critério. Temos que saber se o medicamento tem estudo, se tem base científica, se gera benefícios ou malefícios. A saúde não pode ser vista como uma mercadoria. Esta é uma ação para que a tecnologia em saúde seja vista pelo prisma da saúde pública.”

Criação de agência única não está no foco do Ministério

Outro tema abordado por Gadelha foi a possível criação de uma agência única para avaliação de tecnologias em saúde. Recentemente o ministro do STF Gilmar Mendes afirmou que a ideia da criação de uma agência única tem sido ventilada. Essa agência englobaria os sistemas público e privado, de forma a substituir o papel da Conitec e da Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar (Cosaúde) com o objetivo trazer mais organização, celeridade e independência para o processo.

O assunto é considerado importante para as operadoras de planos de saúde para discutir a precificação dos produtos no Brasil, de forma a aproximar os valores aos praticados pelo Ministério da Saúde, principalmente em terapias avançadas e doenças raras. No entanto, de acordo com Gadelha, o Ministério ainda não está trabalhando nessa ideia. O secretário enfatiza que o Ministério busca aumentar o diálogo com a saúde suplementar e isso pode ser confirmado com a decisão estratégica de inclusão da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) na Conitec. Contudo, não acredita ser o momento para pensar no desenvolvimento de novos modelos.

“A questão de se criar uma nova estrutura na administração pública, ela pode ser o resultado ou não deste processo de organização que estamos fazendo. Mas hoje o que a gente precisa é agir e não fazer um esforço institucional que levaria muito tempo. A estratégia e a ação têm que estar na frente. Se depois que a gente conseguir avançar, inclusive a partir dessa decisão do Supremo, verificarmos que temos que avançar também em pensar novas estruturas, vamos estar preparados. Mas primeiro vamos focar em implementar a decisão que foi tomada”, ressalta Gadelha.

Aumento da aproximação com a justiça

A mesa de encerramento do Congresso da Rebrats debateu as recentes decisões do Supremo e contou com a presença de representantes do STF, da Conitec, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Conselho Nacional de Saúde (CNS), entre outros. O foco foi incentivar o diálogo entre o Ministério da Saúde e do Poder Judiciário e destacar o resultado dessa aproximação.

Conforme exposto no evento, a partir da decisão do Supremo, a Conitec passa a integrar o Fórum Nacional do Judiciário para Monitoramento e Resolução das Demandas de Assistência à Saúde (Fonajus) para dar suporte técnico. O Fonajus elabora estudos e propõe medidas para o aperfeiçoamento de procedimentos e processos judiciais e para a prevenção de novos conflitos na área da saúde pública e suplementar. No final da ocasião, o Ministério e o CNJ assinaram um protocolo de intenções que visa estabelecer oficialmente uma parceria entre a Rebrats e o conselho para capacitar a Política de Incorporação de Tecnologias em Saúde. O objetivo é aprimorar a gestão e as respostas do poder judiciário nas ações judiciais em saúde.

Além disso, o Ministério também apresentou que está considerando a criação de um novo edital de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS), que contemple a participação dos Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJus). “A judicialização traz instabilidade para o sistema de saúde e também para o poder judiciário. Então, a recepção da decisão do Supremo foi muito boa e não tem tido resistência, o que temos são dúvidas. Precisamos auxiliar os juízes e enfatizar a importância das evidências científicas nas decisões judiciais. Estamos passando por uma transformação de cultura”, explicou Daiane Nogueira de Lira, conselheira do CNJ.

Carlos Gadelha e Daiane Nogueira de Lima assinam protocolo durante Congresso da Rebrats.

Carlos Gadelha e Daiane Nogueira de Lima assinam protocolo durante Congresso da Rebrats. Foto: Ministério da Saúde.

Rebeca Kroll
Rebeca Kroll

Jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Maria. Foi trainee do programa "Jornalismo na Prática" do Correio Braziliense, voltado para a cobertura de saúde. Premiada na categoria de reportagem em texto na 2ª edição do Prêmio de Comunicação de Saúde na Primeira Infância da Fundação José Luiz Egydio Setúbal.

About the Author: Rebeca Kroll

Jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Maria. Foi trainee do programa "Jornalismo na Prática" do Correio Braziliense, voltado para a cobertura de saúde. Premiada na categoria de reportagem em texto na 2ª edição do Prêmio de Comunicação de Saúde na Primeira Infância da Fundação José Luiz Egydio Setúbal.

2 Comments

  1. Amalia Maranhão 03/11/2024 at 00:14 - Reply

    Oi, Renata, pena que o debate não tenha discutido a essência da questão das doenças raras, que é a amplitude de evidências. As evidências científicas para doenças de grande prevalência, são por natureza, numericamente mais robustas do que as de DR. O critério numérico que vale para doenças de alta prevalência é inaplicável para DR. Como fica então quem tem doença rara ou ultrarrara? Pelo visto, fica de fora. Este é um assunto que merece ser explorado numa pauta específica sobre o impacto dessa decisão do STF especificamente para DRs, não? Sou jornalista também, mãe de um rapaz com Ataxia de Friedreich e diretora da Abahe – Associação Brasileira de Ataxias Hereditárias.

  2. Silvia Lustosa de Castro 03/11/2024 at 13:03 - Reply

    Excelente reportagem!

Leave A Comment

Recebar nossa Newsletter

NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

Artigos Relacionados

Rebeca Kroll
Rebeca Kroll

Jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Maria. Foi trainee do programa "Jornalismo na Prática" do Correio Braziliense, voltado para a cobertura de saúde. Premiada na categoria de reportagem em texto na 2ª edição do Prêmio de Comunicação de Saúde na Primeira Infância da Fundação José Luiz Egydio Setúbal.