Fernando Torelly, CEO do Hcor: “Estamos vivendo o ano da busca pela eficiência”

Fernando Torelly, CEO do Hcor: “Estamos vivendo o ano da busca pela eficiência”

No mais recente episódio de Futuro Talks, Fernando Torelly, CEO do Hcor, enfatiza a necessidade de um choque de gestão e eficiência na saúde e revela alguns planos do hospital

By Published On: 14/08/2023
Fernando Torelly - Futuro Talks

O desafio da gestão eficiente muitas vezes coloca os líderes em encruzilhadas que devem ser resolvidas ao mesmo tempo. De um lado, com crises, pressões de custos e a sustentabilidade do setor de saúde em xeque, é preciso promover um choque de eficiência para lidar com os desafios imediatos. De outro, é preciso preparar o terreno para buscar mudanças estruturais, que pode culminar até mesmo com a ruptura do modelo de cuidado. Este foi um dos temas abordados por Fernando Torelly, CEO do Hcor, o entrevistado do mais recente episódio de Futuro Talks.

Com passagens por Moinhos de Vento e Sírio-Libanês, o executivo acumula três décadas de atuação no setor e é categórico ao dizer que 2023 é o ano da “saúde baseada em eficiência, não apenas em evidência”. Com os caixas de diversas empresas e instituições em risco, ele defende um choque de gestão eficiente para buscar alternativas de aumento de produtividade para ter um 2024 melhor. Conversas com os demais players da cadeia de suprimentos e até mesmo a otimização das atividades estão na pauta neste momento. Ao mesmo tempo, segundo ele, é preciso promover diálogos em busca de um novo modelo que favoreça a saúde e não a doença, com mudanças estruturantes e iniciativas como a gestão de cuidado coordenado – ainda mais em um cenário de transformação demográfica, com um aumento acelerado de pessoas com mais de 60 anos, em que a prevenção e a integração de dados será fundamental.

Durante a entrevista, Torelly abordou também alguns dos planos do Hcor. Além de toda a busca por produtividade e eficiência, ele contou que a instituição aumentou recentemente o número de leitos para 323, mas que está desenhando um projeto para a criação de um novo bloco, que teria mais 210 leitos, com previsão de início da construção para 2024. Contudo, Torelly afirma que pretende fazer diferente: o Hcor quer firmar parcerias com operadoras de saúde desde já para encontrar uma forma sustentável de atuar ao invés de simplesmente aumentar a capacidade de atendimento. A ideia é verticalizar o modelo de cuidado e não buscar uma verticalização de operação.

Confira a entrevista a seguir:

https://youtu.be/x0Pvq0sue2U

Como você analisa o atual cenário do setor de saúde no país?

Fernando Torelly – Primeiro a gente tem que entender um pouquinho com mais profundidade o que que a gente está vivendo. Se você lembrar, em 2019 se discutia no Brasil se o problema da saúde pública era gestão ou recursos. Outro problema é que os prontos socorros estavam lotados e você tinha fila de espera para cirurgias, para consultas especializadas. Aí veio 2020 e começaram as notícias da Itália, Estados Unidos, de um vírus respiratório e todo mundo ficou muito apavorado. Lá por fevereiro e março chegou no Brasil. E aí todo mundo foi para dentro de casa. O pessoal da saúde foi para a linha de batalha, sem saber muito bem qual era o equipamento de proteção que iria usar. Os pacientes eletivos cirúrgicos desapareceram. No Hcor, em 2020, tivemos uma queda de receita de R$ 60 milhões simplesmente porque estavam todos com medo de chegar no hospital. Então, vem 2021 e, com ele, a expectativa de sair da pandemia. Mas surgem variantes da Covid. Em 2021, a variante P1 chegou a matar 6.000 pessoas em 1 dia no Brasil. Foi uma grande catástrofe. Aí vem 2022 e a esperança de que a gente pudesse voltar para a normalidade. Só que surge outra variante chamada Ômicron, que lotou os hospitais, mas o paciente de alta complexidade desapareceu, porque o hospital estava lotado com paciente com vírus respiratório.

E agora em 2023?

Fernando Torelly – Se você olhar, nós estamos 2023 e não dá para comparar com os anos anteriores. A gente acorda no ano com o maior sinistro das operadoras de planos de saúde. Hoje o sinistro que está próximo a 90% e aí você tem que colocar mais em média 6% de despesa comercial e de despesas, mais 6% pelas despesas administrativas. As operadoras estão com prejuízo operacional – ano passado foi mais de R$ 11 bilhões. E o que acontece? Pior do que você não ter dinheiro é quem te pega não ter dinheiro. Começa uma estratégia de ampliação de prazos de pagamento; o relacionamento começa a ficar mais tenso; os reajustes inflacionários das tabelas dos hospitais começam a diminuir; e você tem o custo do dinheiro com a taxa Selic muito alta; além de inflação de alguns itens. Então, você tem aumento de custos e uma dificuldade de receita.

Nós estamos vivendo o ano da eficiência. Eu brinco que é o ano da saúde baseada em eficiência, não em evidência somente. O que significa que nós temos que criar um novo sistema de saúde.

Mas como fazer isso?

Fernando Torelly – No nosso modelo de saúde suplementar, você dá um cartão de um plano de saúde e a pessoa pode fazer um exame na segunda, um outro exame na quarta. Não tem mais como mantermos esse modelo da maneira como está. Temos que ter produtos que façam gerenciamento do cuidado, que invistam na promoção, que invistam na prevenção, que a gente comece a saber com mais clareza os indicadores de desfecho e de eficiência da rede hospitalar. É um novo sistema de saúde que vai ter que ser construído e o que vai ter que mudar é o modelo de cuidado do paciente. Porque nós evoluímos muito em mudança de modelo de financiamento, mas não adianta você ter um sistema diferente de remuneração, se o cuidado continua. Vamos ter que retomar, cada um ter o seu clínico – como no SUS -, cada um tem que ter seu médico de família. Só que o seu clínico tem que conversar com o especialista quando você precisa de um. É o cuidado coordenado. Um novo modelo, pois o atual é insustentável. E esse novo modelo a gente sabe como fazer, só que a grande discussão é porque a gente não faz. E, na minha visão, a gente não faz porque hoje o sistema remunera doença e não saúde. Ou seja, todo o sistema se move pela doença. Nós temos que começar a construir produtos e modelos que remunerem o sistema para manter você com saúde. E você com saúde vai manter o sistema mais saudável, do ponto de vista econômico.

Mas ao mesmo tempo que há uma necessidade de um novo modelo, há um cenário agudo agora. O que precisa ser feito para minimizar o impacto dessa atual crise da saúde?

Fernando Torelly – Eu tenho feito muitas palestras e digo para as pessoas que eu tenho uma única boa notícia. Porque você começa a mostrar tudo que está acontecendo e realmente é preocupante. Mas a boa notícia é que o sistema de saúde é ineficiente. Ele tem desperdício, ou seja, tem oportunidade de fazer uma revolução na cadeia de suprimentos com processos de compras e planejamento que consiga trazer uma redução de custo para os hospitais. Você tem questão de sinergia que pode ter da estrutura. Só que isso é uma outra competência. Você tem que entrar no chão de fábrica, na beira do leito, e você tem que fazer a revisão de todos os processos e entender onde é que está o desperdício. A boa notícia é que esse ano você não tem opção. E não ter opção também é uma boa notícia, porque você vai ter que fazer um choque de eficiência na sua organização. Tem que olhar quantos níveis hierárquicos tem na estrutura, se tem estruturas que não estão colaborando e gerando ineficiência. Muitos hospitais hoje têm um grave problema do processo do ciclo de receita, desde elaborar conta, enviar para o convênio, ter os contratos atualizados. E aí você perde caixa nesse processo. Existe um mundo que nem todos gostam. Todo mundo gosta de ser estratégico, falar da saúde 4.0, da medicina baseada em valor. Porque é muito mais legal falar sobre isso. Só que existe um problema: você não pode deixar o caixa virar o CEO da companhia, porque quando o caixa vira o CEO, as decisões são burras. Você começa a ver organizações fazendo redução linear de quadro. Isso tudo vai precarizar o atendimento aos pacientes. Então, é hora de encontrar as ineficiências e resolver rapidamente. Porque se der um choque de eficiência na organização, você vai conseguir minimizar todos os impactos de 2023.

Dá para salvar 2024?

Fernando Torelly – Nós temos que começar agora a pensar como é que a gente salva 2024. E aí não tem alternativa. É preciso dar um choque de eficiência na sua organização. Por exemplo, o Brasil tem grandes redes hospitalares. Será que a sinergia entre todos os hospitais das redes está sendo bem potencializada? A indústria da saúde não está consolidada nos seus processos de gestão. Muitas organizações são organizações filantrópicas as quais você não tem a figura do dono, que exige performance todos os dias. Então, a indústria da saúde vai passar por uma curva de aprendizado, vai ter um choque de eficiência por um único motivo, que é a falta absoluta de opção. E a partir daí, ela vai acordar melhor do ponto de vista de eficiência. Se junto com isso a gente mudar o modelo de cuidado no médio prazo, a gente vai retomar a sustentabilidade. Porque o risco hoje é a perda da sustentabilidade. Em 2014 nós tínhamos 50 milhões de brasileiros com plano de saúde. Quase uma década depois, imaginamos que ia ter 60, 70 milhões, mas continuamos com 50. Só que versus 2014, aumentaram em 6, 7 milhões os beneficiários de baixo custo. Houve um downgrade de riqueza, e isso é muito preocupante. O que vai acontecer na próxima década? Até porque o sistema público que atende o restante da população brasileira também está com problema. Se as pessoas saírem da saúde suplementar, vão encontrar um SUS com pronto-socorro lotado, fila de espera. Eu adoraria que a imprensa que noticiava todo dia o número de casos de Covid e o número de óbitos, noticiasse todo dia o número de brasileiros que estão na fila de espera por uma cirurgia, para uma consulta especializada. Porque as pessoas estão esperando uma cirurgia oncológica e quando chegam para operar, não dá mais. É uma catástrofe sanitária e pode piorar muito se a gente não encontrar as alternativas para o sistema.

Essa percepção de ineficiência é de todos que estão dentro do sistema de saúde?

Fernando Torelly – Aquele que diz que o seu hospital é 100% eficiente é porque não conhece realmente a sua estrutura. Aquele que diz que o seu plano de saúde é 100% eficiente é porque não conhece a sua estrutura. Você está vendo na mídia toda a propaganda que está sendo realizada pelas operadoras sobre o processo de reembolso. As operadoras criaram fast track por reembolso e hoje é a maior causa de fraude. Você focou no atendimento ao cliente e criou um sistema ágil, mas que foi utilizado para criar fraudes. Hoje se você olhar a narrativa pública das operadoras, o reembolso é a pauta principal. É estranho você imaginar que um processo que é totalmente regulado e organizado virou uma super fraude. E por que virou? Porque o processo era ineficiente. Nos congressos da Anahp há palestrantes internacionais que dizem que nos Estados Unidos o nível de ineficiência é 30%. Ou por cuidados desnecessário, ou por processos dentro da própria instituição. Porque tem uma outra questão: você tem no seu celular toda a sua vida financeira, mas não tem essa vida de saúde. E se você, neste momento, precisar ir para o pronto-socorro, o que você vai levar para o médico lá do pronto-socorro que não te conhece, sobre toda a tua vida de saúde? Você vai levar a carteirinha do plano e talvez você leve o aplicativo do Fleury, dos exames ou do hospital que você vai. Só que o médico tem 30 minutos para fazer o teu diagnóstico e não pode ficar comparando bases. Olha a ineficiência desse processo. E o que o médico do pronto-socorro faz? Ele pede 40 exames, porque ele tem 30 minutos para dizer se você está com uma doença grave ou menos grave. Tudo isso é ineficiência do processo. Então, o sistema é ineficiente, as organizações são ineficientes.

E reconhecer ineficiência não é demérito, nós somos uma indústria que está em processo de amadurecimento dos níveis de competência das grandes indústrias. Reconhecer ineficiência é o primeiro passo para que ter um plano que efetivamente busque trazer ganhos dentro de todos os processos.

A tecnologia vai ajudar a diminuir a ineficiência?

Fernando Torelly – Nós temos os hospitais informatizados e isso é muito importante, porque você consegue criar barreiras de segurança. Então, você vai dar um medicamento para um paciente, se você tiver uma tripla checagem sistêmica, na hora da medicação você confirma aquele paciente, aquele remédio, naquele horário, daquele profissional, tudo como barreira sistêmica, e com isso consegue reduzir erros de medicação de uma forma muito importante. Então, a tecnologia é extremamente importante e vai nos dar cada vez mais um choque de eficiência. Mas por trás disso tem uma questão: qual o segmento que, com toda a incorporação de tecnológica, não reduziu gente? O hospital. Você adquire milhões em equipamentos, em sistemas, e cada vez contrata mais pessoas. Porque o nosso negócio é cuidar de gente, e gente é cuidada por gente. A variabilidade entre os casos é muito grande. E o paciente de um hospital não quer só um tratamento, ele quer empatia, acolhimento e conforto. Lá no hospital, a gente usa o conceito do da experiência humana, que é o paciente, a família e o colaborador. A emoção está no nosso negócio. Por mais tecnologia que tenha, a gente não reduziu um colaborador dentro da estrutura. Hoje se vai numa cidade do interior, o grande empregador é o hospital. Porque todas as outras indústrias foram automatizadas. O banco, você entra e fala com máquina, fábrica de automóveis são robôs. Aí você vai numa cidade do interior, num hospital pequeno de 100 leitos. Tem 300 profissionais trabalhando lá dentro. A tecnologia é importante, mas a gente ainda não descobriu – e eu acho que nunca vai descobrir – uma forma de cuidar das pessoas sem ser cuidada por pessoas.

É interessante seu ponto, porque ele vem em um momento de debates sobre até que ponto vai haver ou não essa substituição.

Fernando Torelly – Eu vivi a era que não tinha nem computador. Você acessava o conhecimento naquela época de uma forma completamente diferente. Hoje, você acessa a internet, tem bases com todos os artigos científicos com acesso em tempo real. Hoje o médico chega para fazer um procedimento, ele, no próprio sistema, já desce a base inteira do que ele tem que saber. Com o ChatGPT vai ter ainda dizendo o que recomendaria fazer. Inclusive, tem uma discussão bem interessante, porque nunca vai tirar a decisão médica ou a decisão do enfermeiro do procedimento. Só que você vai ter uma inteligência artificial dizendo “faça isso”. Você vai ter que estar muito bem-informado e ser muito competente para fazer o certo, porque nenhuma base de inteligência artificial te dá 100% de certeza do que tem que fazer. Na nossa indústria, o erro da segunda não é corrigido na terça. E o erro pode ser 1%, mas para quem errou, que é o paciente, é 100%. Então, existe essa grande revolução. O conhecimento está se tornando uma commodity, porque você aperta um botão e tem todo ele à disposição, mas por trás tem alguém que saiba interpretar o conhecimento e saiba fazer. É uma revolução como a do computador, da internet.

E a inteligência artificial?

Fernando Torelly – A inteligência artificial está interpretando tudo e vai fazer uma recomendação. E tenho que estar muito bem-preparado para fazer um procedimento em desacordo à recomendação da IA. Então, a indução ao erro de todo esse processo pode gerar um problema. Mas a decisão na hora de fazer, na hora da verdade, é do profissional de saúde, é do médico e do enfermeiro. Porque o paciente que ele está atendendo é um paciente único. É um paciente que tem doenças pré-existentes, que tem comorbidades. A variabilidade disso é muito grande. Quem tem mais idade já viu várias transformações. Por exemplo, surgiu o robô, aí você compra um robô, que é muito caro, e contrata mais 10 pessoas que sabem operar o robô e não substitui ninguém. É o que as operadoras dizem: credenciam novo prestador e não diminui nos anteriores. Então, você tem custos crescentes, cumulativos. E ainda tem a revolução etária, que para mim é a grande revolução da nossa geração e do Brasil e vai mudar radicalmente o SUS e a saúde suplementar. Esse sinistro que a gente está vivendo hoje está muito relacionado à revolução etária que o nosso país está vivendo.

Neste contexto da revolução etária, o que vai acontecer? Como a saúde precisa se transformar?

Fernando Torelly – Poucas pessoas sabem que o Brasil tem um pacto geracional. Hoje o plano de saúde poderia ser muito mais barato do que é para o jovem. Porque o jovem paga um valor a mais para que o plano de saúde do idoso, que é caro, não fosse mais caro do que é. Então a gente tem um impacto geracional, que é pela maneira como a pirâmide etária no Brasil está estabelecida. Em 1970, na Copa do Mundo do México, a música que todo mundo lembra era “90 milhões em ação, pra frente, salve a seleção”. Quando você vai para 2005, são 180 milhões de brasileiros. O Brasil é um dos países do mundo que mais rapidamente dobrou a população. Isso se deu pelos hospitais de imigrantes, pelos hospitais filantrópicos, pelos hospitais religiosos, pelas faculdades de formação, pelos médicos, pela tecnologia.

Só que tem um problema: nós gastamos per capita em saúde 1.500 dólares e os países que têm a pirâmide etária que nós vamos ter gastam de 5 a 7 mil dólares per capita ano. Porque o gasto em saúde de um idoso é muito maior. Existe ainda uma outra informação sobre a população 60+.

O que acontecerá a população acima de 60 anos?

Fernando Torelly – A população 60 mais na França levou 140 anos para dobrar de tamanho. No Reino Unido, 80. O Brasil, de 2010 a 2035, em 25 anos, vai dobrar a população 60 mais. Se você for no Hcor agora, mais de 65% de quem está internado tem mais de 60 anos. E essa população vai dobrar de tamanho. Tendo o Brasil a “riqueza” de 1.500 dólares per capita para ter cuidado. E muitas vezes esse paciente tem que ter um cuidado adicional. Tem a figura do cuidador, gastos adicionais, comorbidades. É outra indústria. Mas é uma indústria que a gente tem que cuidar, porque se deixarmos essa população ir ao médico apenas quando tem um problema agudo – que é o que a gente faz – é insustentável. Vamos ver um colapso sanitário no Brasil. Nós temos um programa no HCor, onde a gente faz o acompanhamento de 117 idosos cardiopatas. A gente liga para eles, todo mês tem uma visita ao hospital, verificamos se estão tomando remédio para hipertensão, para diabetes, como é que está o acompanhamento de saúde mental, se estão tomando todas as vacinas. Fazemos os exames necessários. A redução do gasto destes pacientes, na operadora, supera 40% do sinistro. Porque é muito simples: se a gente cuidar da saúde, é melhor para o paciente e para a operadora.

E como fica o hospital?

Fernando Torelly – Você vai dizer “mas o hospital está deixando de ganhar”. Esses pacientes foram fidelizados ao hospital e o faturamento aumentou. Porque a gente vai viver da utopia de ganhar dinheiro com a saúde e não sobreviver da doença. Se a gente não fizer a transformação, simplesmente não vai ter como pagar a conta. O que acontece com uma família quando tem em casa que botar cuidador 24/7? É um custo, só quem consegue fazer isso é a população que vive numa num estrato social completamente diferenciado, não é a situação da população em geral. Então, existe uma outra indústria da saúde, a indústria do cuidado do paciente idoso, que não pode ser cuidado da maneira de hoje. Tem que ser completamente diferente. E sabemos como fazer. Só que no mundo capitalista existe uma frase que é “o incentivo incentiva”. Se você só será remunerado pela doença, que incentivo você tem para criar grandes programas de promoção e prevenção? Em Portugal, quando um é atendido numa unidade de atenção primária, o médico recebe um SMS dizendo “o seu paciente da atenção primária vai fazer um procedimento no hospital” para que o médico da AP converse com o médico do hospital. Aqui no Brasil você tem a atenção primária no SUS, mas ele não conversa com o médico do hospital. Então, você tem um médico de atenção primária, depois tem a fila e depois você chega no hospital, e um não conversa com outro. Não dá para ser assim quando você tem um paciente que tem toda uma história de saúde. E na saúde suplementar, então, a desintegração do sistema é maior ainda.

Como resolver?

Fernando Torelly – Vão surgir novos produtos que vão usar plataformas digitais. Vão integrar dados e nós vamos trabalhar preventivamente para que a gente consiga que as pessoas tenham mais saúde por mais tempo e por um custo menor. Vamos lembrar que essa população que está chegando nos 60 mais – da qual eu ainda não represento, mas estou quase ali para representar – não é a população dos meus filhos, que estão preocupados com a alimentação, que vão na academia, que são bem-informados. É uma população que se alimenta mal, que não fuma hoje, mas fumou, é uma população que têm sobrepeso. A saúde é algo cumulativo. Não adianta eu acordar hoje, dizer que hoje eu vou cuidar da minha saúde. Eu tenho que recuperar o que eu não fiz durante muito tempo. Acho que é um novo sistema de saúde que vai surgir no Brasil simplesmente porque nós vamos dobrar a população 60 mais de 2010 a 2035 e está chegando. É realmente uma transformação.

O quanto todos os players dos setores estão dispostos a começar e, na verdade, colocar em prática esse tipo de diálogo? Dá para conversar com as operadoras ou com outros players? Há uma troca para que isso aconteça?

Fernando Torelly – Eu acho que a pandemia nos ensinou a ser muito mais solidários. Nós enfrentamos a pandemia trocando informações entre os hospitais real time e conversando com as operadoras todos os dias. Porque nós tínhamos que saber como é que íamos fazer todo esse processo. Isso nos aproximou de uma forma como não existia anteriormente. Estabeleceu relações de confiança. Eu brinco que tem alguns fornecedores e algumas operadoras que nos apoiaram tanto durante a pandemia que eu não vou esquecer para o resto da minha vida. Realmente a espécie humana ainda tem esperança. Isso criou uma relação em que tem espaço sim, para conversar. Um problema é que está todo mundo focado no curto prazo, querendo saber como vai pagar o jantar hoje. Isso é ruim, porque está todo mundo com uma pauta muito de curto prazo. No meu ponto de vista, com o envelhecimento rápido da população, tudo o que nós fizermos não vai resolver se não criarmos novos modelos de incentivo e de cuidado. A gente tem que gastar tempo com uma agenda de curto prazo, mas tem que colocar uma agenda de médio, longo prazo também dentro dessa estrutura. E, de novo, não estamos discutindo algo que ninguém sabe como fazer. Há vários cases. Vamos pensar o seguinte: uma pessoa que teve três passagens no pronto-socorro, com crise de hipertensão, é diabético, tem alto nível de estresse, lá na empresa que paga o plano de saúde dela está registrado na medicina ocupacional. Se você integrar tudo isso numa base de dados, essa pessoa é muito provável que possa ter um AVC, um infarto daqui 1 ou 2 anos. A gente sabe disso. Mas por não integrar as bases de dados e não olhar para isso, a gente não está fazendo nada.

E cuidar de uma pessoa antes de ela infartar tem menos custos.

Fernando Torelly – Além de ser mais barato, nós somos profissionais de saúde e não da doença. Temos que trabalhar para a saúde. Portanto, temos que criar um modelo de incentivo que incentive as pessoas a se manterem com saúde. Acho que isso vai evoluir, que as operadoras estão cada vez mais entendendo isso. A pauta de curto prazo está atrapalhando todo mundo. Uma vez eu perguntei para o presidente de uma operadora porque ele não faz uma revolução em promoção e prevenção. Ele disse que as carteiras dos planos migram de uma operadora para outra, então você aumenta o custo de promoção e prevenção, mas depois o beneficiário vai para outra empresa. Vai chegar um momento – que chegou – que não é mais se uma operadora está passando por um problema, mas sim que a indústria toda colapsou do ponto de vista de sustentabilidade. Está na hora de todo mundo cuidar mais para que a gente mantenha as pessoas com saúde. E não é que alguém vai perder dinheiro com isso. Se o 60 mais vai dobrar, vai faltar lugar. Eu saí do hospital para vir aqui nessa entrevista com você. Tinha 17 pacientes no pronto-socorro sem leito para internar. Algumas indústrias estão buscando clientes, mas nós não estamos conseguindo atender todos os clientes que querem ser atendidos por nós. E esse número de clientes, que é o 60 mais, que ocupa 60% da estrutura do hospital, está dobrando. Imagina dobrar o número de clientes sem dobrar a estrutura? E ainda com uma crise de sustentabilidade onde todo mundo está perdendo margem. Sem falar de tudo o que está no por vir: piso da enfermagem, piso de outras categorias, reforma tributária.

A gente está vivendo o pior ano do ponto de vista da sustentabilidade econômica e financeira da indústria de saúde suplementar que eu vivo há 3 décadas. E isso vai nos obrigar a acordar melhor, porque se a gente não acordar melhor, nós teremos um grande problema.

Então o cenário é bem crítico.

Fernando Torelly – Não dá para ir ao banco pegar dinheiro porque é caro. Então, não é no banco que você vai pegar dinheiro. Você está com a operadora pressionando, aumentando glosa, aumentando o prazo de pagamento, aumentando e aplicando descontos, fazendo descredenciamento. Até a guerra da Ucrânia está nos prejudicando nesse momento. Você está com muitas variáveis. E, de novo, não é um ou dois players da cadeia produtiva. É a cadeia produtiva inteira. Porque se a operadora está com alto sinistro, tem dificuldade de repor inflação, quer mudar modelo, quer reduzir preço. Com isso, reduz a margem do hospital, que se relaciona com o fornecedor e ainda há a empresa, que é quem paga a conta, o reajuste de 25%. A operadora quer reduzir, mas vai aumentar para o pagador. O que a empresa tem que fazer? Ela não tem como assimilar um reajuste de 25%, 30%, 40%. Ela vai querer que mude o modelo também. Então, a indústria, toda a cadeia produtiva da saúde, tem muitas coisas boas, tem muitas iniciativas, o ambiente é muito mais solidário, porque a gente enfrentou junto uma pandemia e eu tenho certeza de que a gente vai acordar melhor, mas vai acordar diferente. Talvez as competências dos profissionais que trabalham hoje não são mais aquelas de um tempo atrás. A própria competência de construir junto, e não fazer um hospital e ir até a operadora pedir para credenciar. É o hospital e operadora discutirem qual a parceria estratégica que pode ter num novo ativo de saúde. Teremos que ter uma competência relacional, negocial absolutamente diferente do que nós tínhamos antes de 2019.

Vamos falar um pouco do Hcor. Como está a situação e quais os planos para os próximos anos?

Fernando Torelly – Em 2020, quando cheguei no hospital, ninguém me contou que eu chegaria em janeiro e março teria a pandemia. O hospital passou por uma transformação, um choque de eficiência, desde o processo de conta, glosa, suprimentos, processos, operações. E a gente conseguiu, com o mesmo número de leitos, 270, sair de um faturamento de 700 milhões para 1 bilhão. Em 2023 devemos fechar em 1,2 bilhão. Numa sala cirúrgica que fazia x procedimentos e você dá um choque de eficiência e produtividade, consegue fazer x + 20%. Se você rodar o leito mais rapidamente, você interna mais pessoas na mesma estrutura. Então, o hospital é um processo produtivo. Algumas pessoas me criticam porque eu falo “indústria da saúde”, mas nós somos uma indústria. Temos processos, procedimentos, temos que ter produtividade, temos ativos. Eu dou exemplo: ressonância magnética é um equipamento que você não pode tirar da tomada nunca, porque prejudica o equipamento. Então, toda a ressonância dorme ligada à noite e você tem fila de pessoas para fazer um exame num equipamento que dorme sem ninguém. Então, você tem um parque de equipamentos que podem ter agenda no sábado no domingo. Agora nós iniciamos algumas agendas na madrugada. Imagine São Paulo às 3:00 da manhã. Um procedimento que demoraria 3 horas no trânsito em um horário normal você faz em 20 minutos. Há clientes que aceitam fazer isso. Então, o choque de produtividade, de eficiência, foi o que fez o hospital chegar aonde está.

E há planos de expansão?

Fernando Torelly – O Hcor é um hospital que tem que crescer, não porque a gente quer que ele fique grande, mas porque ele é um hospital desejado pelos pacientes. Quando você tem 17, 20 pacientes no pronto-socorro, sem leitos para internar, isso é muito ruim. Porque pronto-socorro é lugar para você passar rápido. Você tem que aumentar o número de leitos. Dentro do prédio hospitalar, decidimos que só vai ter doente e profissional de saúde. Toda a estrutura administrativa, inclusive a direção, está indo para os prédios comerciais ao lado. Então, nós vamos chegar a um hospital de 324 leitos. E nós temos um projeto de um novo bloco hospitalar de mais 210 leitos. Só que para construir um hospital hoje você vai no BNDES ou num banco, faz um financiamento e depois de pronto você vai numa operadora pedir credenciamento. Eu tenho dito que nós não vamos construir, iniciar a obra, sem que uma operadora queira discutir um modelo desse hospital, porque ele pode ser um hospital diferente, um modelo de remuneração diferente, parceiro de uma ou mais operadoras e que atenda a necessidade do sistema de saúde.

Há planos mais concretos para esse novo bloco?

Fernando Torelly – O que nós estamos chamando de bloco F, com mais 210 leitos, já temos o terreno, próximo à Avenida Paulista. O projeto está pronto, já tramitando na prefeitura. E nós queremos construir o heart center mais moderno do Brasil, só que nós não vamos colocar nenhum tijolo sem antes as operadoras se sentarem com a gente. Vamos construir um modelo de remuneração diferente para esse hospital, vamos construir um modelo de linha de cuidado diferente, para que a gente não construa mais um ativo de saúde sem que esteja alinhado à necessidade do sistema futuro de saúde. Recentemente tivemos um dia histórico para o hospital: fizemos investimento de infraestrutura de mais de 100 milhões em todo o sistema elétrico para transformar um prédio de 50 anos em um mais moderno do ponto de vista de tecnologia. Inauguramos usinas de geração de energia, para que aquele prédio de 50 anos possa ter uma ampliação de 50 a 70 leitos, novos equipamentos. E, para isso, a gente reformou absolutamente tudo dentro do hospital. Então nós temos que crescer, porque os pacientes querem ser atendidos pelo hospital e é ruim você deixar um doente dormindo no pronto-socorro sem ter um leito para que ele possa ir quando já estiver definido que é uma internação que tem que acontecer. Se nós não tivéssemos aumentado 17 leitos nos últimos 2 meses, hoje estaríamos com quase 40 pacientes dormindo, esperando um leito dentro do hospital. E aí você diz: “O paciente reclama”. Reclama, mas ele continua, porque o cliente em saúde trabalha com a confiança e quando você é paciente num hospital, você é paciente de um médico, acredita num corpo clínico. Queremos que as pessoas continuem indo numa estrutura bem mais adequada.

Quando fica pronto esse bloco F?

Fernando Torelly – Como somos muito otimistas, já estamos desenvolvendo o projeto do hospital. Tenho todo um projeto executivo, definição do que vai ter, de salas de hemodinâmica, salas cirúrgicas. Nós estamos construindo um projeto. Vai chegar um dia que o projeto vai estar pronto em cima da mesa. O que eu tenho feito é entrar em contato com as operadoras para apresentar essa oportunidade de um projeto conjunto colaborativo do Hcor com uma operadora. A gente está sendo atrapalhado pela pauta de curto prazo. As operadoras preferem tratar de outros temas nesse momento. Mas não podemos ficar na pauta de curto prazo para sempre. Então, a expectativa é que efetivamente a gente consiga, no próximo ano, iniciar a construção desse novo empreendimento, em parceria institucional e estratégica, com uma ou mais operadoras de planos de saúde. Porque podemos construir uma arquitetura de produto. Imagina um hospital onde o paciente cardiopata, idoso, não vai lá quando está doente. Ele passa a ser cuidado por nós para mantê-lo com saúde e, quando ficar doente, ele sabe que tem um hospital que vai atendê-lo também. Então, tem modelos diferentes que temos a obrigação de explorar.

E aí poderia, por exemplo, um modelo seu, verticalizado, específico só com uma operadora?

Fernando Torelly – Nós somos um hospital de mercado. Nós queremos verticalizar o modelo de cuidado e poder oferecer para uma ou mais operadoras. Porque a verticalização tem foco em custo. A gente pode construir uma alternativa de custo a partir de um modelo de cuidado mais organizado, isso pode ser um produto para operadora A, para operadora B, para operadora C. Porque, de novo, nós somos de um segmento que é um hospital de mercado que atende operadoras de mercado.

Nós não temos interesse nenhum em verticalizar uma única operadora, porque hoje atendemos várias. Mas podemos verticalizar o modelo de cuidado e esse modelo ser atrativo para as operadoras.

Neste contexto, a integração entre parcerias público-privadas também pode contribuir para o sistema. Inclusive, você possui um projeto, a associação Voluntários da Saúde, certo?

Fernando Torelly – Durante a pandemia eu estava em casa, e a gente trabalhava 24 horas, porque estava atrás de informações. E um dia eu estava em casa e um hospital lá do Sul – que eu ajudei a construir quando eu estava no Moinhos de Vento – estava com um exército de campanha na porta do hospital para atender Covid. Só que naquela época, o resultado do exame de Covid demorava uma semana. E o hospital estava com tomógrafo estragado – que é o exame de imagem padrão-ouro para decidir se você tinha Covid ou não –, então não tinha nenhum exame. Aí eu liguei para a direção do hospital e perguntei o que eu poderia fazer para ajudar. “Nós somos um hospital 100% SUS na região mais pobre da cidade de Porto Alegre. Só temos 500 mil reais e o tomógrafo custa 900 mil”. Eu disse que ajudaria a negociar. Quando deu certo, me dei conta que eu poderia doar algo que eu tenho, que eu construí em 30 anos, que é o meu conhecimento. Eu coloquei isso nas plataformas sociais e hoje nós somos 700 pessoas. Damos consultoria gratuita para mais de 30 hospitais. Não tem nenhuma região do Brasil que não tenha um hospital apoiado por nós.

E o que fazem exatamente?

Fernando Torelly – Em vez de fazer caridade, eu tenho 30 minutos na minha agenda por dia, que eu me dedico ao projeto. O que eu tenho de diferente do lado do hospital no Sertão? Eu tenho acesso ao conhecimento, experiência, uma curva de aprendizagem. E o que ele tem? Tem pouco dinheiro, mas tem propósito, porque está junto com a comunidade. É fácil falar que eu sou competente quando eu trabalho num hospital na Avenida Paulista, em São Paulo, que tem uma receita como Hcor tem. Só que eu posso aportar o conhecimento. O trabalho voluntário é complicado, mas a gente está evoluindo bastante e você vê que podemos ajudar muito. Essa é uma parceria público privada. Hoje, no Brasil, 6% dos hospitais possuem acreditação. Nós já devemos estar com mais de 10 hospitais que estamos preparando para acreditação 100% gratuito. Então, você está lá em Trindade, Goiás, tendo uma aula de capacitação gerencial com os melhores executivos do Brasil. Estamos discutindo com meu amigo Rogatti e Britto, da Fehosp e da Anahp, de fazer um curso para desenvolvimento de líderes para os hospitais das Santas Casas de São Paulo com os principais executivos dos hospitais da Anahp. E de novo, quando você vive num país desigual que nem no Brasil – e você é um privilegiado por trabalhar numa instituição, como meu trabalho – desigualdade de privilégio gera obrigação.

E no Proadi?

Fernando Torelly – Nós agora pactuamos um projeto do Proadi do Hcor, que é o teleeletro. O paciente chega em uma UPA e faz um eletrocardiograma. Em 15 minutos um especialista do Hcor interpreta o exame como uma segunda opinião. E se o eletro apresentar algum problema maior, ainda há possibilidade de entrar em contato e conversar. Nós fazemos isso em 150 UPAs e agora devemos passar para 500 UPAs. O Brasil deve ter 600 a 700 UPAs. Esse é um projeto colaborativo junto com a BP. Então, a gente vai poder chegar ao ponto que um paciente que chegar em qualquer UPA do Brasil terá um especialista, que em 15 minutos, numa plataforma totalmente integrada, vai poder apoiar o médico da ponta se o paciente tem que ir para um estudo hemodinâmico, se ele tem que tomar um trombolítico. A gente tem muito a fazer e eu não tenho dúvida que a área privada está totalmente à disposição e querendo fazer. Porque a gente fez isso na pandemia, a gente viveu isso. Então, a pandemia eu acho que tornou todo mundo mais solidário, mais generoso, e a gente tem obrigação de fazer.

Como você avalia o Proadi?  

Fernando Torelly – O Proadi é um exemplo bacana. Eu sempre digo, se você pegar os hospitais do Proadi, são todos hospitais de imigrantes. E a saúde do Brasil, a inovação veio pelos hospitais de imigrantes. Esses imigrantes foram recebidos no Brasil, os hospitais de imigrantes são obras de retribuição ao país, e a essência da retribuição continua. Se você tiver uma reunião com a diretoria estatutária da Associação Beneficente Síria, ela diz que o hospital tem que crescer para aumentar os projetos de filantropia. Então, a saúde tem isso, e a gente pode fazer bastante, só precisa ter uma estabilidade política. Não dá para a gente ter a rotatividade que o Ministério da Saúde do Brasil vem tendo. Porque cada ministro começa um projeto novo. A gente deveria transformar o Ministério da Saúde mais ou menos como o Banco Central. Por que no BC a gente é blindado por uma decisão de estabilidade da política econômica e no Ministério da Saúde, que cuida da vida, fica com a variabilidade? Eu trabalho há 30 anos na área hospitalar, o que já conheci de ministro… Mas está errado, deveria mudar o diretor do hospital, mas não mudar o ministro do jeito que que muda tão facilmente. Porque o crescimento vem na estabilidade. Os hospitais que estão melhores no enfrentamento da crise – eu fiz essa avaliação – sabe qual é a característica deles? Eles estão há uma década com a mesma direção e com o mesmo grupo executivo. Imagine gente competente trabalhando há mais de 10 anos juntas, todos os dias. Cada dia melhora um pouquinho. Agora, imagine uma instituição que a cada 5, 6 meses troca liderança e todo o corpo executivo. Esse é o Ministério da Saúde. Então, quando nós estamos no Proadi, estamos trabalhando em nome do ministério e a gente torce para que a pasta tenha estabilidade de políticas de governo, que não tenha tanta variabilidade, ingerência política, porque a saúde é de longo prazo.

Para fechar, quais suas expectativas para 2024? Vai melhorar?

Fernando Torelly – Não sei se vai melhorar. Eu acho que se a gente fizer a lição de casa, 2024 vai ser melhor. Temos que continuar com a pauta de curto prazo, mas temos que encontrar um espaço para a pauta reestruturante. Não adianta você imaginar que mudando tabelas, ampliando o prazo de pagamento, ampliando o prazo de entrega de contas, em alguns momentos aplicando descontos ou não fazendo a reposição inflacionária, você vai reduzir o sinistro numa população que vai dobrar de tamanho com 60 anos ou mais. Ou você vai ter uma pauta estruturante ou vai piorar ano a ano. A gente sabe que tem que fazer juntos. Não adianta gastar tempo no conflito, porque não vai adiantar absolutamente nada. No primeiro semestre a gente não estava entendendo o que estava acontecendo. “Terminou a Covid, agora a gente vai ficar um pouquinho melhor”. O profissional de saúde saiu da pandemia sequelado emocionalmente, fisicamente sobrecarregado. E quando é o momento de ele restabelecer a normalidade, vê uma crise de sustentabilidade sendo implementada. A gente tem que – como geração – encontrar uma forma de estabilizar e de passar por um momento diferente. Eu sou otimista. Estamos voltando a estabilizar a aeronave. Em 2020, a Covid trouxe desconhecimento. Em 2021, tragédia sanitária. Em 2022, todo mundo pegou Covid com a Ômicron. Em 2023, a crise de sustentabilidade. Só que a crise de sustentabilidade, se vier junto com a lição de casa bem-feita, não tem novidades para 2024. Então, vamos entrar no ano mais preparado, eu acredito.

Quais pautas quentes devemos estar atentos para 2024?

Fernando Torelly – Eu acho que há temas extremamente importantes que temos que começar a dar visibilidade, como a desigualdade. Nós estamos falando em inteligência artificial, quando as pessoas ainda estão numa fila há um ano esperando para fazer uma cirurgia. A expectativa média de vida dos pacientes – é um estudo que tem no mapa da desigualdade em São Paulo, que calcula a média de idade ao morrer, por bairro – na cidade Tiradentes é 58 anos, enquanto nos Jardins é 80 e tantos anos, uma diferença de 40%. Nós deveríamos nos envergonhar todos os dias com a desigualdade de acesso à saúde que tem no nosso país. Essa é uma pauta importante. Outra pauta é a de produtividade e do modelo de financiamento das Santas Casas, por exemplo. Imagine Santas Casas já endividadas, deficitárias e agora vem o piso da enfermagem que ela não tem condição nenhuma de pagar. Então, lembra que os hospitais regionais, com a Covid, podiam ter todo o dinheiro do mundo, mas era o hospital da sua cidade que ia salvar. A gente tem que discutir a importância desse hospital e não adianta ter uma indústria rica no município e um hospital pobre. O empresário dessa indústria tem que ir lá investir no hospital – e não estou dizendo que é botar dinheiro, talvez a ida do empresário para o conselho do hospital pode ajudar a melhorar a gestão.

Quais outras pautas?

Fernando Torelly – Tem a questão de ruptura do modelo de cuidado. Isso é um ponto bem importante. Vamos trabalhar com o ativismo da saúde e vamos nos tornar profissionais de saúde. Porque hoje a receita do sistema vem da doença. Imagina que bacana o seu médico entrar em contato com você, porque ele tem todas as informações autorizadas por você em um portal, e ele está vendo que alguns resultados mostram o preditivo de algum tipo de doença mais grave. E ele liga para você. Hoje você faz o seu diagnóstico e decide quando você vai no médico. E quando você chega no médico, ele pergunta as informações que você tem. Então, eu acho que a mudança da transformação digital com integração de dados, e usando isso para o bem da saúde, é um ponto que eu considero também extremamente importante. Outra questão é o papel da imprensa. Na pandemia a imprensa cumpriu um papel fundamental, porque vocês orientaram a sociedade. Vocês salvaram muitas vidas. Quem comunicou a sociedade foi a imprensa, foram os jornalistas. A gente fala muito dos heróis da saúde e fala do médico, de quem está no hospital, mas vocês é que foram a linha de frente dessa transformação. A gente só não pode deixar a pauta da saúde sair da importância que ela tem. Porque era uma pauta única e agora ela volta a ser uma das muitas pautas, muitas vezes secundária. E estamos vivendo um colapso sanitário, não tão grave quanto a Covid, mas muito grave, de muitos brasileiros que não estão conseguindo acessar o sistema. Então, acho que dar transparência para isso é muito bacana e só vocês podem fazer isso. Nós vamos viver uma revolução sanitária e vocês são os porta-vozes desta revolução, até para orientar as pessoas, “voltem a ter o seu médico, faça seus exames de rastreio, façam as vacinas, cuidem da sua alimentação”. Porque a doença, muitas vezes, está relacionada ao nosso estilo de vida. Vocês é que tem o microfone e falam com milhões de pessoas numa linguagem cada vez mais estruturante, focada na saúde. Vocês vão contribuir para essa revolução acontecer. A gente tem que ter a pirâmide etária da Europa, mas com saúde, senão a gente não vai ter dinheiro para pagar a conta.

Natalia Cuminale

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, com as reportagens, na newsletter, com uma curadoria semanal, e nas nossas redes sociais, com conteúdos no YouTube.

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