Futuro da oncologia caminha para a personalização de tratamentos e até vacinas

Futuro da oncologia caminha para a personalização de tratamentos e até vacinas

Melhoria nos tratamentos, com foco na medicina de precisão, e no rastreamento precoce avançam em paralelo para moldar um novo futuro da oncologia

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By Published On: 26/07/2023

São muitas as inovações que estão reinventando a área de oncologia nas últimas duas décadas. Imunoterapia, aperfeiçoamento da radioterapia, CAR-T Cell, terapia-alvo e a combinação entre elas são algumas das modalidades que têm ampliado os horizontes para o tratamento. Ao mesmo tempo, novas estratégias de rastreamento precoce, o uso de tecnologia e até vacinas oncológicas devem abrir um novo capítulo nesse futuro da oncologia, muito focado na personalização.

“Hoje a gente consegue fazer um tratamento oncológico que não seja na lógica de ‘um terno para todo mundo’, nós conseguimos ser alfaiates, moldando de acordo com o paciente. Eu acredito muito que a medicina de precisão seja o futuro da oncologia”, afirma Oren Smaletz, oncologista do Einstein e ex-vice-presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).

Essa evolução se deve ao entendimento ao longo dos anos de que a doença se manifesta de formas diferentes em cada indivíduo e, portanto, soluções individuais tendem a trazer resultados mais efetivos e redução dos efeitos colaterais comuns à quimioterapia – uma vez que o tratamento mata também as células saudáveis em crescimento.

Por isso, segundo a oncologista Anelisa Coutinho, presidente eleita da SBOC, a heterogeneidade e o microambiente tumoral têm sido alvos de pesquisa, pois representam um desafio para a generalização das abordagens terapêuticas e perenidade das respostas. E mais: “Espera-se também um desenvolvimento contínuo, desde melhores técnicas de rastreamento do câncer com possibilidade de evolução das pesquisas no rastreamento personalizado através da biópsia líquida e genômica até, talvez, poupar cada vez mais pacientes de tratamentos cirúrgicos”.

Avanços nas terapias

São vários os estudos sobre terapias que atuam de forma personalizada, como o uso de medicamentos baseados em mRNA e o CAR-T Cell, considerado uma grande aposta. A técnica consiste em coletar os linfócitos do paciente, e, através da engenharia genética, ensinar o que eles devem atacar. Feito isso em laboratório, os linfócitos do organismo do indivíduo são mortos e os novos, injetados.

No Brasil, a terapia já atendeu 14 pacientes pela rede pública em um protocolo adotado pela Universidade de São Paulo (USP), em parceria com o Instituto Butantan e o Hemocentro de Ribeirão Preto. Todos os pacientes tratados tiveram remissão de ao menos 60% dos tumores.

O grande desafio do CAR-T Cell, agora, é a sua expansão para atuação em tumores sólidos. Isso porque esse tipo de tumor apresenta uma maior mutação do ponto de vista antígeno, o que dificulta a criação de vetores mais específicos. Smaletz compartilha que no Einstein, uma força-tarefa está sendo criada para iniciar os estudos da tecnologia neste tipo de tumor:

“A ideia é iniciar os estudos clínicos nos próximos anos, já autorizados pelo nosso comitê de ética e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Agora, estamos na etapa de busca por patrocínio, onde vamos tentar uma parceria com o Governo Federal”.

Outra solução que segue avançando é a imunoterapia. Embora não seja recente, ela tem se desenvolvido de maneira surpreendente, principalmente graças aos avanços da medicina molecular, como avalia Raphael Di Paula Filho, chefe do setor de cirurgia oncológica do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo e oncologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo (BP): “O grande agente transformador foi o entendimento da base genética molecular das principais patologias, o acesso ao DNA e as pesquisas. Temos as grandes pesquisas sobre as terapias-alvo, que conseguem agir de maneira específica para a alteração de um determinado tumor. Isso é o que deve mudar daqui para frente”.

Além disso, as chamadas drogas-alvo também têm revolucionado o tratamento oncológico. Muitas funcionam de forma mais abrangente, não focando no tipo de tumor em si, mas em defeitos moleculares específicos, como explica a presidente da SBOC:

“Essas drogas são direcionadas a tumores com determinadas alterações gênicas, atingem diretamente o tumor poupando as células normais e, portanto, ocasionando menos efeitos adversos. Algumas dessas drogas são ‘agnósticas’, ou seja, funcionam para um defeito molecular específico, que pode ser encontrado em vários tipos de câncer, como os inibidores seletivos de NTRK. Recentemente, outro avanço com benefícios de resposta e sobrevida se deu com os anticorpos conjugados droga-anticorpo, como é o caso do trastuzumabe-deruxtecan. Essa tecnologia combina um quimioterápico com um anticorpo e tem como alvo uma alteração molecular (no caso a hiperexpressão de HER2), presente em alguns tipos de tumor e é bastante promissora”.

Vacinas oncológicas podem ser o futuro da oncologia

Há ainda diversos estudos em andamento sobre vacinas que previnem tumores. Vale lembrar que já há imunizantes que previnem fatores de risco ligados a alguns tipos de tumor, como as vacinas contra o HPV e a Hepatite B, dois tipos de vírus muito associados a câncer de fígado, faringe, colo do útero, pênis e vagina, como lembra Oren:

“A hepatite acaba causando inflamação crônica no fígado e isso é fator de risco para câncer. Então, a vacina já é anticâncer de certa forma. A vacina do HPV, que é um grande avanço dos últimos 15, 20 anos, também. O HPV está relacionado ao câncer de colo de útero, de vagina, de pênis e de faringe, por causa do sexo oral e infecção do HPV. São duas vacinas que já são preventivas para câncer”.

Mas a ideia agora é criar vacinas para cânceres não ligados a vírus. “Nossa tecnologia sempre foi para vacinas para vírus, então fazia sentido começar com essas. Para evitar câncer de mama, de próstata, por exemplo, é algo que tem que ser pensado”, pontua.

As pesquisas atuais têm como objetivo o desenvolvimento de vacinas terapêuticas, para indução de uma regressão tumoral, como destaca o artigo publicado na Nature Review Cancer em 2021. Ou seja, o público-alvo são os pacientes que já desenvolveram um tumor ou que realizaram rastreio e tem indicação para terapias preventivas mais ativas.

“A ideia é erradicar a doença microscópica a ponto de o câncer não evoluir nos que ainda não tem tumor visível, ou até funcionar como uma barreira para que as células tumorais nunca pudessem se desenvolver nos indivíduos sadios. Entretanto, a imunossupressão induzida pelo tumor e a possibilidade de resistência imune são desafios a serem ultrapassados para obtenção do sucesso nessa abordagem”, diz Coutinho, da SBOC.

Pesquisa, rastreio e diagnóstico precoce

Para Oren, o investimento em pesquisa clínica é fundamental para manter esse ritmo de desenvolvimento da área: “A oncologia só avança através de pesquisa clínica, e no Brasil ainda sofremos com isso. A questão é que a maioria das pesquisas são para confirmação da efetividade de novos remédios, e não com o objetivo de testar novos medicamentos. Além disso, os pacientes brasileiros de certo modo também veem pesquisa com um certo receio, acham que vão ser cobaias, o que é um equívoco, uma vez que todos os estudos são baseados na aprovação dos comitês de ética. É algo que deveríamos trabalhar”.

Mas enquanto a ciência caminha para evoluir os tratamentos, há em paralelo outro avanço em andamento: as técnicas já existentes e bem-estabelecidas no portfólio oncológico foram aprimoradas, o que facilitou processos como o diagnóstico precoce, fator que pode ser decisivo no desfecho. Smaletz cita a tomografia de baixa dose de radiação para pacientes tabagistas como um desses aperfeiçoamentos:

“Antigamente, fazíamos para os pacientes tabagistas uma radiografia do pulmão, mas é um exame antigo, de duas dimensões, que entregava muitos falsos positivos e falsos negativos. Agora, já temos a tomografia de tórax, um exame de três dimensões que permite observar muito mais detalhes. Os aparelhos tomógrafos melhoraram bastante, você consegue ver até nódulos com menos de meio centímetro”.

Os avanços mecânicos não se resumem aos exames de imagem, mas também às tecnologias cirúrgicas, com o surgimento dos robôs auxiliares de alta precisão e o desenvolvimento de técnicas minimamente invasivas como a eletroporação irreversível, também conhecida como Nanoknife. Uma contribuição da nanotecnologia.

Apesar de todos esses aprimoramentos, o oncologista do Einstein conclui com outro ponto importante: a conscientização da população em relação aos hábitos de vida. “Todos querem uma vacina contra o câncer, mas mudar hábitos alimentares, parar de fumar e se exercitar traz resultados muito mais interessantes”.

Isabelle Manzini

Graduada em jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. Atuou como jornalista na Band, RedeTV!, Portal Drauzio Varella e faz parte do time do Futuro da Saúde desde julho de 2023.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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