Frente Parlamentar de saúde mental trabalha a criação de agenda prioritária sobre o tema no Congresso

Frente Parlamentar de saúde mental trabalha a criação de agenda prioritária sobre o tema no Congresso

Lançamento da Frente Parlamentar já solicitou tramitação de urgência para Projetos de Lei e busca ampliar o debate com sociedade e governo

By Published On: 13/09/2023

Cerca de um bilhão de pessoas vivem com algum tipo de transtorno mental no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). E, segundo relatório da entidade, o Brasil é o país com o maior número de pessoas ansiosas: 9,3% da população. Com o objetivo de fortalecer os debates e as políticas públicas de saúde mental, em agosto foi oficializada a Frente Parlamentar Mista para a Promoção da Saúde Mental, com a presidência da deputada Tabata Amaral (PSB-SP), que conversou com Futuro da Saúde sobre os próximos passos da iniciativa – que envolve a definição de uma agenda prioritária no Congresso – e os desafios do tema.

Para ela, saúde mental ainda é um tabu: “Essa é a primeira frente dedicada ao tema da saúde mental no Congresso e nós precisamos trazê-lo com seriedade e responsabilidade, para então avançar em diálogo com a sociedade”. A proposta é de certa forma uma resposta ao pedido que o diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Jarbas Barbosa, fez em junho aos líderes e tomadores de decisão: ele solicitou que garantam que a saúde mental seja colocada no topo das agendas políticas e integrada a todos os setores.

O lançamento oficial ocorreu em 15 de agosto no Salão Nobre da Câmara dos Deputados, com parlamentares e representantes da sociedade civil. A iniciativa conta ainda com a vice-presidência do deputado Célio Studart (PSD-CE) e com o deputado André Janones (Avante-MG) na secretariageral. Durante as eleições, Janones chegou inclusive a postar em suas redes que havia ventilado com o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva a possibilidade criação de uma secretaria de saúde mental, ligada ao Ministério da Saúde, em troca deu apoio à candidatura – atualmente há um departamento dentro de ministério, mas não com status de secretaria.

A nova frente, além de apoiar o desenvolvimento de uma agenda prioritária de projetos de leis e propostas na saúde mental que sejam baseadas em evidências dentro do Legislativo, vai também atuar em parceria com outros poderes, permitindo que a pauta ocupe cada vez mais espaço nas políticas públicas.

A Frente é composta por 16 grupos temáticos, coordenados por parlamentares e criados para pensar a saúde mental nas suas diversas áreas, como escolas, crianças e adolescentes, mulheres, masculinidade, relações étnicas e raciais, população LGBTQIA+, álcool e outras drogas, atenção primária, atenção especializada, pessoa idosa, orçamento, fiscalização, população em situação de rua e inserção social, trabalho, segurança pública e internet.

A deputada Tabata Amaral ressalta que, além dessa estrutura, o grupo se baseia nos avanços que foram conquistados pela reforma psiquiátrica nos últimos anos: “Apesar de falta investimento, nós temos uma estrutura muito importante resumida na Raps (Rede de Atenção Psicossocial) e queremos justamente expandir o trabalho feito nesse sentido”, aponta. Atualmente, o Brasil conta com 2.836 CAPS habilitados, distribuídos entre 1.910 municípios de todos os estados e no Distrito Federal. Estes são pontos de atenção para o atendimento de pessoas com problemas mentais.

Mobilização da sociedade civil pela Frente Parlamentar

Para Bruno Ziller, coordenador de projetos do Instituto Cactus, “a criação de uma Frente Parlamentar pode ser importante catalisador desta pauta a nível social e político”. A organização tem trabalhado para ampliar o debate e os cuidados em prevenção de doenças e promoção de saúde mental no Brasil e tem atuado para apoiar técnica e financeiramente soluções que contribuam para essa causa. Por esta razão a ONG também foi convidada a apoiar os trabalhos da Frente Parlamentar.

Dentre as ações feitas pelo Cactus está a criação de uma ferramenta inédita de monitoramento contínuo e dinâmico da saúde mental dos brasileiros, o Panorama da Saúde Mental. A iniciativa inclui o iCASM (Índice Instituto Cactus-Atlas de Saúde Mental), que, segundo Ziller, vai gerar uma série histórica sobre a saúde mental dos brasileiros, permitindo recortes e análises sob o ponto de vista sociodemográfico e de hábitos de vida, preocupações e relações sociais. O primeiro resultado divulgado indicou que a situação da saúde mental da população brasileira no primeiro trimestre de 2023 atingiu a pontuação de 635, em uma escala que vai de 0 a 1000.

“Para que esse tema seja reconhecido com a relevância e urgência necessárias, é importante termos cada vez mais dados e informações que possam servir não só no combate aos estigmas que ainda permeiam o tema, mas também para auxiliar em uma compreensão mais ampla e profunda sobre o fenômeno da saúde mental e suas possíveis abordagens”, afirma o coordenador.

Isso faz parte do objetivo da organização de ajudar na formulação de políticas públicas efetivas baseadas em evidências, a partir de dados consistentes, atualizados e passíveis de serem agregados de diferentes formas. Ziller também destaca a importância do surgimento e fortalecimento de espaços formais de debate e construção no tema, que institucionalizem as discussões sobre a saúde mental e a coloquem no centro da agenda.

Quem também abraça a causa é o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), que exerce a secretaria executiva da Frente. O instituto foi responsável pela organização do encontro de planejamento, contribuindo para a construção da Agenda Legislativa, apresentando produtos e pesquisas para subsídio técnico e político dos atores envolvidos e propondo ações de comunicação. Além disso, o IEPS elaborou o Guia Parlamentar de Saúde Mental, que pretende descomplicar a compreensão do tema no Poder Legislativo.

Para Filipe Asth, doutor em políticas públicas e secretário executivo da Frente Parlamentar Mista para Promoção da Saúde Mental pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), a Frente tem uma importância estratégica fundamental para dar a visibilidade necessária ao tema e fazer avançar as políticas de saúde mental no país:

“Em se tratando de uma instância que tem por prerrogativa a construção de proposições legislativas e fiscalização do poder público, tornou-se fundamental a criação de instrumentos que pudessem auxiliar nesse processo”, destaca.

As dificuldades para implementar políticas pública de saúde mental

Os especialistas reforçam que um dos grandes desafios é consolidar a pauta como prioritária. “Garantir qualidade de vida e condições de acolhimento aos que se encontram em sofrimento também é o que tornará o país menos desigual”, comenta Filipe Asth. Por isso os esforços para mostrar que a saúde mental não tem sido considerada nas agendas globais de desenvolvimento e saúde.

Outro debate é sobre a alocação de recursos para a saúde mental nos orçamentos nacionais de saúde dos países das Américas. São apenas 3%, quando deveria ser de pelo menos 5%, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Ou seja, um dos mais sérios obstáculos à abordagem deste problema de saúde pública é econômico.

Ao mesmo tempo, o cenário pede uma efetiva construção de um plano para dar conta de um tema tão atual: “Estamos falando de uma verdadeira epidemia que, sim, se agravou com a pandemia da Covid-19, mas que acompanha a humanidade”, aponta a deputada Tabata Amaral.

Aliado a isso, as estatísticas mostram um cenário preocupante, de acordo com os últimos dados voltados para a saúde mental: uma pesquisa revelou que pessoas com doença mental não recebem cuidados e/ou aqueles que os recebem demoram em média 14 anos para obter tratamento, desde o aparecimento dos primeiros sinais e/ou sintomas.

Ainda, de acordo com o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), o total de óbitos no país por lesões autoprovocadas dobrou nos últimos 20 anos, passando de 7 mil para 14 mil. A duplicação neste número no pós-pandemia levanta preocupações com a condição psicológica dos brasileiros.

De acordo com Filipe Asth, foi realizada uma formação básica para as assessorias das coordenações dos eixos temáticos e atividade de planejamento estratégico para estabelecer metas que serão a base da Agenda Legislativa, um conjunto de proposições como projetos de leis, audiências públicas e levantamentos de informação. “A construção dessa agenda é o próximo passo, sendo esse o pilar essencial de todo o conjunto de ações, pois será através dela que efetivamente iremos garantir os avanços necessários”, acredita.

Para a deputada Tabata Amaral, a Frente Parlamentar buscará fazer esse debate amplo com o governo para que se eleve o investimento nessa área: “Para isso, trabalhamos de forma muito coletiva, seja com dezenas de parlamentares que compõem a frente, mas também com o apoio de autoridades, especialistas e organizações públicas e privadas, com uma atuação destacada nessa área da saúde mental”, defende. Segundo a deputada, a equipe está terminando um planejamento estratégico, com projetos, forma de atuação e orçamento, que será apresentado para a sociedade.

Bruno Ziller, do Instituto Cactus, avalia que a pauta deve ser institucionalizada em mais espaços de debate, seja nas políticas públicas, no setor privado ou na sociedade: “Precisamos ampliar o nosso olhar atual e ir além do paradigma que enxerga a saúde mental apenas a partir da perspectiva da doença e do tratamento, mas avançar no seu entendimento a partir da perspectiva da saúde e de sua promoção e de abordagens que incorporem aspectos de prevenção e intervenções precoces. A construção de uma Frente Parlamentar é, nesse sentido, um importante reconhecimento da relevância da pauta no Congresso Nacional e permite também a priorização de esforços para solidificar ainda mais essa agenda”.

Deputada Tabata Amaral (PSB-SP) durante evento de lançamento da Frente Parlamentar de Saúde Mental
Deputada Tabata Amaral (PSB-SP). Foto: Gilmar Félix/Câmara dos Deputados
Angélica Weise

Jornalista formada pela UNISC e com Mestrado em Tecnologias Educacionais em Rede pela UFSM. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou nos portais Lunetas, Drauzio Varella e Aupa.

About the Author: Angélica Weise

Jornalista formada pela UNISC e com Mestrado em Tecnologias Educacionais em Rede pela UFSM. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou nos portais Lunetas, Drauzio Varella e Aupa.

One Comment

  1. Cleiton Toleto 10/12/2023 at 12:35 - Reply

    Conteúdo fantástico! Muito informativo e bem escrito.
    Parabéns pela qualidade!

Leave A Comment

Recebar nossa Newsletter

NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

Artigos Relacionados

Angélica Weise

Jornalista formada pela UNISC e com Mestrado em Tecnologias Educacionais em Rede pela UFSM. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou nos portais Lunetas, Drauzio Varella e Aupa.