Francisco Saboya, presidente da Embrapii: “Sem velocidade, inovação não anda”
Francisco Saboya, presidente da Embrapii: “Sem velocidade, inovação não anda”
Em entrevista ao Futuro da Saúde, Francisco Saboya explica o papel da Embrapii no fomento à inovação da indústria brasileira e da saúde
A Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) celebrou 10 anos em 2023 e busca se consolidar cada vez mais como um agente indutor do desenvolvimento da indústria brasileira. Por meio de uma rede formada Instituições Científicas Tecnológicas (ICT), atua em conjunto com várias indústrias para apoiar projetos de inovação. A saúde é uma delas. E, com as recentes movimentações do Complexo Econômico e Industrial da Saúde, isso deve se intensificar ainda mais. É o que aponta Francisco Saboya, diretor-presidente da Embrapii, em entrevista ao Futuro da Saúde.
Economista e mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Saboya explicou ao longo da conversa o modelo de atuação da instituição e como ela pode de fato ajudar no desenvolvimento da área da saúde. Segundo ele, o Complexo é um aliado nesse objetivo por ser uma política que ajuda a definir um norte muito claro de atuação.
Durante a entrevista, Saboya ainda abordou o cenário econômico atual, os motivos de se investir em produção local, os desafios da inovação no Brasil e detalhou como funcionam os projetos e as parcerias da Embrapii.
A conversa faz parte de uma série de entrevistas realizadas pelo time do Futuro da Saúde em visita recente à Brasília. O link com todos os materiais pode ser acessado aqui.
Veja os principais trechos da entrevista a seguir:
Você pode nos dar um contexto de como está a atuação da Embrapii no segmento da saúde?
Francisco Saboya – O Brasil tem um problema de um déficit crescente na balança de pagamentos da saúde como um todo. Algo como 20 bilhões de dólares. Isso envolve desde déficit em medicamentos, em IFAs e materiais e equipamentos hospitalares. No geral, você tem um déficit. E um país deve buscar superávits, obviamente, naquilo em que ele tem capacidade. Na balança do conhecimento e da inovação, pensando aqui em inovação que é o que a Embrapii faz atualmente, ninguém, nenhum país, o mais próspero que seja, como os Estados Unidos, a Alemanha, Suíça, Coreia, Japão, nenhum país é autossuficiente. Nem é sequer superavitário, por uma razão muito óbvia: a soma dos conhecimentos e produtos gerados pelos demais países será sempre maior do que a sua própria capacidade. Na saúde, a Suíça, é gigantesca exportadora de medicamentos. Estados Unidos também, com os complexos que têm. Mas, no geral, no balanço, na soma dos demais países, você é sempre deficitário. Isso é um ponto. Porém, a gente deve perseguir uma maior performance. No Brasil temos déficit crescente na área de saúde e de eletroeletrônico. Produtos, vamos chamar assim, de média alta e alta intensidade tecnológica. Isso inclui fármacos. Inclui certos tipos de equipamentos.
E como essa visão se conecta com o Complexo Econômico-Industrial da Saúde?
Francisco Saboya – O que o Brasil procura é criar um complexo econômico industrial de saúde e, veja, tem econômico no meio. Não é só industrial, é econômico. O que implica coisas que eu falei. Balança de pagamentos, distribuição, alocação de recursos, etc. para que reduzir os impactos das intempéries globais. Em especial, no momento em que, do ponto de vista geopolítico, o mundo vive uma mudança muito grande. Há problemas muito severos. A gente saiu de uma Covid e emendou numa guerra no coração da Europa, significa um rearranjo nas relações globais. A pandemia deixou claro como é ruim você ficar extremamente dependente, sem ter alternativas para sobreviver, de um parceiro comercial – neste caso a China. A Covid mostrou que não se pode simplesmente fazer uma conta de planilha. Onde é mais barato fazer tal coisa? Na Indonésia. Então vou fazer lá. É um país instável do ponto de vista político e das condições naturais, porém é mais barato.
E na China?
Francisco Saboya – O Ocidente empurrou indústrias velhas para a China nos anos 80. O que já não era suportável pelos parâmetros de civilidade ocidental, foi para a China. Eles tomaram gosto e foram adquirindo massa crítica. Depois, começamos a importar as bugigangas chinesas, sem se dar conta de que a China estava investindo na criação de uma capacidade científica própria. Depois, terceirizou-se para a China o fornecimento de uma série de insumos, porque é mais barato. De novo, sempre cabeça de planilha. Dirigentes e executivos, públicos e privados, assinaram, não com visão estratégica, mas com visão global. Resultado: nos vimos dependentes, no caso da saúde, particularmente na Covid. Estimativas apontam até quase 30% o grau de dependência do ocidente dos insumos fornecidos pela China ao longo da cadeia de valor durante a pandemia. Então, na hora em que o mundo, e o Brasil faz parte, está dependente em 30% de um player, passou de 20%, você está na lona. E aí você traz uma situação em que o mundo parou. Precisava de máscara, tinha que vir da China. Precisava de respirador, tinha que vir da China. Qualquer coisa tinha que vir da China. Esse é o ponto de fundo que eu penso para o complexo industrial de saúde. O secretário Gadelha disserta sobre isso com muito mais qualificação. Mas esse é o problema. E é o problema geral de quem lida com inovação.
E qual o papel da Embrapii nesse contexto?
Francisco Saboya – A Embrapii olha para a indústria brasileira com uma visão muito clara. A Embrapii pode, deve e vem ajudando a indústria brasileira a restaurar os seus padrões de competitividade para poder performar de melhor maneira no cenário global. Esse é o grande papel da Embrapii. Fazer chegar a inovação à indústria para que ela possa ser mais competitiva. A inovação aumenta a produtividade, a performance, acessa novos mercados e assim a nossa indústria entra em uma nova rota de crescimento e preponderância, juntamente com os serviços tecnológicos e os serviços avançados. Não acreditamos na indústria dura ou serviço duro. O agronegócio, por exemplo, se você retira a indústria e os serviços tecnológicos avançados, vira muito pouco. A indústria sobrevive e sobreviverá quanto mais inovadora ela for, não só nos sistemas produtivos stricto sensu, mas quanto mais serviços tecnológicos avançados ela agregar ao longo de toda a cadeia de valor. Estabelecendo relações mais inteligentes, com maior capacidade de resposta, junto aos seus fornecedores, melhorando seus processos de sistemas produtivos, introduzindo o máximo de tecnologias de informação, sistemas digitais, automação, robótica, inteligência artificial. Esse é o desafio da indústria. A Embrapii entra nessa linha. Articula uma rede. Hoje são 94 unidades Embrapii, que são Instituições Científicas Tecnológicas (ICT) altamente qualificadas. Ser unidade Embrapii não basta ser um grupo de cientistas legais e laboratórios incríveis, tem que ter muito mais que isso, porque essa é a garantia que a gente dá para a indústria, que procura a Embrapii como um selo de qualidade.
Como funciona isso?
Francisco Saboya – O Brasil tem cerca de 300 ICTs, e essas 94 são a nata. Então, a Embrapii trabalha com uma pinça, em dois movimentos paralelos. Primeiro, de arregimentar a inteligência científica com capacidade de desenvolvimento de pesquisa tecnológica para a indústria. Ou seja, desenvolver inovações que sejam plugadas nos processos, nos produtos. E, por outro lado, na captação de recursos para capturar parte do risco e do custo da inovação. Porque parte do problema da inovação brasileira decorre de uma cultura que foi historicamente sempre dependente do Estado, portanto, com baixo apetite pela inovação. Isso é da nossa história. Você buscava a competitividade a partir de câmbio protegido, através de reserva de mercado. Isso vale para todos os setores. Mas os tempos são outros.
“De 30, 40 anos para cá, o país se deu conta de que tem, numa economia cada vez mais aberta, que ser mais competitivo a partir das suas capacidades intrínsecas de ir para o mercado, com produtos e processos, com qualidade e preço, que deem fit com as expectativas do mercado.”
A que se deve essa busca recente de protagonismo da Embrapii na saúde?
Francisco Saboya – A Embrapii chegou 10 anos mais cedo no jogo, que nos brindou esse ano com a nova política industrial, a Nova Indústria Brasil. Quando uma grande concertação entre lideranças públicas, privadas e instituições várias formalizaram a prioridade à indústria moderna e competitiva, a Embrapii já estava lá. O que fez a Embrapii ter, não só a anterioridade, mas esse protagonismo, é o seu modelo. A Embrapii é uma inovação institucional. Se você observar bem também, ao longo da história recente do Brasil, o sistema de fomento à inovação no Brasil está muito centrado, de um lado, no sistema CAPES, CNPq, trabalhando o fomento à pesquisa básica por meio de bolsas. E, do outro lado, o sistema financeiro na outro ponta financiando. Assim, você sai de uma ideia para um produto no mercado. Mas, para chegar aqui, ele veio de uma ideia, que virou um paper, que virou uma experimentação, virou um mock-up, depois vira uma prova de conceito, depois um protótipo, depois vai para um ambiente controlado de mais escala, com mais estresse e tal, até que vai evoluindo e vai para o mercado. Esse é o caminho da inovação. Quando a gente fala de startups, eles não seguem esse modelo, porque startup é um modelo de interações múltiplas. É uma outra história. Então, a Embrapii endereçou primeiros TRL [níveis de maturidade/tecnologia dos projetos] intermediários. É uma zona onde não mora ninguém.
Então, lá em 2013, já nasceu com esse propósito de endereçar essa zona intermediária?
Francisco Saboya – Já. Muitos chamam assim o Vale da Morte, aquilo em que as empresas ficam no meio do caminho, as startups em especial. Mas, sobretudo, fazendo um modelo de tripartição de responsabilidades. Quais são os três grandes players que lidam com a inovação? Tirando o consumidor final, a ponta que se beneficia, a sociedade, como um todo que é um ambiente muito genérico. Estamos falando do setor produtivo, do governo, como formulador de políticas públicas, e da academia, que gera o conhecimento aplicado. A Embrapii parte desse princípio e vai na raiz do problema. Por que muitas vezes não há inovação? Porque muitos nem sabem o que é inovação. Você não tem gente qualificada. Inovar é caro, é muito arriscado. Você briga com o fluxo de caixa todo dia. Eu digo sempre: o pior patrão do mundo é o fluxo de caixa, embora você não possa se livrar dele, porque senão você quebra. Mas quem é governado pelo fluxo de caixa não sonha, não ousa, não ambiciona, não visiona. Quando a Embrapii nasce, parte de um diagnóstico. Precisamos induzir os padrões de produtividade da economia brasileira, da indústria brasileira. E isso por meio da inovação.
E como a Embrapii formata esse apoio?
Francisco Saboya – A Embrapi desenha um modelo em que os riscos são compartilhados. Você, que é indústria, paga um terço financeiramente. Nós, Embrapii, que captamos recursos públicos, aportamos mais um terço financeiro. Não reembolsável. E as ICTs, que é o lado, digamos assim, da inteligência, aportam o outro terço sob forma de contrapartida econômica. Então, em um projeto de três milhões de reais, a indústria coloca um milhão, a Embrapii um milhão e a ICT um milhão. Esses números variam um pouco. A Embrapii é sempre um terço. Mas a indústria e a ICT podem ter mais ou menos. Na média está dando um terço para a Embrapii, 50% para a indústria e 17% para as ICTs. Esse modelo é muito virtuoso. Além do mais, ele não é baseado em chamadas. As chamadas, que são os modelos tradicionais do Brasil, impõem um custo de oportunidade gigantesco no mundo em que as inovações são cada vez mais velozes. Então, eu não posso fazer uma chamada e esperar um ano. Eu tenho que fazer um edital. São quatro, cinco meses para preparar o edital. Eu tenho que publicar. São 90 dias na rua. Aí eu recebo 1.500 propostas. Aí tem que ler. Daqui um ano eu dou o resultado. Aí minha janela de oportunidade fechou. Então, esse modelo de chamada é um modelo mortal para a inovação.
Velocidade é muito importante.
Francisco Saboya – Se não colocar a velocidade na equação da inovação, você não anda. E a Embrapii é ágil. Porque fez disso um princípio. Não só a tripartição. Fez da velocidade, da simplicidade, da descentralização e da desburocratização os pilares da sua prática. Então, a Embrapii ganha esse protagonismo, porque é uma inovação e não tem nada melhor do que a coerência de promover a inovação sendo inovador. Eu acho que a Embrapii tem essa força intrínseca do ponto de vista da saúde, porque os problemas foram agravados, efetivamente, com a Covid. Sem dúvida, isso chamou muito mais atenção. Não é que o Brasil não tivesse mazelas. Tem doenças negligenciadas, mas tem doenças básicas. A população sofre com disenteria, desnutrição, verminose. A população espera nas filas para pegar uma ficha, ainda hoje, em uma sociedade da informação. Em certos lugares, tem que levantar às 4h da manhã para pegar uma ficha para daqui a 15 dias. Esse é o mundo. Os problemas já existiam. E o Brasil deu um avanço gigantesco nisso, desde a 8ª Conferência de Saúde, em 1986, quando criou o SUS, que é uma dessas inovações institucionais. É um modelo incrível. O Brasil tinha problemas, vem avançando, mas é um país robusto do ponto de vista da saúde, em especial, saúde social. Mas, aí vem a pandemia.
E o que a pandemia mais evidenciou?
Francisco Saboya – A pandemia reforça duas coisas: nossas fragilidades e nossas potências. Nas potências, quem segurou a onda foi o SUS. Portanto, vamos fortalecer o SUS. O projeto do Complexo Industrial de Saúde fala explicitamente do SUS. Nas fraquezas, a Covid revela os déficits que estão levando a 20 bilhões de balança comercial naquilo em que o Brasil poderia fazer. O Brasil é um gigantesco produtor de genéricos. Tem empresas de 3, 4, 5 bilhões de reais de faturamento em fármacos com genéricos. Quem é o cliente dessas grandes genéricas? O SUS. Então, é um jogo inteligente, de ganha-ganha.
“O que precisamos agora é criar uma política, e ela existe, está aí, configurada no Complexo Econômico Industrial da Saúde, e está consignada na Nova Indústria Brasil, para que a gente possa fechar alguns gargalos.”
E é isso que faz da Embrapii relevante nessa história, porque nós temos hoje nove ICTs qualificadas para desenvolvimento de inovações de pesquisa tecnológica e inovação aplicada à indústria de saúde, ou seja, 10% da nossa rede. Distribuídas pelo Brasil. Concluindo esse raciocínio, na hora em que você tem o diagnóstico, viu que tem uma potência chamada SUS, viu que tem potenciais de geração de inovações para a indústria e que tem um parque industrial, se a gente apertar os parafusos e fizer uma sintonia fina, há um avanço. O fato é que está no caminho certo. É você dizer: podemos ser muito melhores.
E hoje os números corroboram essa participação da Embrapii na saúde?
Francisco Saboya – Se a gente mergulhar nos números, veremos que não são só as nove ICTs que trabalham com muito foco e qualificação para a área de saúde. Temos outras 46 que trabalham com saúde também. O setor de saúde, CNAEs Saúde, é apenas 1,5% da carteira do projeto da Embrapii. Mas, em compensação, a área de saúde é a segunda área de destino das inovações, depois do agro. O que isso significa? Que as outras CNAEs, a indústria mecânica, metalúrgica, química, tecnologia da informação têm desenvolvido inovações para a saúde. Sobre forma de quê? De equipamentos, implementos hospitalares, etc. Então, a saúde é 1,5% dos contratantes, mas também 11,5% dos destinatários. Estamos falando de 10 vezes mais do que a sua própria taxa direta de demanda. Podemos aumentar? Podemos e estamos trabalhando para isso. São 9 ICTs com expertise testada, comprovada, medida, avaliada em saúde, e mais 46 que desenvolvem também para a saúde. Tem um componente de transversalidade que é muito grande. Isso demonstra que a Embrapii entrou na rota e é reconhecida pelo Ministério da Saúde, que é um parceiro importante porque estabelece demandas claras, como o Complexo Industrial e Econômico de Saúde. E também porque contribui financeiramente. Temos um contrato de cerca de 60 milhões com a Saúde.
De onde mais vem o dinheiro da Embrapii?
Francisco Saboya – Vem do BNDES, SEBRAE, etc. E vem do governo. Mais da metade desse dinheiro vem do governo federal. De onde? Do Ministério da Ciência e Tecnologia, que é o principal sponsor. Na sequência vem o Ministério da Educação, Saúde e Indústria e Comércio. Então, a saúde é um dos contribuintes do sistema Embrapii. E por quê? Por tudo que já mencionei. Pela inovação, flexibilidade, agilidade, velocidade, seriedade, qualidade. Então, esses 60 milhões são só do Ministério para a Embrapii. Para exemplificar, o valor dos projetos de inovação de 10 anos representa um repasse de recursos de 307 milhões de reais. Como temos o modelo tripartite que mencionei, desses 307 milhões, temos 118 milhões da Embrapii, um terço. Esse dinheiro vem em parte da Saúde, em parte do Ministério da Indústria e Comércio, em parte da Ciência e Tecnologia, em parte do BNDES, em parte do SEBRAE, etc. E não reembolsado. Recolhemos recursos de várias fontes e conforme o planejamento, questões técnicas, liberamos os recursos para as unidades da Embrapii.
As ICTs solicitam e aí vocês direcionam o aporte?
Francisco Saboya – É mais ou menos assim que funciona. Todos os anos as ICTs mandam um plano de ação. Esse plano de ação é validado. “Vou fazer 10 projetos, sendo 3 na área de saúde, e os projetos são no valor de 40 milhões”. Olhamos esses projetos e adequamos, por exemplo, destinamos 36 milhões. Um dos problemas da inovação no Brasil é a descontinuidade de recursos. Como inovação nunca é uma prioridade, os recursos são frequentemente descontinuados. Você pode ver que a história recente do FNDCT, que passou de 2006- 2007 até 2013 com 100% de execução, depois foi sendo contingenciado. Então, se você não segurar o fluxo de recursos, você mata o projeto. E matar um projeto de inovação, não tem mais volta. E nós temos essa garantia.
“Se falamos 36 milhões, é porque temos 36 milhões em caixa. De maneira que quando a indústria e a ICT se entendem, não vai faltar dinheiro.”
E cabe à Embrapii acompanhar a jornada do projeto e o desfecho?
Francisco Saboya – Cabe. Isso tem uma complexidade muito grande. A gente trabalha nos TRLs intermediários. Portanto, não são soluções definitivas. As indústrias que contratam esses desenvolvimentos vão desdobrar a aplicação dessas inovações nos seus produtos, no seu processo e aí já não temos mais o contato direto com a indústria. O que a gente acompanha no duro é a evolução do projeto. O projeto dura dois anos e meio? Ficamos em cima, marcando as entregas, os prazos, o grau de satisfação do cliente, a performance das unidades Embrapii. Ao mesmo tempo, tem um estudo feito pelo Departamento de Economia da Unicamp para mergulhar mais a fundo na criação de um modelo que permita, apesar destas restrições, inferir algum impacto. Porque para a gente é mais fácil trabalhar no plano da eficiência e da eficácia. Ou seja, foi cumprido? Foi. Pronto, somos eficazes. Da melhor forma, dentro do prazo, com menor custo. Agora, o impacto e resultado é uma coisa que fica no plano da indústria e o nosso contrato é com as ICTs, que contratam as indústrias. E fim do contrato, prestou contas, não temos ainda uma métrica de fazer o follow e passar cinco anos traqueando aquelas indústrias.
Isso está em desenvolvimento?
Francisco Saboya – Há algumas ideias para isso. Temos hoje, especificamente, uma proposta de uma universidade aqui sendo avaliada para que a gente possa trabalhar essa questão. Mas, sendo muito objetivo, o parâmetro mais avançado que temos é o de solicitação de patentes. Temos 54% dos nossos projetos que resultam na solicitação de uma patente. É um bom indicador.
Isso é geral, não só de saúde?
Francisco Saboya – Geral.
E da saúde?
Francisco Saboya – Na saúde, 50% de todos os projetos já concluídos em saúde geraram pedido de propriedade.
E a propriedade intelectual é dividida?
Francisco Saboya – Esse é um ponto bem interessante, que reforça a excelência do modelo Embrapii. Quando falamos de descentralização, desburocratização, simplificação, etc., estamos falando sobre como funcionam os negócios. O governo tem um papel muito importante. As políticas públicas são fundamentais. Entendemos que cada um fazendo o melhor que sabe, as coisas funcionam melhor. Os modelos são livres, a negociação é entre a indústria e a ICT. O direito de propriedade intelectual tem três pernas: o direito de uso, o direito de fruição e o direito de exploração. Faz parte do acordo.
O Complexo mudou a forma que vocês fazem investimento? Ou não mudou?
Francisco Saboya – Não, objetivamente não mudou. Mas ele é um estímulo muito grande para avançarmos em áreas críticas para o desenvolvimento do país e, obviamente, para fortalecer o tecido produtivo brasileiro.
“Então, se você tivesse sinalizações tão fortes como o Complexo em outras áreas, seria muito melhor para Embrapii, porque teríamos demandas muito claras, nortes muito definidos, fontes de recursos perenizadas para aquelas coisas.”
Nesse sentido, o Complexo ajuda a Embrapii a consolidar sua atuação por meio da sua rede. Já qualificamos nove ICTs na área de saúde. Pode ser que venha a qualificar mais. Tem um centro de competência na área de saúde que é o Einstein, que também é outra modalidade. A Embrapii trabalha hoje em duas camadas. Uma camada do matchmaking, que é a camada em que indústrias e ICTs se entendem. A outra camada é o Embrapii que se aproxima das tecnologias de fronteira. Porque a gente não tem uma postura só de atendimento das demandas. O centro de competência tem essa virtude. Eles trabalham naquelas áreas em que as tecnologias têm mais componente de futuro do que do passado. Isso é o centro de competência. Nós temos um centro de competência em terapias avançadas, fazendo uso de biologia molecular, terapias genéticas. É o do Einstein. Por quê? Porque essa é uma das tecnologias de fronteira. Daqui a 20 anos vamos falar muito mais de terapias genéticas, de realidade virtual. Inteligência artificial ninguém vai mais falar porque vai ser tudo com IA.
Como o setor da saúde poderia estar mais perto da Embrapii? Quais os desafios para isso?
Francisco Saboya – Quanto à relação de proximidade, isso não é um problema. Ela é bem posta, Embrapii e Ministério da Saúde têm uma relação muito próxima e ela é demonstrada em números. Mas os desafios residem naquilo que é a essência da inovação. O grande desafio que se coloca para a Embrapii e para o sistema de saúde público, Complexo e para a indústria é acelerar suas taxas de inovação para cumprir com a meta de criar cadeias produtivas mais resilientes, reduzir o nível de dependência de insumo de estratégia do restante do mundo. E se esse é um desafio que se coloca genericamente para toda e qualquer cadeia de valor, para a área de saúde se coloca com mais vigor, com razão. Requer um nível de conhecimento muito mais sofisticado e requer somas vultosas de recursos. Então, se você me perguntar como é vamos mais longe, diria que é acelerando o processo de pesquisa e desenvolvimento para geração de inovações para a cadeia de valor da saúde, com a garantia de recursos expressivos no longo prazo.
Neste contexto, as farmas multinacionais podem buscar parcerias também?
Francisco Saboya – Temos regras, tem que ter parceria com empresas nacionais. Em termos de conhecimento não tem fronteira. É possível alocar recursos públicos nacionais para o estrangeiro, desde que se for em parceria com o nacional e o benefício é reverter para o nacional. Mas acho que tem a cautela natural do empresariado. O mundo vive em turbulência, o país vem de uma história recente que requer muita cautela quanto à decisão do investimento. As nossas taxas de juros estão muito altas ainda. O cenário global não ajuda. Então, não é só os fármacos. Não é só o da saúde. O empresariado bota sempre um pé atrás. É da natureza do negócio. Eu apenas posso dizer a você que se tem um agente que ajuda a furar essa desconfiança e que injeta confiança no empresariado, chama-se Embrapii. Por tudo que nós já falamos, que é o seu modelo. Então, nesse sentido, a Embrapii é um ativo de política pública extremamente importante a ser visto das estratégias privadas, que é o que a gente realmente procura cumprir da melhor forma.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.
Parabéns cara Natalia por essa longa mas, creio, a + COMPLETA matéria feita pelo Chico Saboya na Presidência da EMBRAPII sobre a RICA e inovadora atuação da organização…vamos milharizar para informar e causar “inveja” a outros gestores públicos ou privados.