Fernando Pigatto, presidente do CNS: “Temos que avançar para 6% do PIB como piso mínimo da saúde”

Fernando Pigatto, presidente do CNS: “Temos que avançar para 6% do PIB como piso mínimo da saúde”

Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto fala sobre a atuação do órgão, a participação social e a relação com o Ministério da Saúde

By Published On: 10/06/2024
Presidente do CNS, Fernando Pigatto fala sobre a relação do Conselho com o Ministério (Foto: CNS)

Presidente do CNS, Fernando Pigatto fala sobre a relação do Conselho com o Ministério (Foto: CNS)

O controle social do Sistema Único de Saúde (SUS) é uma das principais marcas da saúde pública no Brasil. Através da participação da sociedade, seja de forma autônoma, entidades médicas ou associações de pacientes, é possível atuar na avaliação e sugestão de políticas públicas. No entanto, é através do Conselho Nacional de Saúde (CNS) que a atuação é mais próxima, assim como a cobrança do Ministério da Saúde e do Governo Federal. Em entrevista ao Futuro da Saúde na sede do CNS, em Brasília, Fernando Pigatto faz um balanço sobre a relação com o Ministério da Saúde, a busca pelo fortalecimento da saúde e as pautas mais latentes para o Conselho.

Formado por profissionais da saúde, usuários do SUS, gestores, prestadores de serviços, movimentos sociais e membros da comunidade científica, o CNS trabalha para ser o garantidor da proteção e do acesso da população. Em meio a conflitos econômicos e políticos em torno de agendas, o Conselho colabora para resguardar a saúde púbica, como no caso das discussões sobre o piso mínimo constitucional que o Governo Federal deve investir na saúde – o qual o órgão se posiciona não só pela permanência do piso, mas pelo aumento do valor para 6% do PIB brasileiro.

À frente do CNS desde 2018, Fernando Pigatto avalia que o Conselho tem executado um papel importante para o SUS, assim como o trabalho junto à ministra Nísia Trindade tem sido essencial para levar pautas e conseguir efetivar políticas. Ele atua no órgão desde 2014, onde representa a Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam). Natural do Rio Grande do Sul, Pigatto tem colaborado com o Centro de Operações de Emergência (COE), iniciativa do Ministério para criar estratégias de enfrentamento às enchentes que assolam o estado gaúcho.

A conversa faz parte de uma série de entrevistas realizadas pelo time do Futuro da Saúde em visita recente à Brasília. O link com todos os materiais pode ser acessado aqui

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

Como você analisa a atual atuação do CNS?

Fernando Pigatto – O Conselho Nacional de Saúde é um órgão colegiado, tem 86 anos, e depois da Constituição de 88 passou a ter um caráter muito mais ativo, justamente por fazer parte de uma estrutura do SUS, assim como os conselhos estaduais, municipais e locais. Nós fomos um alicerce, um dos pilares que sustenta e que ajuda a construir o Sistema Único de Saúde. E o conselho, cada vez mais, vem se fortalecendo. Teve uma participação muito efetiva, reconhecida externamente, não só no Brasil. Inclusive durante a pandemia da Covid-19. Ganhamos um destaque importante por enfrentar o negacionismo do governo federal que estava na ocasião e todas as questões que eram defendidas, tentando implementar um trabalho a favor do vírus. Isso também era copiado por alguns estados e municípios, e nós fortalecemos a rede de conselhos, atuamos muito no tempo da pandemia. Contribuímos com a CPI que foi instalada no Senado Federal. Fizemos, também, incidência internacional. Temos hoje vários documentos publicados e um material extenso que fala sobre essa atuação, que é reconhecida. Continuamos fazendo um trabalho, obviamente que em um outro cenário. Fomos convidados, na transição do Governo, no final de 2022, a participar do Grupo de Trabalho da Saúde, coisa que nunca tinha acontecido em governo nenhum, justamente por esse reconhecimento que o Conselho passou a ter.

E como está esse diálogo?

Fernando Pigatto – Hoje temos um diálogo muito importante, uma construção coletiva com o próprio Ministério da Saúde e com as próprias secretarias nacionais, porque a gente construiu isso, inclusive, desde antes da eleição. O Conselho Nacional de Saúde fez uma atividade da sua Comissão de Orçamento e Financiamento com as candidaturas que estavam concorrendo. Nós convidamos as quatro candidaturas que estavam colocadas nas pesquisas, só uma que não compareceu, que foi, justamente, a que estava na Presidência da República. As candidaturas do presidente Lula, Ciro Gomes e Simone Tebet foram naquele debate. Então, nós apresentamos sugestões que foram construídas pelo CNS. Na transição, nós pudemos defender aquelas propostas que tinham sido incorporadas ao programa de governo vencedor das eleições para que ele fosse implementado, e agora estamos ajudando a implementar. A relação com o Ministério da Saúde e o trabalho do Conselho Nacional de Saúde, também na relação com os demais conselhos estaduais e municipais, está sendo  algo diferente do que foi em momentos em que o Conselho também atuava em governos mais abertos à participação social, como tivemos dois governos do presidente Lula e um governo da presidenta Dilma. Estamos em uma crescente. Que espaços de construção coletiva cada vez se fortaleçam mais. É o que a gente espera, inclusive, do futuro. Que a atuação do Conselho cada vez seja maior, o reconhecimento seja maior e a contribuição do Conselho seja maior para a sociedade brasileira.

Quais áreas estão no foco do CNS?

Fernando Pigatto – Temos uma atuação em várias áreas, com 19 comissões interssetoriais do Conselho Nacional de Saúde, que contam com pessoas conselheiras, mas principalmente com pessoas não conselheiras, em média, são 30 pessoas por conselho. Não poderia te dizer qual a área que deveria ter uma atuação maior porque o que a gente vê dessas comissões, que é quem subsidia o Conselho para a tomada de decisões, é uma atuação muito forte. Recentemente, inclusive, passamos por uma conferência de saúde mental. Hoje a gente tem um destaque porque essa área teve uma conferência específica. Nós tivemos uma conferência de saúde indígena também. Então, essa também é uma área que, quando tem uma conferência daquela comissão, todo o Conselho se envolve, os conselhos estaduais e municipais se envolvem, e é importante salientar que isso faz com que o tema fique em evidência. Mas isso não significa que outros temas não são tratados. Por exemplo, a questão da ética em pesquisa. Nós temos a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), que é uma comissão que contribui muito para a sociedade brasileira, que tem centenas de CEPs, Comitês de Ética de Pesquisa, espalhados no Brasil inteiro, trabalhando sobre a questão da pesquisa e tratar os participantes de pesquisa com o resguardo que precisa ter.

Inclusive a Conep teve um debate sobre o PL das pesquisas clínicas.

Fernando Pigatto – Enfrentamos, no Congresso Nacional, a votação de um projeto que não saiu como a gente queria. Na verdade, o projeto foi aprovado, mas nós incidimos para que ele fosse melhorado. Conseguimos alguns avanços, mas nem todos que nós almejávamos. Quando a gente viu que não tinha mais condições do projeto não ser aprovado, passamos a incidir para que ele fosse melhorado. Então, tivemos uma atuação muito forte. 

E onde a participação social pode melhorar? Poderia citar exemplos?

Fernando Pigatto – Eu não saberia dizer qual área deveria ter uma atuação maior. Acho que isso também é uma avaliação que precisa muitas vezes ser feita de fora. Sempre precisa melhorar. Sempre precisa fortalecer a atuação. Mas não saberia até destacar qual a área especificamente teria que ter uma atuação mais forte. Temos a Comissão Interssetorial de Vigilância e Saúde, que teve uma conferência entre 2016 e 2018, que inclusive eu era, na época, coordenador daquela comissão. Tive a oportunidade de, junto com o presidente da época, o Ronald dos Santos, coordenar uma conferência que aprovou uma Política Nacional de Vigilância e Saúde em 2018, que infelizmente o governo anterior não colocou em prática e que agora está sendo perseguida essa política para que ela seja implementada. Ou seja, estamos perseguindo aquilo que está colocado lá para que seja implementado por esse governo, pela Secretaria de Vigilância e Ambiente. Ela tem um papel fundamental, que agora, na questão das enchentes do Rio Grande do Sul, está nos subsidiando para aprovação de uma recomendação sobre as questões relativas ao que causou. Tivemos episódios menos graves, mas também graves em outros lugares do Brasil, e no mundo inteiro está acontecendo isso. 

Como o CNS tem apoiado a expansão dos Conselhos?

Fernando Pigatto – Uma campanha forte que estamos fazendo é exatamente para a criação de Conselhos Locais de Saúde. Na pandemia, verificamos que nos locais onde as comunidades estavam mais organizadas, a pandemia foi enfrentada melhor. Assim, lançamos na Conferência Nacional de Saúde do ano passado, na 17ª edição, uma resolução homologada pela Ministra na abertura da Conferência, que é estimulando a criação e o fortalecimento de Conselhos Locais de Saúde. Estamos também realizando oficinas regionais da nossa Comissão de Orçamento e Financiamento para poder qualificar cada vez mais, ajudar na formação, que é uma outra coisa importante que fazemos, a formação pelo controle social, com movimentos, com conselheiros e conselheiras, para que cada vez mais quem está nos Conselhos possa atuar. Em cada unidade de saúde tem um Conselho Local de 4 a 16 pessoas, que ajude a resolver os problemas ali na ponta, assim como nas unidades hospitalares, que já temos em vários lugares, exemplos de Conselhos Locais que ajudam a resolver o problema onde as pessoas vivem. O sistema de conselhos tende a cada vez se fortalecer mais. 

Você citou a questão do financiamento e vemos uma discussão permeando o governo sobre a flexibilização do piso da saúde. Como o CNS se posiciona frente a isso e qual é o papel de vocês para garantir a permanência do piso?

Fernando Pigatto – Não é a primeira vez que a gente está enfrentando esse debate e eu diria que desta vez o debate está vindo com menos força do que veio no passado. Porque a gente teve uma ameaça real onde o governo como um todo defendia isso. Desde 2016 enfrentamos no pleno deste Conselho, enfrentamos o Ministério da Saúde, onde inclusive dentro do próprio Ministério da Saúde tinha gente defendendo isso. Nós vencemos aquelas batalhas. Então, da mesma forma, agora tem setores dentro do Ministério da Fazenda e Ministério do Planejamento, mas pessoas que estão lá dentro defendendo essa posição, inclusive de carreira, que estão lá a muito tempo, que continuam com as mesmas teses. Acreditamos que ela não vai prosperar. Tanto que saiu uma “fumaça”, e onde tem fumaça tem fogo. Reforçamos o nosso posicionamento, que sempre vem sendo feito, de que a gente tem que manter os pisos constitucionais. Essa garantia constitucional é muito importante e para além disso, temos que avançar para a gente ter 6% do PIB a nível nacional aplicado em saúde. Isso é resolução de conferência. Nós aprovamos isso na conferência do ano passado.

E vocês levaram essa demanda para o Ministério?

Fernando Pigatto – Já colocamos isso para o Ministério da Saúde, já colocamos para o governo como um todo e nós vamos perseguir isso. No plano plurianual nós defendemos isso, no plano nacional de saúde nós defendemos isso. E o nosso horizonte é esse. Nosso horizonte não é acabar com pisos no nível estadual e municipal. Nosso horizonte é caminhar para que no nível nacional tenhamos um mínimo de recursos financeiros garantidos para aplicar em saúde. Então, estamos caminhando nisso. Estamos abertos a fazer esse debate. Nós temos pessoas preparadas para fazer esse debate, os nossos documentos embasam a nossa decisão. Seja documentos do próprio pleno do Conselho, subsidiado pela Comissão de Orçamento e Financiamento e outras comissões, como a própria deliberação da Conferência Nacional de Saúde. Não é pela extinção de pisos, muito pelo contrário. É de que a gente garanta um mínimo a nível federal também a ser investido na saúde.

Vimos também a ministra ser muito pressionada por diferentes lados, principalmente do Congresso. Como o CNS vê essa pressão?

Fernando Pigatto – Temos que seguir trabalhando. Não somos nós que indicamos a ministra, quem indica a ministra é o Presidente da República. Mas nós somos parceiros do trabalho que vem sendo desenvolvido pelo Ministério da Saúde e que a ministra Nísia representa um projeto de fortalecimento do Sistema Único de Saúde e de compromisso histórico, inclusive, com quem ajudou a formular o SUS e que todo esse período de 36 anos tem trabalhado para fortalecer esse sistema. Temos uma relação muito forte com o Ministério como um todo, porque temos conseguido avançar naquilo que defendemos. Conseguimos fazer com que nos estados os conselhos, a partir das deliberações de conferências, influenciassem nos planos estaduais de saúde e no plano plurianual dos estados. E nós, a nível nacional, conseguimos influenciar na elaboração do plano plurianual nacional e no plano nacional de saúde. Isso é um avanço, é uma conquista. Tanto que a gente mudou o período de fazer conferência, a partir de 2019. Só que o poder de incidência naquele ano, quando realizamos a etapa nacional no início de agosto, foi mínima, porque o governo não era favorável. Atrapalhavam nossa atuação, inclusive. Cortava orçamento. Não seguia as nossas orientações.

E agora, o CNS está alinhado às políticas do Ministério da Saúde?

Fernando Pigatto – Temos pontos a aperfeiçoar e contradições, como é próprio da democracia, e o controle social atua, com os movimentos sociais, muitas vezes pressionando para que o governo avance. Mas há pressão de outros lados, tem o setor privado e o Congresso, por exemplo, mas acreditamos que a ministra Nísia está sendo habilidosa para poder se relacionar com todos esses atores da política. E nós somos parte desta política que constrói o Sistema Único de Saúde. A ministra tem tido conosco uma relação muito próxima, não só ela, como toda a equipe do Ministério da Saúde. A participação, por exemplo, das representações do Ministério da Saúde nas nossas comissões interssetoriais ainda tem algumas coisas a ajustar, porque às vezes a pessoa recebe uma orientação e acaba não indo ou não participa ativamente. A orientação que a própria ministra está dando para a Secretaria Executiva e para quem representa o Ministério aqui dentro da Mesa Diretora é para que haja a troca daquelas pessoas que não estão contribuindo como deveriam nas comissões interssetoriais. No próprio pleno do Conselho, a atuação do Ministério da Saúde é permanente na Mesa Diretora. E em todos os espaços que temos chamado o Ministério da Saúde a vir falar ou explicar alguma situação, o Ministério tem vindo e, ao mesmo tempo, temos sido convidados para muitas atividades do Ministério da Saúde, o que mostra o prestígio que o Ministério da Saúde dá ao Conselho Nacional de Saúde.

Natalia Cuminale e Rafael Machado

Natalia Cuminale é fundadora e diretora de conteúdo do Futuro da Saúde. Rafael Machado é repórter do Futuro da Saúde.

Natalia Cuminale é fundadora e diretora de conteúdo do Futuro da Saúde. Rafael Machado é repórter do Futuro da Saúde.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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Natalia Cuminale é fundadora e diretora de conteúdo do Futuro da Saúde. Rafael Machado é repórter do Futuro da Saúde.