Inteligência artificial, integração de dados e biotecnologia são apostas para o futuro das healthtechs no Brasil
Inteligência artificial, integração de dados e biotecnologia são apostas para o futuro das healthtechs no Brasil
Soluções de gestão e acesso à saúde ainda são foco principal das startups de saúde, mas iniciativas em novas áreas apontam novas possibilidades
Mesmo antes da pandemia, o ecossistema de inovação em saúde começou a ganhar o reforço de peso das healthtechs – startups com foco em resolver problemas na área da saúde. Se em 2013 o Brasil possuía 365 novas empresas, em 2023 esse número saltou para mais de 1,2 mil – um aumento de quase quatro vezes, segundo relatório da Distrito. Após essa década, que registrou um boom de startups, o mercado vive novo momento: o desafio da integração de dados, o acesso por parte da população às tecnologias hoje disponíveis no mercado, o avanço de soluções nas áreas de biotecnologia e inteligência artificial, temas esses que estão no radar das healthtechs. Ao mesmo tempo, mais do que ideias inovadoras, há cada vez mais uma exigência do mercado para que as novas ferramentas apresentem resultados e que sejam integráveis aos modelos existentes.
A pandemia impulsionou a implementação de novas tecnologias no setor de saúde, com destaque para a telemedicina. De acordo com o mesmo levantamento da Distrito, desde 2019 as healthtechs brasileiras receberam US$ 1,4 bilhão de investimento, sendo 2021 o ano recorde. E, dentre as categorias, telemedicina é a terceira que mais concentra empresas, representando 11% das startups – gestão e prontuário eletrônico lideram com 27,6% e acesso à saúde aparece em segundo lugar, com 15%.
Hoje, o ecossistema de saúde tem a sustentabilidade como um dos maiores desafios, e apostar em inovação e soluções alternativas, que focam na prevenção e não apenas no tratamento de doenças, faz parte do caminho para superar este momento de crise. Instituições de saúde e empresas tradicionais do setor perceberam ao longo dos anos que a agilidade das healthtechs poderia auxiliar na resolução de diversos desafios.
“Embora tenhamos avançado no modelo de cuidado, as tecnologias ainda possuem barreiras de acesso, e questões relacionadas à eficiência operacional, bem como a interoperabilidade, ainda são dores relevantes para o sistema de saúde”, ressalta Camila Hernandes, gerente da Eretz.bio, hub de startups do Einstein. “Outro ponto a ser superado é engajamento dos indivíduos em relação ao autocuidado com sua saúde. Apesar dos esforços, ainda há espaço para o desenvolvimento de soluções e modelos efetivos para a prevenção de doenças”.
Ela destaca que “antes da pandemia, eram poucas as grandes empresas abertas ao relacionamento com as startups”. O Einstein era uma dessas instituições que acreditava no potencial de fomentar inovação através do relacionamento com essas healthtechs: em 2017 fundou a Eretz.bio, primeiro hub de inovação com foco em saúde no Brasil. Desde essa época, foi estabelecido programas de incubação e aceleração que já contemplaram cerca de 120 iniciativas, além das iniciativas de open innovation que somam mais de 250 projetos com startups.
Novas demandas de saúde digital
O perfil de soluções também tem mudado. Antes, as startups de saúde eram focadas na atuação em gestão hospitalar, mas agora, áreas como a interoperabilidade dos dados e a ampliação do acesso a tecnologias têm ganhado espaço, impulsionadas pelo surgimento de aplicativos de monitoramento de pacientes, inteligência artificial (IA) para o suporte de decisões clínicas e aprimoramento da telemedicina.
Soluções de IA e big data, inclusive, já despontam como a quarta categoria que mais possui startups no Brasil, segundo o relatório da Distrito. “Já temos IAs que auxiliam nas consultas, ao escrever automaticamente o que o paciente relata ao médico no prontuário eletrônico. Isso, na prática, poupa um tempo do médico, que pode ser convertido em atenção ao paciente”, exemplifica Rodrigo Vilar, CEO da Iniciativa FIS, ecossistema de lideranças da saúde com foco em geração de dados e informação.
E há ainda, como aponta Hernandes, a evolução da biotecnologia, da engenharia de materiais e da ciência da computação no desenvolvimento de tecnologias de saúde. “Hoje, por exemplo, as biotechs/deeptechs que eram vistas de maneira muito tímida no Brasil acabaram ganhando mais visibilidade e atenção”, afirma. Ela cita exemplos: “Produtos de terapias avançadas, dispositivos vestíveis com nanossensores para monitoramento de dados de saúde, soluções autônomas, tecnologias de interface cérebro-máquina, testes diagnósticos não invasivos, computação quântica – que pode revolucionar descobertas de novos medicamentos e soluções mais precisas para prevenção e diagnósticos de doenças, acelerando a medicina personalizada”.
Sobrevivência financeira
Também é preciso convencer grandes players com um histórico mais tradicional de que a parceria com startups não diz apenas sobre concorrência, mas sobre sobrevivência e sustentabilidade do sistema de saúde como um todo. A demora para constatar um retorno sobre o investimento – comum a qualquer empreendimento – ainda é motivo de ressalvas para os mais conservadores.
“Em um setor que está com problemas de sustentabilidade, qualquer nova incorporação tecnológica tem custos de implementação no primeiro momento. No segundo, você realiza melhorias, e só no terceiro você tem os ganhos financeiros. Mas você não sabe quando esse terceiro momento vai chegar. Então, havia e ainda há certa aversão por parte dos players maiores”, explica Vilar.
Se consolidar como uma empresa sustentável já não é tarefa fácil e há ainda fatores externos, como o cenário macroeconômico, que pesam na decisão de investimento em startups. Um recente relatório da consultoria Bain & Company mostrou que, em âmbito global, apesar de investimentos recordes em saúde em 2021 e 2022, as instabilidades geopolíticas, inflação e taxas de juros crescentes têm pressionado o acesso ao crédito e feito fundos de investimento se tornarem mais seletivos.
A falta de experiência em gestão empresarial e empreendedorismo por parte dos novos players é outro elemento que faz com que muitas iniciativas se deparem com um futuro incerto, mesmo em um momento aparentemente promissor. “Os empreendedores na saúde, que muitas vezes são médicos, enfermeiros, profissionais da área como um todo, fizeram um ótimo trabalho ao criar tantas iniciativas”, aponta Vilar. “Mas, ao fazer uma média, grande parte está empreendendo pela primeira vez. Não tem conhecimento em investimento, maturidade de negócios, fluxo de caixa. Além disso, o setor por si só ainda é muito conservador quando comparamos a outros, como o mercado financeiro e o movimento dos bancos digitais. Na saúde, precisamos começar a criar essa cultura”.
Há ainda outra questão que envolve a sustentabilidade do setor como um todo. A líder do segmento Healthcare & LifeSciences da KPMG, Rita Ragazzi, em artigo recente ao Futuro, avaliou que “ainda vivemos uma geração de startups que endereçam gaps no acesso à saúde, ou seja, trazem diferentes soluções para problemas de acesso e escala, entregando conveniência ou reunindo demanda pulverizada para a criação de um novo filão de receita, antes não explorado”. Para ela, “o setor corre risco de agregar ainda mais complexidade a um sistema que não está conseguindo digerir os problemas antigos, quanto mais lidar com novos custos e demandas a serem incorporadas”.
Por isso, Ragazzi destaca que “o crescimento precisa trazer o conceito de integração, da avaliação consistente de impacto positivo e sustentável do cuidado para o paciente, para a sociedade e para as instituições que propiciam este cuidado, e isso demanda um modelo focado na gestão da informação e não apenas no controle ou geração de novas frentes de demanda”.
Apesar dos desafios, a notícia é boa: o mercado segue aquecido, o momento global para o setor de saúde é favorável e há espaço para crescimento. Segundo o relatório da Distrito, o Brasil concentra mais de 61% de todas as healthtechs na América Latina, um sinal de que o ecossistema brasileiro está atento e buscando apresentar soluções para melhorar a saúde no país.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.