Marcelo Corassa, oncologista clínico da BP: “Cenário do câncer de pulmão tem mudado com novas terapias, mas diagnóstico precoce e acesso ainda são desafios”
Marcelo Corassa, oncologista clínico da BP: “Cenário do câncer de pulmão tem mudado com novas terapias, mas diagnóstico precoce e acesso ainda são desafios”
No episódio especial de Futuro Talks sobre câncer de pulmão, Marcelo Corassa explorou as mudanças no cenário da doença nos últimos anos com a chegada de novas terapias
De acordo com estimativas do Instituto Nacional do Câncer, o INCA, de 2023 a 2025 o Brasil deve ter cerca de 700 mil novos casos de câncer a cada ano. Deste total, aproximadamente 32 mil novos casos serão de câncer de pulmão por ano, o que o coloca como o quinto tipo de tumor mais incidente no país. Mas mesmo não sendo o mais incidente, ele é a principal causa de morte por câncer entre homens e mulheres. E justamente por esse tipo de câncer ser potencialmente grave, o cenário do tratamento tem se transformado nos últimos anos, graças ao avanço da ciência e à chegada de tratamentos como a imunoterapia. Este foi o tema da conversa com Marcelo Corassa, oncologista clínico e pesquisador da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, no episódio especial de Futuro Talks.
Ao longo da entrevista, Corassa trouxe uma visão geral sobre o câncer de pulmão, como as populações mais atingidas – dentre elas a de fumantes –, a importância da realização de tomografia na população com mais risco para detecção precoce e a evolução no tratamento, que passa pela imunoterapia. Segundo ele, há casos até de cura em uma parcela de pacientes que fazem uso da terapia – com a ressalva, de acordo com Corassa, de que é preciso seguir acompanhando o paciente ao longo de sua jornada. Apesar dos pontos positivos, o oncologista destaca o acesso como um dos entraves para uma maior utilização no país.
Neste contexto, ele destacou a importância do acesso a novas tecnologias tanto no Sistema Único de Saúde como na saúde suplementar – para aqueles que possuem plano de saúde. Segundo o oncologista, a participação social, por meio de consultas públicas, seja de pacientes como da classe médica e outros grupos, são importantes para apresentar os reais impactos de determinados tratamentos na qualidade de vida de pacientes.
Confira a entrevista a seguir:
Qual a importância de conscientizar a sociedade sobre o câncer de pulmão?
Marcelo Corassa – Esta é uma doença que não é a mais incidente, como apontam os dados do Inca, mas deve ser subdiagnosticada, deve ter mais casos no Brasil. E o grande problema é que, mesmo com todos os avanços, a gente ainda tem uma mortalidade muito alta e que tentamos reduzir, tanto com imunoterapia quanto com diagnóstico precoce, com terapia-alvo. Todos os avanços que temos tentado trabalhar são para que a gente alcance dados tão bons quanto em outros tumores que são mais potencialmente curáveis ou mesmo controláveis no longo prazo. Então, é importante conscientizar que é uma doença que não se vê todo dia. Não é conhecer alguém com câncer de pulmão assim como se conhece alguém que teve câncer de mama ou de próstata. Mas quando há o diagnóstico, traz preocupação e leva a um estigma muito grande que, para nós que trabalhamos especificamente com isso, é algo que temos que reverter.
Qual é o perfil do paciente com câncer de pulmão? É mais comum em uma parcela específica da população?
Marcelo Corassa – Existem duas populações diferentes. Uma é a população típica formada pelo paciente tabagista. É um paciente que chega com um pulmão que não é muito bom por causa do tabagismo, um coração que sofreu com doença arterial coronariana, que faz menos exercício físico, obviamente – quem fuma faz menos exercício. Então esse é o padrão. Um paciente acima de 50, 60, 65 anos. A história natural do tabagismo e câncer de pulmão não é uma coisa que você fumou durante 5 anos e você vai ter o tumor depois. São 30 anos [de tabagismo]. A “grande epidemia” de câncer de pulmão no mundo ocorreu 30 anos depois de todas aquelas propagandas da indústria de cigarro, com cowboys, falando que fumar era legal. Eu dou uma aula em que coloco foto de várias pessoas importantes no mundo que morreram de câncer de pulmão dessa época: Walt Disney, George Harrison, John Wayne, Steve McQueen. Pessoas que são muito importantes e que morreram por causa do cigarro. Então, essa é a população típica e essa população do rastreamento que a gente pode discutir depois.
E a segunda população?
Marcelo Corassa – Existe uma segunda população que é aquela pessoa que a gente não espera. Alguém que chega no consultório, às vezes com 40, 45 anos, às vezes menos. Tenho um paciente de 28 anos que nunca fumou um cigarro na vida e questiona o porquê. São pacientes diferentes, eles têm geralmente mutações específicas que a gente consegue acionar. São pacientes que a gente tem evoluído muito.
Sempre ouvi muito dos oncologistas que o câncer de pulmão normalmente é descoberto em estágio mais avançado. Continua assim?
Marcelo Corassa – Essa pergunta é muito boa. Por que é diagnosticado em estágio mais avançado? Porque, historicamente, não existia uma forma de detectar mais precocemente. Câncer de mama estamos acostumados a fazer mamografia, ultrassom. Há exames que nem são indicados para algumas situações, como ultrassom de tireoide, mas você vai no ginecologista e ele pede. Mas ninguém lembra de câncer de pulmão. E qual é o grande desafio de diagnosticar no cenário mais precoce? É porque dá pouco sintoma. Quando você tem sintoma, já é mais avançado. Um nódulo pulmonar não necessariamente vai dar nada. Ele está ali. Ponto Final.
Mas quando você tem falta de ar, tosse, quando você começa a tossir sangue, perda de capacidade respiratória, dor, perda de peso é porque a doença está mais avançada.
Dá para fazer uma detecção precoce deste tipo de câncer?
Marcelo Corassa – Sim. Antes disso, vale lembrar que existe prevenção: não fumar ou parar de fumar. Esse é o grande recado. Existem múltiplas formas de trabalhar isso. Mas detecção precoce é uma coisa que a gente fala muito pouco e tem que falar mais, porque existem programas de rastreamento. É possível fazer contas, baseado na quantidade de maços que uma pessoa fumou por ano e os anos que fumou, para chegar em um número que indica se aquela pessoa deveria fazer uma vez por ano uma tomografia de rastreio, uma tomografia de pulmão sem contraste, de baixa dose – usando menos radiação. E essa tomografia já foi comprovada em diversos estudos que consegue reduzir a mortalidade e, obviamente, dar diagnóstico precoce. E essa tomografia deve ser feita a partir dos 50 anos de idade até os 75, mas existem exceções. Além de fazer essa conta, o grande ponto é: você fuma ou fumou de uma forma pelo menos significativa? Não foi só hobby, como essas pessoas que acabam fumando na balada? Se sim, é legal procurar um pneumologista. “Não conheço”. Então procure um ecologista, que seja, para poder discutir sobre isso e saber se você tem indicação de fazer ou não, porque o diagnóstico precoce pode salvar vidas. É uma doença muito letal. E qual é o principal caminho? A prevenção, obviamente. Não ter doença. A melhor forma de não morrer da doença é não ter a doença. Mas a segunda melhor forma é diagnosticar precocemente e isso tem que ser lembrado.
Os médicos têm isso dentro do protocolo?
Marcelo Corassa – Não, esse é o problema.
Porque você vai lá e faz o seu check-up e às vezes não vem do médico. Então, é importante que o paciente também provoque.
Marcelo Corassa – Perfeito. Esse Futuro Talks devia ser ouvido não só pelos pacientes e pelo público leigo, mas pelos médicos também. A gente tem feito lá na BP um trabalho de conscientização muito grande e um programa de rastreamento. Agora, muitas pessoas têm a vida corrida, a gente vai no médico uma vez por ano. E as pessoas esquecem, os próprios médicos esquecem disso. Temos feito muita conscientização para o meio médico, falando para ginecologista, geriatra, urologista, que isso faz sentido. É uma coisa que se você tem dúvida, então faz a tal continha. Se tem dúvida e o paciente fumou bastante, é melhor pedir o exame do que você deixar o paciente sem. Porque muitos nódulos pulmonares vão ser benignos. Mas a gente tem algoritmos para saber se esse nódulo tem mais ou menos risco. Então, tem que ter uma difusão e se o médico não está atualizado, o paciente se atualiza. É para isso que estamos aqui, para o paciente se atualizar e perguntar. É muito importante trabalhar isso agora.
Eu queria falar um pouco de tratamento. Ainda é uma doença grave, mas hoje temos novas perspectivas graças aos avanços da ciência. O que aconteceu de fato em termos de melhoria no tratamento do câncer de pulmão?
Marcelo Corassa – Existem 5 modalidades de tratamento de câncer: cirurgia, radioterapia, quimioterapia, terapia-alvo e imunoterapia. Eu vou me ater às 2 últimas. Na terapia-alvo, você precisa ter um alvo para trabalhar contra ele, não adianta você atirar ao léu. Só que isso não é para todos os pacientes. O paciente tem que ser testado de forma adequada e se o paciente tem alteração molecular específica, pode receber tratamentos que, em sua maioria, são em comprimido e que funcionam muito bem. Infelizmente, não são tratamentos que curam as pessoas. Alguns dados mais recentes mostram que em alguns cenários podem ter uma possibilidade de cura, mas é um tratamento que funciona muito bem por um tempo. Ainda assim, é um aliado fantástico, porque dá pouco efeito colateral, super qualidade de vida. E o que a gente mais fala é a imunoterapia, porque tem uma aplicabilidade maior, mais pessoas podem ser expostas. Na terapia-alvo, em torno de 35%, talvez 40% dos pacientes vão em algum momento receber. Mas a imunoterapia pode ter uma parcela maior de pacientes a receber.
E a gente tem dados de imunoterapia no cenário curativo hoje, antes e depois da cirurgia.
E como funciona a imunoterapia?
Marcelo Corassa – Ela não é um tratamento que mata as células tumorais. Eu gosto muito da definição que todo mundo usa: ela libera o freio imunológico que as células tumorais podem puxar. O que é isso? O câncer ocorre, dentre outros motivos, porque as células tumorais conseguiram enganar o nosso sistema imunológico. Enquanto a gente está conversando aqui, as nossas células estão sofrendo mutações, mas nosso sistema imunológico mata elas. Mas se elas escapam, é porque conseguiram achar uma forma de se esconder. A imunoterapia vai lá e expõe essa célula novamente. Ou seja, tira esse freio que as células puxaram para dizer “eu sou amigo, não me ataque” e deixar ser atacado. Mas a imunoterapia também não é para todos os pacientes, não são todos que se beneficiam. Existem várias nuances sobre isso. Mas um ponto que eu acho fundamental de entender é que a imunoterapia, para uma parcela, que até gostaríamos que fosse maior, de pacientes que têm metástase ou doença avançada – 15% a 20% dos pacientes podem até curar a doença. A gente não fala “curar” com tanto afinco porque são 5, 6 anos seguindo. Mas eu tenho pacientes que começaram o tratamento nos primórdios da imunoterapia no Brasil, em 2017, 2018, e hoje eu vejo sem doença, sem tratamento, vivendo uma vida normal. Eu brigo com eles por outros motivos, porque a glicemia está alta. Mas pensar que, antes da imunoterapia, as pessoas viviam em torno de 1 ano, é uma coisa fenomenal.
A imunoterapia, então, acabou sendo uma virada de chave para o paciente?
Marcelo Corassa – Sem dúvida. Hoje a gente tem que determinar o paciente que não vai receber imunoterapia. Um dos que não recebe é o que tem mutações. Eu vou tentar ser um pouco alarmista em relação a isso: faz mal dar imunoterapia quando você tem mutação acionável, não faz sentido. Você tem que testar o paciente direito. Essa é uma briga nossa, como sociedade médica, de ensinar os profissionais a testarem os pacientes direito. O paciente que tem contraindicação existe, já que é um tratamento imunológico. Se você tem uma doença autoimune, como lúpus, artrite reumatoide, esclerodermia, transplante renal, não é uma situação tão simples. Mas o grande problema hoje é o paciente não ter acesso. E incorporar isso dentro de um sistema de saúde não é simples, seja no sistema de saúde pública ou no sistema de saúde suplementar. A gente tem que buscar formas de otimizar o tratamento. Então, primeiro, a gente tem que testar direito. Segundo, há pacientes não vão poder receber. Mas o que machuca a gente é você não poder usar para toda a população. Isso é muito difícil.
Para quem, então, seria indicado a imunoterapia? Pacientes que fumaram e têm câncer, por exemplo?
Marcelo Corassa – A maioria deles sim. O tabagismo geralmente está associado a esse câncer de pulmão específico, que não tem mutações. Quando você fuma, lesa célula, você vai fazer um ciclo, uma hora vem um tumor meio cheio de aberrações. Nos pacientes que têm essas mutações específicas, é meio como se fosse um modelo de um interruptor: não tinha nada e de repente tem. Então, eu gosto de falar que é como se fosse uma bomba mais elaborada o paciente que fumou, porque você vai gerando vários fiozinhos, você não sabe qual deles você vai cortar. A imunoterapia consegue te ajudar a achar esse fiozinho certo de cortar. O problema é que nem sempre funciona. Existem vários critérios, mas coloco essas duas questões. Quem tem mutações no tumor, a gente chama de “driver”, que permitam terapia oral, terapia-alvo, eles não são pacientes que a gente costuma indicar. E quem tem contraindicação, porque tem uma doença imunológica. Hoje você não tem que escolher quem vai usar imunoterapia, e sim quem não vai usar. Outro ponto é: como você vai usar a imunoterapia? Porque não é uma droga só, dá para usar uma, duas drogas, quimioterapia com imunoterapia, imunoterapia sozinha, imunoterapia combinada, imunoterapia com rádio. Dá para fazer bastante coisa nesse cenário.
Como é a jornada do paciente, do momento do diagnóstico até o tratamento? E como deveria ser essa jornada em um cenário ideal?
Marcelo Corassa – A jornada ideal envolve diagnóstico precoce. É fazer tomografia de rastreio. Fez a tomografia, tem um nódulo, alguém vai ver, vai biopsiar esse nódulo – existem várias formas de se biopsiar –, e a patologia deu diagnóstico, esse paciente tem que estar inserido – esse é o mundo ideal – em um centro oncológico multidisciplinar, onde você vai ter o pneumologista, cirurgião torácico, oncologista, radioterapeuta, todo mundo junto. Na doença avançada é a mesma coisa: se deu o diagnóstico, o paciente tem que estar idealmente dentro de um serviço integrado de oncologia. Não adianta você ir ao pneumo – adiantar, adianta, mas vai demorar mais – que manda você para o cirurgião torácico. Isso já ocorre em vários lugares aqui em São Paulo e no Brasil. Um paciente chegou ontem com um nódulo pulmonar para mim. Eu falei, “eu tenho que ver se o cirurgião concorda comigo”. “Cirurgião, o que você acha? Ah, então vamos chamar o pessoal da radiologia para biopsiar”. Esse é o ideal. A jornada não deveria ser o paciente tendo que ir até as especialidades, mas sim as especialidades circundando o paciente.
O ideal é isso: viu o nódulo pulmonar, independentemente de qualquer coisa, avaliação para fazer biópsia e, com essa biópsia, o ideal é que o paciente estivesse dentro de um serviço de oncologia. Em qual tempo? O mais rápido possível.
E aí se determina essa trilha de tratamento. Se ele vai fazer cirurgia, qual o tratamento vai ser indicado para ele, o tipo de tumor, é isso?
Marcelo Corassa – Sim. Da biópsia você vai ter que fazer o teste molecular, tomografia, pet scan, ressonância de crânio para fazer o estadiamento. É uma coisa muito complexa, por isso eu gosto de resumir que o ideal é: teve um nódulo, vai para um centro especializado. Dentro da saúde suplementar, você pode escolher, na maioria das vezes, aonde você vai. Eu acho muito estranho a pessoa não escolher estar dentro de um centro especializado, porque existem vários no Brasil. Então, teve um nódulo, vai para lá. Dali para frente será decidido qual tipo de câncer, qual tipo de tratamento, se vai receber imunoterapia, terapia-alvo, operar, fazer rádio. Isso é uma coisa que depende da conversa com o paciente. Mas o recado é esse: busque um centro de saúde que tenha capacidade de fazer tudo, no mundo ideal. No mundo fora do ideal, sobretudo no SUS, a maior briga que temos é fazer biópsia. Porque pela lei, a gente teria, uma vez que você deu o diagnóstico, um tempo x para estar dentro do serviço de saúde, mas ninguém explica como você faz o diagnóstico. Então, ele tem que ser dado o mais rápido possível. Dali em diante a gente consegue trabalhar mais tranquilamente.
Agora, entrando na questão do acesso, a pergunta é: os pacientes hoje têm acesso à imunoterapia? Tanto os que frequentam o SUS quanto os que usam planos de saúde?
Marcelo Corassa – Plano de saúde, sim. Mas tem que estar bem indicado. Existem situações que temos que trabalhar direito para saber como prescrever, mas existe acesso se você for olhar as principais drogas em imunoterapia. Está na bula, na ANS, na Anvisa, enfim, você não tem barreiras em relação a isso. No SUS, não. A gente tenta trabalhar muito. Embora pesquisa clínica não seja uma forma de acesso, não deveria ser, a gente faz muito isso no Brasil. Muitos estudos que temos hoje, estudos para desenvolver as novas drogas, muitas vezes o braço de comparação do estudo já é imunoterapia. Então, a gente tenta trazer o máximo para o Brasil, porque a gente sabe que não tem no sistema público. Não deveria ser assim, a pessoa poderia ter escolha de participar do estudo ou não, por seu livre arbítrio, mas muitas vezes a pessoa vê aquilo como uma oportunidade – e eu não acho errado. Mas não tem no SUS. Existem situações muito pontuais, acordos entre a farmacêutica e o governo, às vezes é a prefeitura que consegue fornecer, mas não é uma coisa que se você for aqui em São Paulo, nos principais centros, vai ter acesso.
A Conitec abriu um processo de consulta pública para debater a incorporação do pembrolizumabe no SUS para pacientes que são expressores do PD-L1. Acho que vale trazer isso para quem está assistindo a gente. O que é a Conitec?
Marcelo Corassa – Essa pergunta é muito interessante, porque a Conitec eu só fui conhecer depois que entrei no meio da oncologia. Ela é a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Não só drogas, podem ser outras tecnologias também. A Conitec apresenta pareceres favoráveis ou não favoráveis para que uma determinada droga – falando de oncologia – seja incorporada no sistema público. Isso não passa simplesmente por eficácia, mas também por custo-efetividade, se realmente faz sentido para toda a população. Então, a Conitec é um espaço, eu gosto dizer, onde qualquer pessoa pode opinar, principalmente nas consultas públicas, só que pouca gente conhece.
E como funciona a consulta pública? Qualquer um pode participar?
Marcelo Corassa – A dica é: procure no Google por “Conitec” que logo vai aparecer nos resultados. Basta fazer o login e qualquer pessoa pode opinar. Lógico, há opiniões que, assim, “por que você acha que faz sentido? Ah, porque eu acho legal”. Não acho que faz sentido. O grande ponto da população leiga é falar que o acesso tem que ser para todo mundo. Tem que ser igualitário. A gente tem hoje, para os pacientes com o PD-L1 – um dos marcadores que utilizamos – o grupo que mais se beneficia. Então, eu entendo que dentro de um sistema de saúde não dá muitas para tentar, de cara, privilegiar todos ao mesmo tempo. Mas se a gente conseguir privilegiar agora, pelo menos até melhorar custo, eventualmente acordos com as farmacêuticas para que o acesso seja para todos, uma parcela de pessoas que sabemos que vale muito a pena, temos que lutar por isso. E não adianta só médicos, oncologistas, falarem “é lógico que eu quero que esteja no SUS”. O apelo popular é muito importante. Então, fica aqui o convite a todo mundo para opinar nesses fóruns.
Você trouxe que, às vezes, é a classe médica que opina. É válido isso para dentro desse processo também?
Marcelo Corassa – Claro que é válido. Mas a grande questão é que a gente tem que ter heterogeneidade nisso. Não adianta só a classe médica falar. Até porque a classe médica pode ter seu próprio interesse e a população também. Agora, se a gente faz coro, fala mais alto, a gente é ouvido. Quanto mais robustez dermos a esse apelo, vai ser melhor. Vai ser uma chance maior de conseguir não só aprovar o pembrolizumabe nessa situação, mas aprovar outras situações. E, lógico, esse é o nosso papel, de formiguinha. Há ainda a questão de custo e isso a gente tem dificuldade de trabalhar. A população não vai trabalhar custo no sistema público, então é importante o governo atuar junto às farmacêuticas para otimizar isso em relação ao SUS, tornar tudo sustentável. Neste sentido, o Brasil tem muito pouco de uma coisa chamada de advocacy, que basicamente significa atuar pela conscientização. São pessoas que não são médicas, enfermeiros, físicos, farmacêuticos, são pessoas que muitas vezes têm a doença. Eu encorajo todo mundo a fazer advocacy. Isso mostra a força que a gente pode ter. A voz do paciente é a voz mais importante que a gente tem, porque é uma voz livre de interesses. É uma voz que está querendo simplesmente o benefício de viver mais e melhor. Então, eu encorajo todo mundo a buscar não só a Conitec, mas também todos os grupos de advocacy que podem haver no mundo para poder falar junto, em coro, e trazer mais benefícios para todo mundo.
Estamos chegando ao fim da nossa conversa. Qual recado você deixaria para quem assistiu a gente até agora? Seja um paciente com câncer de pulmão, seja um familiar, seja até um colega profissional de saúde.
Marcelo Corassa – Vou dar três recados. O primeiro, que para mim é o mais importante: conscientização de cessação de tabagismo. “Ah, não, a gente vai usar vape agora, porque isso não causa o mesmo problema”. Lá na década de 50, ninguém achava que tabagismo causava câncer de pulmão. Bem, a gente sabe, não precisa contar a história, ela está contada já. Já dei várias entrevistas sobre o vape, mas a gente não sabe e eu tenho muito medo do desconhecido. Um pouco controverso o que eu vou falar agora, eu acho que não deveria entrar nada no nosso pulmão além de ar ou possível medicação para um paciente com asma, DPOC. Mas é ar que entra no nosso pulmão. O resto, narguilé, vape, não faz sentido.
E qual é o primeiro passo para parar de fumar? É querer. Existem várias formas para parar de fumar, mas não adianta. Quando você pega um paciente que fala que não quer parar, não adianta.
E o segundo ponto?
Marcelo Corassa – O segundo ponto é rastreamento. Vejo tanto exame pedido desnecessariamente. Tanta gente pedindo marcador tumoral, mas não tem nenhuma indicação e é caro. Se você pegar um set de quatro marcadores tumorais, é mais caro do que uma mamografia. Pedem marcador tumoral, ultrassom, como o Dr. Buzaid gosta de falar, da cabeça aos pés. E a gente esquece de pedir a tomografia de tórax. Só que não é para todo mundo. Tem que ter um pouquinho de pensamento nessa história, fazer aquela continha. Se não quer pensar, manda para o pneumologista, para alguém que pense nisso. Porque diagnosticar precoce é o principal ponto.
E o terceiro ponto?
Marcelo Corassa – Engajamento. É um ponto que para mim é fundamental, não só a comunidade médica, mas pacientes também. É uma palavra que se usa muito, mas o engajamento é fundamental. A minha esposa até briga comigo às vezes, porque eu sou muito incisivo com isso. Às vezes falo para alguém da família para parar de fumar “se vocês não quiserem virar meus pacientes”. É chato ser incisivo, mas quando vemos tudo o que o câncer de pulmão pode causar de ruim, a gente a se assusta. Eu gostaria de tratar mais pessoas no cenário inicial e, talvez um dia, daqui a uns anos, poder falar que vou tratar outra coisa, que eu vou aprender outra coisa para poder diminuir a quantidade de diagnóstico e trazer benefícios a todos os pacientes. Resumindo, não fumar, diagnóstico precoce e disseminar a palavra sobre essas primeiras duas coisas.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.