Frank Stangenberg-Haverkamp, chairman do conselho executivo da Merck: “Por ser familiar, pensamos no longo prazo e não em resultados trimestrais”

Frank Stangenberg-Haverkamp, chairman do conselho executivo da Merck: “Por ser familiar, pensamos no longo prazo e não em resultados trimestrais”

Merck investe 2,5 bilhões de euros por ano em pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos e quer lançar um novo produto a cada 1,5 ano.

By Published On: 05/12/2023

Manter uma empresa familiar no mercado de saúde não parece uma tarefa fácil, principalmente em um cenário de fusões, aquisições, busca por investimento e crescimento acelerado. A Merck, indústria farmacêutica alemã, mostra que o caminho para a expansão dos negócios pode ser um pouco mais lento, mas que é possível atuar de frente a outros players do setor. Esse foi um dos temas da entrevista exclusiva com Frank Stangenberg-Haverkamp, chairman do Conselho Executivo e do Conselho Familiar da Merck global.

Em visita recente ao Brasil, ele conversou com o Futuro da Saúde sobre a sua visão de mercado, trazendo insights sobre o cenário e a importância da América Latina para os negócios da empresa. Na 13ª geração, a Merck investiu 2,5 bilhões de euros em pesquisa e desenvolvimento de medicamentos em 2022 e tem a meta de lançar um novo tratamento ou uma nova indicação a cada 1,5 ano. Para isso, tem contado com o auxílio de inteligência artificial no desenvolvimento de estudos clínicos. A expectativa de receita para 2023 está entre 20,5 bilhões e 21,9 bilhões de euros.

Veja abaixo os principais trechos:

Hoje, quais os principais negócios da Merck?

Frank Stangenberg-Haverkamp – Atuamos em três áreas de negócios diferentes, o que pode ser um pouco incomum para uma empresa de saúde. Cerca de 40% de nossos negócios são em life science, 40% em healthcare e 20% em eletrônicos. Eles são bem próximos. Não são relacionados, mas não são tão diferentes. Para nós, como empresa, é muito importante manter essa divisão em três negócios. É também uma forma de mitigar o risco para nossos acionistas, para a família e para as pessoas que trabalham conosco, da melhor maneira possível. E faz parte da nossa estratégia de longo prazo permanecer dividido em três áreas e assim a família possuir 70,3% do negócio. Todo o nosso dinheiro, todo o nosso financiamento vai para o negócio da Merck.

E quais as principais especialidades dentro da medicina?

Frank Stangenberg-Haverkamp – Temos a medicina geral, que são os produtos clássicos, com foco local para diabetes, útero, tórax e para pressão arterial. Você também pode obtê-los no mercado de genéricos, mas os fazemos como um genérico de marca, que é uma forte espinha dorsal para o nosso negócio. E, claro, no Brasil há um rigoroso grupo de produtos. Temos uma participação de mercado muito alta porque é um bom medicamento, padrão ouro. Você não consegue nada melhor e mesmo que coloque muito dinheiro em pesquisa, é praticamente impossível melhorá-lo. Mas por outro lado, do lado mais sofisticado, produzimos principalmente para oncologia e neurologia. Ambas são áreas de indicação que são relativamente pequenas. Então, por que estamos nessas áreas? Oncologia não precisa de uma grande venda, enquanto alguns outros medicamentos você precisa que muitas pessoas consumam. Oncologia está principalmente em hospitais ou em alguns médicos muito especializados, e é por isso que estamos focados nisso. Não podemos nos esquecer que não somos a Merck americana ou a GSK. Nós somos a Merck alemã, uma empresa de porte médio, e queremos nos concentrar nessas áreas. Nossos investimentos em pesquisa e desenvolvimento são cerca de 2,5 bilhões de euros, para desenvolver medicamentos para esclerose múltipla e câncer.

O que de mais inovador a Merck está produzindo?

Frank Stangenberg-Haverkamp – Não posso contar todos os detalhes. A propósito, não sou farmacêutico, sou economista e advogado. Mas nessas áreas que mencionei, se você olhar para Mavenclad, é uma droga muito inovadora. Basicamente você toma um comprimido para esclerose e não precisa mais de uma injeção todos os dias. Esse é um dos nossos medicamentos mais recentes. Apresentamos ao mercado outros medicamentos nesse sentido também. Também já estamos usando muita inteligência artificial em nosso processo de P&D, para realmente otimizar esse processo, e estamos concentrando nos esforços de desenvolvimento para estender isso. Não é mais como muitas empresas faziam antigamente, incluindo nós, com pesquisas para muitas áreas. Tentamos realmente concentrar-nos porque os nossos limitados 2,5 bilhões de euros significam muito, mas se olharmos para, por exemplo, outros que gastaram 10 bilhões de dólares, não. Por isso temos de ter cuidado com a forma como os gastamos. 

Quais os principais desafios para a pesquisa clínica no mundo?

Frank Stangenberg-Haverkamp – Os desafios estão em encontrar candidatos suficientes para fazer uma pesquisa clínica adequada nas diferentes áreas em todo o mundo. Também para encontrar as instalações de pesquisa certa. Na Ucrânia, por exemplo, tínhamos vários programas em execução quando a guerra chegou e o que faremos? Transferimos parte deles para a Polônia e para outros países vizinhos. Mas é claro que sempre, como sabem, significa imediatamente um revés de um a dois anos e muito dinheiro, porque a fase 2 e a fase 3, em particular, custam até 250 milhões de euros. Isso é muito caro.

Trazendo a visão de dentro de uma farmacêutica, a precificação tem sido um desafio para a Merck? 

Frank Stangenberg-Haverkamp – O preço de cada empresa farmacêutica é um grande desafio e é muito diferente de mercado para mercado, porque o que as pessoas não entendem, incluindo os políticos alemães, inclusive, e tenho certeza que os políticos brasileiros são muito diferentes nesse aspecto. O desenvolvimento de uma nova droga se você apenas olhar para esta droga, custa talvez de 200 a 300 milhões de euros, mas claro, se levarmos em conta todo o dinheiro que gastamos para chegar a esta substância ativa e fizermos a investigação relacionada com as diferentes fases 1,2, 3 e 4, então falaremos de 1,8 a 2 bilhões de dólares. Então, é muito caro e no mercado fala-se muito em redução do período da propriedade intelectual, de 12 para 8 anos. São medicamentos melhores também para os países em desenvolvimento, mas isso realmente significa que você não pode recuperar todo o dinheiro para gastar em pesquisa e desenvolvimento. Se você olhar para os diferentes mercados, no mercado americano sabemos que os medicamentos são caros. Nos mercados alemães também são relativamente caros. Quando você vai aos mercados espanhóis são mais baratos, então depende sempre do mercado e de como é a estrutura do mercado. Se você ajuda o sistema de seguro saúde ou se é um sistema administrado por um governo. Esse é um dos maiores desafios para as antigas empresas farmacêuticas no futuro, a fixação de preços de novos produtos e a garantia de que podem pelo menos recuperar todo o investimento que fez para chegar a este medicamento.

Qual a importância de representar uma das mais importantes famílias da indústria farmacêutica dentro do conselho?

Frank Stangenberg-Haverkamp – Eu cresci nela, então… (risos). Não estou nesta posição só porque sou um membro da família, temos um sistema de governança muito rígido. Temos o mesmo com nossa CEO, Belén Garijo. É médica e não está lá porque é mulher, está lá porque é brilhante. Sinto-me um privilegiado por, como membro da família, poder representar o nosso negócio, que já existe há 355 anos. Isso é algo que tenho orgulho. Estou no Brasil desde ontem, encontrei muitos colegas aqui várias vezes antes, mas novamente devo dizer que é realmente um grupo muito bom de pessoas, muito engajadas, bem educadas, bem treinadas e totalmente comprometidas com o mercado de saúde brasileiro também. O que é importante porque o nosso objetivo é realmente ajudar as pessoas a levar uma vida melhor.

Ser uma empresa familiar foi importante para o desenvolvimento da Merck?

Frank Stangenberg-Haverkamp – Não tenho certeza. Eu acho que deu estabilidade no longo prazo, porque se você olhar para empresas americanas, elas sempre pensam trimestre após trimestre, em relatórios de resultados trimestrais. Somos diferentes. Pensamos no longo prazo, pensamos em gerações, porque não queremos vender o negócio. Não está à venda. Você quer manter o negócio para nossos filhos, netos e até agora temos uma abordagem diferente. Se formos comprar, por exemplo, serão aquisições como a Sigma-Aldrich na área de life science. Não foi uma aquisição cara, mas porque não estamos tão interessados em bons resultados trimestrais. Para nós é mais importante uma estratégia certa, sobre como isso vai funcionar entre 5 e 10 anos. Se você olhar para nossa divisão de life science, ela está apresentando um desempenho extremamente bom no momento. É um ambiente de mercado difícil em todo o mundo, mas basicamente a estratégia está funcionando.

Qual a visão da indústria estrangeira e multinacional sobre o Brasil? Ainda é um solo fértil, com grande potencial de negócios?

Frank Stangenberg-Haverkamp – O Brasil é um país muito importante. Eu realmente tenho que insistir nisso porque o Brasil é muito importante, estamos aqui há 100 anos, quando iniciamos nossa primeira subsidiária no país. O lado farmacêutico é um dos principais mercados que nós também temos. Temos mais de 1.300 pessoas trabalhando no Brasil, realmente levamos isso a sério. Temos grandes indústrias farmacêuticas no Rio e nosso negócio de life science está aqui em São Paulo, então para nós o Brasil é o mercado mais importante da América Latina. Também pela história, porque meu tio que dirigia o negócio antes, quando criança cresceu na América Latina, porque seu pai era embaixador no Uruguai e depois no Paraguai. Depois da Segunda Guerra Mundial, se certificou de que tivéssemos subsidiárias em toda América Latina e também na América do Norte. Portanto, nenhum outro mercado foi coberto por Merck tão cedo e tão profundamente quanto o mercado latino-americano. Veja o que aconteceu com a Venezuela. Ainda estamos lá, mas a maioria das empresas saiu. Não há mais especialistas ou a produção está reduzida ao mínimo, mas ainda temos a presença. Nós mantemos porque as coisas vão mudar, como no Peru. Olha o tamanho do Brasil, de mais de 200 milhões de pessoas. Vocês são o maior país, então não podemos ignorar. Temos que trabalhar duro.

Na sua avaliação, qual foi a evolução da Merck nos últimos 20 anos?

Frank Stangenberg-Haverkamp – Evoluímos juntamente com a indústria farmacêutica, nem mais, nem menos. Somos um player importante e de médio porte. Somos respeitados, inovadores e até agora nos desenvolvemos exatamente como os grandes players. Talvez não possamos trazer dois medicamentos todos os anos porque só trazemos um novo medicamento a cada ano e meio, mas somos um player relevante nos mercados que queremos permanecer. Se não for assim, você não conseguirá as pessoas de que precisa, você precisa de cientistas talentosos e curiosos para colaborar, e só conseguirá se fornecer uma estrutura que seja atraente para eles.​

E como você vê o futuro da indústria farmacêutica?

Frank Stangenberg-Haverkamp – Preciso de uma bola de cristal (risos). O futuro da indústria é difícil. É um setor difícil porque você nunca sabe quais serão os resultados do lado de P&D. Esse é um dos desafios mais surpreendentes de uma droga. Quais são os governos ou sociedades preparados para pagar por uma droga e, claro, por outro lado, as drogas são necessárias? Se olharmos para a Rússia ou o Irã, ambos os países estão sob restrições. Sim, mas é claro que os mercados farmacêuticos não fazem parte disso, então continuamos a fazer nossos negócios na Rússia, não para ganhar dinheiro, não fazemos isso lá, mas simplesmente para fornecer medicamentos que salvam vidas. As pessoas usam continuamente, porque você não pode parar de repente, precisa fazer isso se precisar de um certo arbitramento para produtos oncológicos. Temos que continuar sendo tratados por um certo período de tempo e isso continuará. As coisas não ficarão mais fáceis, o maior desafio serão as regulamentações provenientes dos órgãos reguladores de diferentes governos, seja o FDA ou o EHMA na Alemanha e todos os diferentes locais, mas isso é algo com que temos que lidar há anos. Não será menos. Será mais regulamentação adequada para o governo.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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